quarta-feira, 6 de abril de 2016

Leitor traduz texto que coloca Globo no escândalo do Panamá Pappers



Um jornalista amigo do blogue me enviou há pouco a tradução do texto do jornal holandês Trouw, que pode ser lido no original neste link. Quem traduziu não é profissional, mas alguém que lê em holandês para acompanhar o futebol de lá.   
A matéria, que está sendo escondida pela mídia nativa, coloca a Globo no escândalo do Panamá Pappers. 
O texto pode conter algumas imprecisões, mas permite entender melhor o caso que já foi divulgado em outros blogues, a começar pelos Amigos do Presidente Lula.   
Se alguém que domina holandês quiser melhorar algum ponto da tradução, o blogue estará aqui para ir atualizando o texto.  

A bolada rola via Holanda

O Nederlandsche Bank apura possíveis lavagens de dinheiro no futebol. De fato, circulam formidáveis quantias, via “empresas fantasma” holandesas. Assim, milhões terminam nas mãos de gente que está sendo acusada no escândalo de corrupção da FIFA  

“São contratos absolutamente mal feitos”, diz Frank van den Wall Bake. O renomado empresário de marketing esportivo, regularmente envolvido nas relações e acordos dos contratos com empresas desse meio, não faz rodeios. Os contratos entregues a ele pelo Trouw e por Het Financiële Dagblad formam a base pela qual o dinheiro é obtido, através de uma empresa “fantasma” holandesa, para algumas empresas de marketing esportivo na América do Sul, que usarão as quantias na compra de direitos para torneios de futebol. Mas, como base, esses contratos são suspeitos, segundo Van den Wall Bake.

Algumas folhas de papel  

Chama a atenção de Van den Wall Bake que os contratos sejam tão curtos, no máximo de algumas folhas. “Quando você relaciona esses contratos às quantias das quais eles falam, que circulam na região de alguns milhões, você já espera contratos que vão de 30 a 40 páginas”. Também o surpreende o fato das descrições serem tão vagas: “Nesse tipo de contrato, a exclusividade [dos direitos] é uma das cláusulas mais importantes. Você quer ter a certeza de que você é o único detentor dos direitos. Mas nesses contratos faltam cláusulas assim”.  

Os contratos são para partidas da Copa Libertadores, o equivalente da América do Sul à Champions League. A competição é organizada pela confederação sul-americana de futebol (CONMEBOL). Esta dá a diferentes emissoras de tevê da região permissão para a transmissão das partidas, mediante pagamento.

Acusações de corrupção  

Em meados do ano passado – em maio, para ser mais preciso -, revelou-se que nem sempre esse processo foi tão organizado. Pelo menos, é o que pensa a justiça norte-americana. Numa acusação de exatas 164 páginas contra diretores da FIFA, a entidade que controla o futebol mundial, a justiça diz ter indícios de que dinheiro de empresas de marketing esportivo foi usado para pagar propinas aos diretores da CONMEBOL – diretores que também ocupavam cargos na FIFA. 

Entre eles está o uruguaio Eugênio Figueredo, que presidiu a CONMEBOL até 2014 e era vice-presidente da FIFA. Ele foi preso na Suíça, e extraditado para o Uruguai em 2015. Segundo as acusações, Figueredo recebeu propinas de, entre outros, José Margulies, um empresário brasileiro de marketing esportivo. De acordo com o indiciamento, José é o homem por trás de duas empresas, a Somerton e a Valente, que teriam servido como intermediárias do dinheiro sujo.

E é precisamente esta a razão por que os contratos observados por Van den Wall Bake são tão interessantes: são documentos que representam a circulação de dinheiro entre a Valente e uma empresa fantasma holandesa, a Torneos & Traffic Sports Marketing bv (T&TSM), pela qual os direitos foram adquiridos. O especialista vê ainda mais irregularidades. A T&TSM pagava anualmente 800 mil dólares à Spoart, outra empresa de Margulies, para a comercialização dos direitos de transmissão. Segundo Van den Wall Bake: “Esta quantia é ridícula. Eu diria que é menos da metade. Diria que é um quarto”. 

Além disso, está no contrato entre a T&TSM e a Valente que esta última será contratada para aconselhar sobre transmissões e sobre o trajeto dos times até os estádios. “Bem, como você traz uma delegação para um estádio? Parece-me que é de ônibus, com batedores à frente ou atrás. E a combinação sobre os direitos de transmissão também não faz sentido. [Esse contrato] fala de duas competências muito diferentes”. Disso, ele conclui: “São contratos absolutamente mal feitos”. 

Documentos vazados

Acima de tudo, surpreende que as empresas sejam desconhecidas de Van den Wall Bake. Não só a Somerton ou a Valente, mas também as duas outras mencionadas no contrato: a Spoart e a Arco Business. “Quando você fala sobre a venda ou a intermediação de direitos de transmissão para um torneio importante como a Copa Libertadores, você pensa em grandes conglomerados de marketing esportivo, como a IMG ou a Lagardère. São grandes ‘players’ no mercado, não essas empresas pequenas”.  

Van den Wall Bake não está sozinho nessa constatação, conclui a interpretação que o Trouw e Het Financiële Dagblad puderam fazer com base nos documentos vazados da Mossack Fonseca (MF). Essa empresa de conselhos jurídicos do Panamá direciona-se a clientes de todo tipo de empresa, notoriamente em paraísos fiscais. Na Holanda, ela trabalhou por muitos anos junto de Frank Sonsma, da Mossack Fonseca Netherlands, uma representante das empresas-fantasma. Sonsma assumiu o controle da T&TSM no final de 2013, junto a outra representante holandesa, a TMF. E ele o fez por meio de irregularidades.  

Para começar, Sonsma não é definitivo por si só, porque a T&TSM precisa de outra representante. Ao perguntar ao escritório central [da Mossack Fonseca] no Panamá, Sonsma recebeu como resposta que as relações entre a empresa de marketing esportivo e a representante não é mais das melhores. Segundo a T&TSM, a prestação de serviços durou pouco, e a TMF era cara demais. E para responder a perguntas posteriores, Sonsma poderia ligar a um advogado da TMF.  

E em 25 de outubro de 2013, Sonsma conseguiu do representante jurídico da TMF, Frits Verhaert, as verdadeiras razões da quebra de contrato: a despeito de diversas apurações, não havia acabado a validade de todos os documentos que a T&TSM precisava dar à representante holandesa, no âmbito da lei do país. Portanto, a TMF havia rompido o contrato com a T&TSM, não o inverso. Perguntada pela Trouw e pelo FD sobre a sua versão da história, a TMF disse que nunca entra em relações específicas com clientes. Daí, também não se sabe se a TMF comunicou que a T&TSM estava irregular ao órgão supervisor, o Nederlandsche Bank.  

Perguntas críticas

Sonsma advertiu o escritório central no Panamá que este precisaria ser prudente na apuração sobre a T&TSM: “Nós não podemos criar uma situação na qual aceitamos um cliente que não cumpriu todas as suas obrigações, e do qual não temos todos os documentos. Não podemos deixar que o Nederlandsche Bank venha verificar nossos dossiês, para controlar nossa licença, e nem tudo esteja em ordem”.  

Sonsma investigou todos os contratos, que ainda foram fechados com a TMF, e descobriu irregularidades. Pela T&TSM passam anualmente mais de 16 milhões de dólares, mas essa circulação monetária não está completamente esclarecida aos olhos dele. A T&TSM consegue os direitos de transmissão de uma empresa homônima, localizada nas Ilhas Cayman, e licencia os direitos no âmbito brasileiro à TV Globo. Ao passarem os anos, os custos para a Globo aumentaram, segundo o MF, devido a “mudanças macroeconômicas na região”. Em maio de 2015, a justiça norte-americana descreveu como os valores dos contratos dos direitos de transmissão precisavam ser aumentados nesses anos, para satisfazer a fome cada vez maior de dinheiro dos membros da FIFA.

Assim, as quantias que a Globo depositou numa conta do ING (nota: ING é um banco holandês) pertencente à T&TSM formam a única fonte de renda dessa sociedade. Seria lógico que a T&TSM repassasse os royalties recebidos da Globo à sua homônima nas Ilhas Cayman, que é a proprietária aparente dos direitos. Mas isso não acontece.  

Balanço anual  

A partir de 2011, a T&TSM fez pagamentos anuais a uma empresa panamenha, de nome Valente Corp. e à Arco Business, uma sociedade nas Ilhas Virgens Britânicas. Desde 2013, também se seguiram pagamentos anuais à empresa brasileira de marketing esportivo, a Spoart. Sonsma não conhecia essas empresas, e nada indicava que os proprietários dessas empresas tivessem algo a ver com o assunto dos direitos de transmissão ou com televisão. Sonsma se surpreendeu. O escritório central do Panamá pode esclarecer como isso é possível? Sonsma manda perguntas também à Arco. Em 2013, mostrou-se que os pagamentos atingiram somas de até 12,5 milhões de dólares por ano.

Mas qual é o objetivo da Arco Business? Como proprietário dela, consta um homem que é contador. Sonsma escreve e aposta que esse contador opera como um tesoureiro, que recebe quantias e paga a entidades responsáveis pela organização de jogos de futebol. Para ter certeza disso, ele quer verificar o balanço anual da Arco. O MF pode mandar isso? Parece um problema: a Arco está sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, e lá as empresas não precisam publicar balanços anuais.  

Assim se passam algumas semanas. E Sonsma faz indagações mais agudas. Algumas recebem resposta, outras não. No começo de fevereiro de 2014, finalmente Sonsma chega às respostas que procurava, já que cartas de referência de emissoras de tevê do Brasil e da Colômbia indicam que elas realmente fizeram uso dos serviços da Valente e da Spoart. Com isso, a papelada de Sonsma parece ganhar alguma ordem. Realmente, há alguns jogos cujos direitos de transmissão foram vendidos pela T&TSM, e que realmente foram exibidos pela tevê. Portanto, a Spoart e a Valente têm algo a ver.

Sonsma é nomeado diretor, e deste modo a T&TSM pode seguir com os pagamentos à Valente e à Spoart. Mas ele não quer mais realizar os pagamentos à Arco Business, porque  não consegue fazer a ligação dessa empresa com eventos esportivos. Assim, ele entrega à Valente os 12,5 milhões de dólares destinados à Arco.  

Geldrop  

Mas em questão de um ano e meio após Sonsma tornar-se diretor da T&TSM, a situação muda de novo. Maarten van Genuchten, tradutor da cidade de Geldrop (na província de Brabante), passa à direção em 1º de outubro de 2014. Sonsma segue na administração. A esposa de Van Genuchten, a recepcionista de hotel ítalo-argentina Marina Kantarovsky, já é proprietária da empresa-mãe da T&TSM, localizada no Chipre.  

Por que Van Genuchten e Kantarovsky se inscreveram? Kantarovsky era a real proprietária ou era testa-de-ferro de alguém? A despeito dessas perguntas, a dupla não responde a indagações. No registro da Câmara de Negócios, aparece que Van Genuchten nem está mais relacionado à empresa: desde 30 de outubro de 2015 a T&TSM está sem diretor.

E ainda há muito a apurar pelo Nederlandsche Bank, se ele quer responder à pergunta sobre quem deveria ter advertido que os contratos e a circulação de dinheiro eram possivelmente duvidosas. O certo é que muitos envolvidos se afastaram da T&TSM após os indiciamentos da justiça americana. Sonsma afirma: “Quando ficou claro que as transações da T&TSM tinham algo a ver com gente que foi indiciada no escândalo da FIFA, colocamos em discussão a nossa relação com os detentores finais dos direitos. Enquanto isso, a relação está completamente interrompida”. Até quando as contas desta entidade no ING seguiram regulares, não se sabe. O banco não respondeu às perguntas do Trouw e do FD.



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