quinta-feira, 17 de julho de 2008

Intertextualidade - Considerações Gerais (Parte I)

Prof. Diógenes Afonso

Você já esteve diante de um texto ou fragmento de texto e, por um momento, pensou tê-los lido alguma vez, embora possuísse a plena certeza de que eles eram inteiramente novos?
Não, você não enlouqueceu e nem comprou um livro que já existe em sua biblioteca particular. Você está, na verdade, diante de um fenômeno que nos ocorre quando nos defrontamos com as diversas linguagens que nos cercam: a intertextualidade.

O que pretendo com esta postagem
é tão-somente iniciar o leitor nas considerações acerca do que vem a ser, em linhas gerais, o fenômeno da intertextualidade. Não buscarei as fundamentações acadêmicas. Dessa forma, os conceitos de texto, contexto, polifonia e discurso - importantes para compreender, sistematicamente, o universo intertextual - deverão estar subjacentes ao que aqui será postado. Não os revelarei, tampouco tratarei deles à luz das variadas teorias da linguagem. O meu propósito é apresentar a Intertextualidade de maneira simplificada , ainda que isso traga as lacunas próprias da simplificação.


Leiamos a definição do verbete no Dicionário Aulete Digital:


(in.ter.tex.tu:a.li.da.de)

sf. 1 Liter. Influência direta ou indireta de um ou mais textos literários preexistentes na elaboração de um novo texto.

[F.: Intertexto + -(i) + dade.]


Conforme se percebeu acima, o Aulete define a intertextualidade como sendo um evento circunscrito, limitado ao âmbito da literatura. Entretanto é possível assegurar que os laços intertextuais ocorrem para além das veiculações literárias, pois os encontramos em produções comunicativas cuja linguagem não é estritamente verbal (linguagem que usa a palavra como signo). Se assim o fosse, o que dizer das manifestações intertextuais na pintura, na escultura, na música, no cinema?


Grosso modo, a intertextualidade se dá quando existe uma interação entre textos (entendidos, aqui e em um sentido mais amplo, como quaisquer manifestações comunicativas por meio da oralidade, da escrita, do movimento, da música etc.). Em outras palavras: se existe um "diálogo" entre textos, aí haverá intertextualidade. Evidente que esta interação, para ser percebida, requer o "conhecimento de mundo" comum ao produtor e ao receptor dos textos.


Note-se, ainda, a existência de variações nas relações intertextuais. Vejamos alguns destas variações, destes níveis de intertextualidade:


  • Epígrafe - Constitui uma escrita introdutória a outra escrita.
  • Paráfrase - Reprodução de um outro texto com as palavras de quem o está redigindo. Não deve ser confundido com o plágio, pois este é a cópia deliberada de uma obra.
  • Paródia - Reprodução "distorcida" de um texto com o intuito de ironizar ou criticar.

Como foi aludido, a intertextualidade não ocorre, apenas, no espaço da Literatura, mas nas mais diversas áreas da produção e do conhecimento humanos. Limitar-me-ei a elencar algumas produções (na Literatura, na Pintura e na Publicidade) e deixarei que você perceba as referências entre elas.


1. Literatura


A. Canção do Exílio (Gonçalves Dias)

Minha terra tem palmeiras,
Onde canda o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu´inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.





B. Canto do regresso à pátria (Oswald de Andrade)

Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá

Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra

Ouro terra amores e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá

Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.




C. Nova Canção do Exílio (Carlos Drummond de Andrade)

Um sabiá
Na palmeira, longe.

Estas aves cantam
um outro canto.

O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata
e o maio amor.

Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.

Onde tudo é belo
e fantástico.
Só, na noite,
seria feliz.
(um sabiá
na palmeira, longe.)

Ainda um grito de vida
e voltar
para onde tudo é belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.





D. Uma Canção (Mário Quintana)

Minha terra não tem palmeiras...
E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis,
nas palmeiras que não há.

[...]


E. Sabiá (Tom Jobim e Chico Buarque)




Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De uma palmeira
Que já não há
Colher a flor
Que já não dá
E algum amor talvez possa espantar
As noites que eu não queria
E anunciar o dia

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
E é pra ficar
Sei que o amor existe
Não sou mais triste
E a nova vida já vai chegar
E a solidão vai se acabar
E a solidão vai se acabar


Agora, terminada esta primeira parte dos estudos sobre intertextualidade, sugiro que você leia e escute (aumente o som do seu pc) o belíssimo Hino Nacional Brasileiro. Notará alguma coisa interessante na Parte II, segundo verso. Clique AQUI.

10 comentários:

Carlinhos do Amparo disse...

Excelente, Mestre! Voltarei mais vezes a consultar o Studium.
Visite o Sítio d'Olinda e conheça o deputado Willian, assim, com ene mesmo, viu?

Prof. DiAfonso disse...

Grande Carlinhos do Amparo!!!

Li o Dr. Plausível. Interessante o cara. Oh, gostaria que ficasse de olho nas paradas. Qualquer discussão pode mandar a bola que a gente joga. Abração! E Abraços no velho Lula!

Prof. DiAfonso disse...

Ah, Carlinhos! Esqueci-me de dizer que este nosso Hino não tem a pareia, não, cumpadi!!!!!!! Lindo demaiiiissss!!!

Eurico disse...

Blzal, cumpadi! Captei a vossa msg, Mestre! Tu sabe q sou da lama, se me botar na areia eu morro. rsrsrs

Dudinha Härlє disse...

Minha terra tem cerejeiras
Cor-de-rosas a enfeitar
Os campos que lhes rodeiam
E não quero sair de lá.

uashuhasuhs :X

Anonymous disse...

Interessante, uma grande obra é merecedora de grandes "cópias", muitas ainda mais belas. incrivél que ainda não tinha interrelacionado os poemas.

abração cumpade!
fernando leonel

fernando leonel disse...

Interessante, uma grande obra é merecedora de grandes "cópias", muitas ainda mais belas. incrivél que ainda não tinha interrelacionado os poemas.

abração cumpade!
fernando leonel

fernando leonel disse...

Interessante, uma grande obra é merecedora de grandes "cópias", muitas ainda mais belas. incrivél que ainda não tinha interrelacionado os poemas.

abração cumpade!
fernando leonel

Roberto Cabral disse...

"Nossos várzeas têm mais flores"??

Várzeas não é uma palavra feminina?

Prof. DiAfonso disse...

Olá, Roberto Cabral!

Sem dúvida! "VÁRZEAS" é um substantivo feminino, logo o pronome adjetivo "NOSSOS" deveria com ela concordar.Acredito que tenha havido a chamada "antecipação mental" na hora da digitação (devo ter associado a palavra "VÁRZEAS" a "BOSQUES" que surge no verso seguinte.

Obrigado pela observação. Correção realizada.

Abração!

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