Foi possível prever o golpe de estado em Honduras? Havia sinais de que algo assim poderia ocorrer na região?
Acredito que não. A não ser para os conspiradores que obviamente estavam envolvidos nessa operação, penso que isso foi um balde de água fria e uma grande surpresa para todos. Pensávamos - e obviamente nos enganamos - que os golpes de estado eram algo do passado. A América Latina tinha a ilusão de ter aprendido as lições e o compromisso democrático era muito firme e categórico. Mas, sem dúvida, a lição que aprendemos é que temos que continuar fortalecendo as instituições democráticas e os compromissos nessa área, porque realmente, em circunstâncias de polarização política, quando as posições dos diferentes setores são irreconciliáveis e quando, além disso, a comunidade internacional não está devida e claramente envolvida, como se viu na questão de Honduras, há setores políticos que ainda estão dispostos a recorrer aos militares para intermediar esses conflitos. E isso é um gravíssimo retrocesso que não pode afirmar-se como precedente. Por isso, o mais importante é que a região, e especialmente os Estados Unidos, reajam da forma mais forte possível. Não bastam declarações de condenação.
Nessas circunstâncias, qual seria, na sua opinião, a reação mais adequada?
O governo ilegítimo de Honduras tem que ser advertido de que está exposto a todo tipo de sanções diplomáticas e econômicas. Que a comunidade internacional vai tratá-los como párias, e que, inclusive, há a possibilidade de confisco dos bens e suspensão de vistos para aqueles que estão envolvidos nesse processo golpista. Por exemplo, podem ser implementadas uma série de políticas semelhantes às que foram usadas durante a administração Clinton na ocasião da tentativa de golpe de estado no Equador. Penso que isso tem que ser feito o mais breve possível para evitar que o golpe se consolide.
A Human Rights Watch, então, considera que a reação do governo Obama foi insuficiente até este momento?
Acredito que sim. De acordo com os princípios, foi uma reação correta. Os golpistas foram condenados e ficou estabelecido que as relações com o governo do presidente Zelaya não serão interrompidas. Mas, com certeza, isso não basta e penso que os Estados Unidos e a região devem exercer uma pressão direta que impeça o governo ilegítimo de Honduras de participar de qualquer organismo internacional. Além disso, a representação constitucional e legítima do presidente Zelaya deve ser reconhecida.
De qualquer forma, a reação de Obama mostra uma mudança com relação à reação de George W. Bush durante a crise de 2002 na Venezuela. O senhor vê isso como um sinal otimista das relações dos Estados Unidos com a América Latina?
Sim. Há uma grande distância entre Obama e Bush e reitero que a reação dele foi correta. A administração de Obama não está, de forma alguma, justificando o golpe. Mais do que isso, ele está condenando-o em todos os termos. Mas é necessário fazer mais ainda para que Honduras não sinta que há ambiguidades. E para que aqueles que hoje se apoderam do governo de Honduras não tenham a sensação de que podem ganhar tempo, uma vez que o presidente Zelaya estava no fim do seu mandato. Que não sintam que podem esperar seis meses, convocar eleições e que a comunidade internacional vai esquecer a crise. Aqueles que tomaram o governo de Honduras tem que saber que serão objeto deste tipo de medidas e sanções.
O rumo que o governo Zelaya estava tomando nos últimos meses, como o plebiscito para abrir um processo de reeleição, a aprovação à volta de Cuba às Nações Unidas e a aproximação com Chávez, davam a sensação de que o país entrava em uma crise democrática. É possível entender o golpe de estado como uma resposta ao rumo, um pouco questionável, do governo Zelaya?
O golpe de estado não pode ser justificado. Sob hipótese alguma podem haver situações que permitam justificar o comportamento desses setores, por mais profundas que sejam as divergências e por mais graves que sejam as crises institucionais pela quais passamos todos os dias na América Latina. Sem dúvida Honduras atravessava uma grave crise, com o confronto direto entre os poderes do estado, mas, independente da gravidade da crise, de forma alguma se pode admitir que essas divergências sejam resolvidas através do número de generais com que cada parte conta. A época de bater à porta dos quartéis já passou. Mas dá a impressão de que essa foi a atitude da Suprema Corte de Justiça de Honduras, o que é realmente vergonhoso. Essa atitude, por parte de um governo democrático, é absolutamente condenável e reflete a falta de compreensão sobre os princípios básicos que regem a nossa conduta durante uma democracia. A diferença entre uma democracia e um regime totalitário, ou uma ditadura, é que na democracia os conflitos são resolvidos seguindo as regras do jogo. Mas neste caso, além das declarações e rejeições em nível mundial, a única pergunta é se serão adotadas medidas adicionais para persuadir o governo ilegítimo de Honduras a voltar atrás e procurar, da forma mais rápida possível, uma transição que permita a volta do presidente Zelaya.
Alguém já falou com a Secretária de Estado Hillary Clinton? Sabem se, de fato, vão ser adotadas medidas desse tipo?
Nós divulgamos a nossa posição publicamente. Estamos aguardando e esperamos que o presidente Obama aborde a questão na tarde de hoje. Tomara que o faça de uma forma mais clara e concreta e que mostre ao governo ilegítimo de Honduras o que está em jogo.
Na sua opinião, quais são as saídas para esta crise? A esta altura, a governabilidade seria bastante complicada para Zelaya, inclusive se pudesse voltar à presidência de Honduras com o apoio dos Estados Unidos e de todo o continente.
Não podemos ignorar que o problema é complexo. A solução não é fácil. Honduras vive uma situação de descontrole. E é tão desesperadora que setores políticos importantes acreditaram que a única solução viria pela força. Isso revela o tamanho da crise. Mas, além de tudo isso, penso que é possível encontrar uma saída para restituir o poder ao presidente Zelaya. As alternativas, é claro, vão depender da firmeza que os golpistas virem na comunidade da região e, em particular, nos Estados Unidos. Se sentirem que a rejeição ao golpe limita-se a declarações de princípio, mas sem medidas concretas, e que poderão manter-se no poder durante seis meses, convocar uma eleição antecipada e dar a questão por encerrada, penso que isso prolongará a situação e que será muito difícil que a ordem e o estado de direito sejam restabelecidos em Honduras.
Pablo Calvi
De Nova Iorque
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