As palavras do secretário geral da ONU, Ban Ki-moon podem ter contribuído para a decisão do presidente da Costa Rica, Oscar Arias, de voltar à mediação. “As ameaças à embaixada do Brasil em Honduras são inaceitáveis”, repetiu. “O direito internacional é claro: a imunidade soberana não pode ser violada. As ameaças ao pessoal da embaixada e suas dependências são intoleráveis. O Conselho de Segurança condenou tais atos de intimidação. Eu o faço também - e nos termos mais vigorosos”. O artigo é de Argemiro Ferreira.
por Argemiro Ferreira
Profundamente preocupado, o secretário geral Ban Ki-moon voltou à carga, em entrevista terça-feira na ONU, contra o estado de emergência decretado pelo regime golpista que agravou a tensão em Honduras. Ele exaltou ainda a decisão do Congresso de rejeitar a suspensão das liberdades civis e defendeu o “respeito pleno às garantias constitucionais, inclusive a liberdade de associação e de expressão”.
Suas palavras podem ter contribuído para a decisão do presidente Oscar Arias de voltar à mediação. “As ameaças à embaixada do Brasil em Honduras são inaceitáveis”, repetiu. “O direito internacional é claro: a imunidade soberana não pode ser violada. As ameaças ao pessoal da embaixada e suas dependências são intoleráveis. O Conselho de Segurança condenou tais atos de intimidação. Eu o faço também - e nos termos mais vigorosos”.
O secretário geral reafirmou, ao mesmo tempo, a disposição das Nações Unidas de dar assistência de todas as formas e voltou a fazer apelo em favor da segurança do presidente constitucional hondurenho, Manuel Zelaya. E conclamou “todos os atores políticos a se comprometerem seriamente com o diálogo e o esforço de mediação regional” - a cargo de Árias, antes repudiado pelos golpistas.
Aquele guardião da doutrina da fé
Não poderia ser mais eloquente o respaldo à sensatez do Brasil, que tem o respeito de todos mas não de nossa mídia corporativa, obcecada em abandonar o raciocínio simples e linear para assumir a insanidade golpista de Roberto Micheletti, agora forçado a recuar no desafio à ONU, à OEA e à comunidade internacional. Até porque golpe é golpe - mesmo se o presidente legítimo não tivesse sido, como foi, arrancado da cama de pijama.
O batalhão de jornalistas enviado a Honduras pela mídia brasileira após o refúgio de Zelaya na embaixada parecia menos motivado pela gravidade da situação do que pela obsessão de provar que o Brasil errou ao abrigar o presidente e garantir-lhe a vida. A obsessão dela, do primeiro dia até este momento, tem sido condenar o governo Lula e defender os golpistas como “democratas”.
Juristas do golpe foram chamados a desfilar diante das câmaras e dos repórteres para dizer que pau é pedra - e golpe não é golpe. Missão impossível - e cômica. Era comovente, em especial, o esforço do império Globo de mídia - jornal, TV & penduricalhos, juntos e em coro, na tentativa de cumprir uma pauta unificada do ideólogo da casa, Ali Kamel, no seu papel de guardião zeloso da doutrina da fé.
De posse previamente das respostas golpistas coincidentes, de Kamel-Micheletti, a Rede Globo investiu contra o ministro Celso Amorim enquanto o Brasil e o governo Lula ganhavam o apoio da comunidade internacional - da ONU, da OEA, do presidente Árias, o mediador costarriquenho, e do resto do mundo. Isso permitiu à repórter Heloisa Villela, sem o viés da Globo, impor a cobertura da concorrente Record.
Depois de uma diplomacia covarde
A partir das declarações feitas no Brasil à mídia golpista por diplomatas aposentados que serviram ao governo FHC, ficou claro que a crise de Honduras, na qual o Brasil foi empurrado para um papel que teria preferido evitar mas do qual não podia fugir, expôs o contraste entre a diplomacia covarde do passado (da omissão e da submissão) e a mudança de qualidade do Itamaraty no atual governo.
“O Globo” recolheu até o palpite infeliz do governador José Serra (ele achou “tremenda trapalhada” o Brasil fazer o possível para salvar a vida do presidente legítimo de Honduras), mas o feito maior do jornal foi a sessão nostalgia com o ex-ministro Luiz Felipe Lampreia. Alguém terá saudade do tempo dele à frente do Itamaraty, quase todo o período de dois mandatos de FHC?
Acho difícil. Mas ele disse, em entrevista, que considera inédito o caso de agora em Honduras e não acredita que a posição brasileira contribuirá para solucionar a crise. “Ela traz um problema para o Brasil, que não estava envolvido no conflito”, opinou. Opinião judiciosa, na certa considerada como tal por “O Globo”. Me fez lembrar uma entrevista com Lampreia de que participei uma vez no hotel Waldorf Astoria.
De um grupo de jornalistas, só uns quatro tivemos paciência de esperar a saída dele de reunião com a então secretária de Estado Madeleine Albright. O da Rede Globo pediu-nos que o deixasse ser o primeiro a perguntar, devido a horário de transmissão de satélite. Concordamos. Lampreia chegou, ouviu e respondeu à pergunta dele. Mas fechou a boca e foi embora ao ver apagar-se a luz da Globo.
Alguém poderia achar grosseria e despreparo, preferi julgar aquilo um caso extremo de fidelidade aos refletores. No fundo Lampreia nunca teve nada relevante a dizer mas adorava dizê-lo sob a luz da Globo. Junto com o sucessor Celso Lafer, aquele que achava uma honra tirar os sapatos para policiais nos aeroportos dos EUA, ele conduziu uma política externa de submissão.
De joelhos diante de Bolton
O Itamaraty de FHC, com os Lampreia e Lafer, ainda chegaria ao servilismo extremo - ao tentar cumprir estranha ordem do extremista neoconservador John Bolton, então no terceiro escalão do Departamento de Estado. Sub-secretário para controle de armas, ele viajou em 2002 à Europa e exigiu a renúncia do brasileiro José Bustani, diretor da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ).
Bustani, embaixador de carreira no Brasil, licenciara-se no Itamaraty para ser candidato na OPAQ - cargo para o qual se reelegeu por unanimidade, com o voto dos EUA (o próprio secretário de Estado Colin Powell, chefe de Bolton, elogiara a gestão e a liderança dele em 2001). Mas Bolton indignou-se com o brasileiro por ter atraído o Iraque, que se submeteria, como membro da OPAQ, às inspeções regulares de armas químicas.
FHC e o ministro Lafer entraram em pânico - sabe-se lá porque. Disseram então a Bustani para fazer a vontade do império e sair. O embaixador explicou o óbvio: não devia obediência ao Itamaraty e sim aos que o elegeram na OPAQ. Restou a Bolton intimidar e subornar outros até forçar a queda de Bustani - que, encostado no Itamaraty, só seria reabilitado no governo Lula, que o nomeou embaixador em Londres.
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