Apropriar-se de uma declaração presidencial, extraída em coletiva de imprensa, retirar dela boa parte do conteúdo e transformá-la em uma discussão de teorias da imagem: parece impossível, mas O Globo conseguiu.
O resultado de enquete publicado ontem, terça-feira, no site do jornal, sob o título “Leitores criticam declaração de Lula, de que ‘as imagens não falam por si’, no caso do governador Arruda” tirou de contexto a declaração do presidente- que pretendia deixar claro que o que fala por si é uma apuração consistente de um escândalo e que não seria sensato tirar conclusões precipitadas- e a distorceu de maneira completa.
Não se trata aqui de apoiar ou não apoiar Lula, concordar ou discordar. A questão é que a discussão foi transferida a um nível tal que mesmo o discordar e o concordar perdem a profundidade. O que estava em jogo não era a propriedade ou não de uma imagem de depor contra ou a favor do que quer que seja, era a disposição ou não do presidente da República a tomar uma posição clara numa situação que já foi alçada ao status de escândalo midiático e que envolveria, sem dúvida, posicionamentos partidários. Quer se pense que isso é uma mostra de sensatez ou um ato de covardia, o fato é que nem isso a enquete trabalha: se as opiniões mais contundentes na “crítica” a Lula (as primeiras, conforme o leitor verá) tratam de Charlie Chaplin e de imagens de pedras, realmente cabe questionar o nível no qual a discussão se mantém.
Opiniões contrárias à declaração descontextualizada de Lula ocupam os parágrafos iniciais (portanto de maior destaque) da publicação do “resultado”, sendo que lugares inferiores pertencem às opiniões favoráveis. E, aliás, foi feita uma seleção bem menos contundente de favoráveis do que de contrárias. Comparemos “Qualquer imagem é mais contundente que qualquer palavra. Vejo nessa declaração infeliz do presidente Lula uma provável defesa prévia de que toda corrupção é justificável…” com “Se ele já condenasse o Arruda, iam falar que ele estava se intrometendo em caso do Judiciário. É muito difícil ser o Lula…” – fica claro que o argumento selecionado para um dos lados tem uma construção mais elaborada, que costuma impressionar mais.
A velha estratégia de colocar opinião própria na boca alheia para afetar imparcialidade é mais do que conhecida, mas O Globo dá uma aula de parcialidade.
* Créditos ao blog do Luis Nassif por inadvertidamente sugerir o post de hoje.
Artigo de Luiza Monteiro
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