segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

NÃO HÁ SENÃO UMA DOR ANCESTRAL...



Em Confesso que Vivi (Memórias), Pablo Neruda desnuda sua alma genial, generosa e indelével. A carga semântica que emana de suas palavras é como um trovão silencioso a nos sequestrar da letargia que, muitas vezes, nos consome e nos entorpece. As imagens construídas por Neruda são imagens de quem escreve com mãos de anjo, com alma de anjo. É isso que sinto, depois de iniciar a releitura dessa magnífica obra. Magnífica, porque simples e sincera.


Nas primeiras páginas, um fragmento me faz refletir sobre a realidade indígena. Ela não parece seguir um percurso único de degradação, desprezo, escravização e extermínio... Ela segue! Ela, a realidade indígena, apresenta as mesmas nuances de uma morte anunciada desde os tempos da colonização que ainda se perpetua. Isso não é ficção. No choque de culturas e no processo de aculturação a que os índios, em qualquer parte da América, foram e são submetidos não há sutilezas... Há, sim, uma surda e ancestral dor...

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"Acossados pelos conquistadores espanhóis, depois de trezentos anos de luta, os araucanos se retiraram até àquelas regiões frias. Mas os chilenos continuaram o que se chamou 'pacificação da Araucanía' , isto é, a continuação de uma guerra a sangue e fogo para desapossar nossos compatriotas de suas terras. Contra os índios todas as armas foram usadas com generosidade: disparos de carabina, incêndio de suas choças, e depois, de forma mais paternal, empregou-se a lei e o álcool. O advogado se tornou especialista também na espoliação de seus campos, o juiz os condenou quando protestaram, o sacerdote os ameaçou com o fogo eterno. E, por fim, a aguardente consumou o aniquilamento de uma raça soberba cujas proezas, valentia e beleza Alonso de Ercilla, em seu Araucana, deixou gravadas em estrofes de fero e jaspe." (Pablo Neruda. Confesso Que Vivi - Memórias)



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Realidade dos kaiowás é pior do que a ficção

"Uma das maiores forças do filme 'Terra Vermelha', de Marco Bechis, é fazer um retrato ficcional da situação dos kaiowás sem quase nada exagerar ou excluir da realidade. Bechis nos deu suicídios, a tragédia pela qual oskaiowás eram mais conhecidos até pouco tempo atrás. Mas poupou-nos de outras cenas chocantes do cotidiano do grupo, como a de índios revirando o lixão de Dourados e a das mortes de dezenas de bebês por desnutrição. Quem diz que há muita terra para pouco índio no Brasil deveria passear pelo sul de MS, onde um território tradicional de mais de 6 milhões de hectares foi retalhado em 'ilhas' com no máximo algumas centenas de hectares cada uma. Nelas espremem-se 30 mil índios de dois grupos guaranis (kaiowás eñandevas). Resta aos kaiowás venderem sua força de trabalho como bóias-frias, empregadas domésticas ou peões de fazenda". (artigo de Claudio Angelo - FSP, 28/11, Ilustrada, p.E6.)



Índios reviram o lixo a procura do que comer.
(Foto de Antonio Viegas, cedidas pela Gazeta do Estado-MS)



Mortandade de bêbes indígenas por desnutrição

Alcoolismo indígena

O menino Kaiowá tenta acordar o pai que, de tão embriagado, não consegue mais levantar. Situação comum em Mato Grosso do Sul. A falta de perspectiva leva os índios a se entregarem ao álcool.
(Foto de Antonio Viegas, gentileza do Correio do Estado-MS)



Mãe de três filhos e grávida de quatro meses, a índia Valda Ferreira de Souza, de 22 anos, da etnia sateré-mawé, ainda sentia ontem fortes dores nos braços e nas costas, após ter enfrentado praticamente sozinha o batalhão de 150 homens que cumpriu o mandado de reintegração. Ela conta que não teve medo: “Na hora que eu vi eles pegando o meu marido e começando a enfocar ele, parei lá e decidi não sair, a não ser que eles me carregassem.”

Fonte: Coração e Espírito Indígena (AQUI)

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