terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Pelo Direito à Verdade e à Justiça


Direitos Humanos são indissociáveis dos direitos econômicos, sociais e ambientais. Garantir a dignidade da pessoa significa garantir respeito ao seu pertencimento étnico-racial, à sua cultura, ao seu gênero e orientação sexual, significa garantir alimentação, trabalho, educação, saúde, moradia digna e um planeta sustentável.

O Brasil é signatário de todos os tratados e declarações que dizem respeito à defesa dos Direitos Humanos e, infelizmente, a tortura ainda é praticada em nosso país, muitas vezes por policiais militares que desonram a corporação e mancham o nome de nosso país no mundo.

Uma nação que deseja ser desenvolvida e democrática não pode mais se contentar apenas com discursos e uma igualdade de direitos no papel, é preciso que todos os órgãos e instituições de modo transversal valorizem em suas práticas e políticas públicas os Direitos Humanos de modo indissociável.

Neste sentido Plano Nacional de Direitos Humanos III que segue a tradição dos dois outros planos nacionais Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH I), e o PNDH II, ao instituir a Comissão da Verdade, destinada a restabelecer a verdade dos fatos sobre o período ditatorial e a empreender a busca pela localização dos corpos de suas vítimas, vem atender uma reivindicação de décadas pela verdadeira democratização do país.

A violenta reação de comandantes militares e dos setores mais retrógrados da sociedade brasileira – da mídia corporativa aos ruralistas – é prova cabal da justeza das medidas propostas. O Brasil vivencia, atualmente, uma oportunidade histórica única para acertar as contas com seu passado ditatorial (como já o fizeram Argentina, Uruguai e Chile), passar a tratar com civilidade e respeito as vítimas de um Estado que, à revelia da lei, torturou e matou, e recuperar o respeito da comunidade internacional no que tange aos Direitos Humanos.

Como fica evidente para quem se dispor a ler o Plano, não se trata de revanchismo. Mesmo porque, como aponta Paulo Sérgio Pinheiro, membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, relator da ONU na área dos Direitos Humanos, ex-Secretário de Direitos Humanos do Governo FHC:

O Brasil é o único [país em] que as Forças Armadas continuam tendo essa solidariedade com o passado. É evidente que as Forças Armadas de hoje não tem nada a ver com um bando de torturadores e militares e policiais que fizeram os desaparecimentos”.

O professor Sérgio Pinheiro durante toda esta semana deu entrevistas em vários órgãos de comunicação no Estadão, na CBN, na TV Brasil e em todas as entrevistas foi de uma coerência ímpar, afirmando que o processo de elaboração do PNDH III foi mais amplo e democrático do que o que ele próprio organizou durante o governo FHC. Em todas as entrevistas ele chama à razão seus colegas de partido, como o senador Arthur Virgílio, para que leiam o PNDH III e conclama os homens públicos e a sociedade civil para que possamos, enfim, discutir a tortura impetrada pelo Estado nos duros anos de chumbo e para que nosso país avance em cumprir o que acordamos com os demais países em todos os tratados e declarações internacionais na área de DH.

Como destaca Maurício Caleiro em seu blog, “os militares na ativa, se prezam a democracia, como gostam de alardear, deveriam estar entre os mais interessados em acertar as contas com um passado que continuará a os assombrar enquanto não for devidamente expurgado”. Os políticos que fazem oposição à Lula, mas que alardeiam pertencer à social-democracia e cujas lideranças, inclusive, participaram de movimentos de resistência à ditadura militar, estão perdendo uma chance histórica de provar à nação que realmente têm compromisso com a democracia. Eles deveriam pararem de ignorar os principais intelectuais do seu próprio partido como andam ignorando os apelos do professor Paulo Sérgio Pinheiro.

Como informei em outro post acompanhei os debates ocorridos aqui em São Paulo durante todo o ano de 2009, que se iniciaram com o famigerado editorial da Folha sobre a “ditabranda’ e se desdobram em inúmeros eventos ocorridos na Universidade de São Paulo e outros espaços. E embora o governador Serra em 2000 tenha, numa frase infeliz, relativizado o que não se pode relativizar “Direitos Humanos para humanos direitos“, em 2009, foi o próprio governo do estado de SP que coordenou os debates regionais sobre a preparação para a Conferência Nacional dos DH.

Como aponta o professor Paulo Sérgio Pinheiro- uma das tarefas da Comissão da Verdade proposta seria requisitar os arquivos das Forças Armadas:

Isso deve ser feito, não para julgar ninguém, porque nenhuma Comissão da Verdade faz isso, mas sim reconstituir o passado”(…) “Essa conversa de revanchismo é coisa de saudosistas da ditadura.”

Como forma de afirmar apoio coletivo ao necessário enfrentamento com os fantasmas do passado ditatorial brasileiro, o MariaFrô publica, de forma simultânea a uma rede de blogs, a entrevista abaixo reproduzida, com as representantes da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil, Suzana Lisbôa e Criméia Almeida.

“Estado é conivente com a tortura e os desaparecimentos durante a ditadura”

Desde a Lei da Anistia, os familiares dos mortos e desaparecidos políticos da ditadura militar lutam na justiça ou em qualquer instância possível para terem o direito de saber o que aconteceu com seus entes e receberem seus restos mortais para enterrar e seguir em frente. Ao conversar com as representantes da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, Suzana Lisbôa e Criméia Almeida, a impressão é de uma luta infinita, difícil e dolorosa e de escassos resultados. Coube aos familiares dos desaparecidos – com seu luto inacabado – contar, além da história dessas pessoas que morreram sob condições brutais lutando contra a ditadura, essa parte ainda desconhecida de nossa história. Até hoje, apenas quatro corpos foram encontrados dos 176 desaparecidos e os governos que sucederam os militares vêm ignorando sistematicamente todos os pedidos e determinações – do Comitê de Direitos Humanos da ONU e da OEA – para abrir os arquivos secretos da ditadura e dar uma resposta concreta a essas famílias.

MPF lembram seus desaparecidos.

Neste momento, o Brasil está mergulhado na discussão sobre o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos – PNDH III – decreto assinado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva em dezembro passado, que prevê a criação, através de um projeto de lei ainda a ser encaminhado ao Congresso Nacional (portanto, sem nenhuma arbitrariedade inconstitucional, como querem fazer crer os detratores da lei na mídia corporativa) da Comissão da Verdade, destinada a investigar os crimes cometidos pelo Estado durante a repressão aos opositores da ditadura militar.

O PNDH III é o resultado de um longo e democrático processo de discussão – que incluiu a realização de diversas conferências ouvindo toda a sociedade e entidades representativas do setor – e negociação com todos os setores do governo. Os militares, liderados pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, descontentes com o acordo firmado por eles mesmos, criaram e vazaram uma crise governamental para tentar impedir a abertura dos arquivos secretos da ditadura, e uma possível punição aos torturadores – possibilidade que ainda dependerá de uma decisão do STF sobre o tema, caso os crimes de tortura venham a ser inventariados.

Pedro Luiz Maia

Qual a principal luta da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos?

Suzana Lisbôa

Suzana Lisbôa – Nossa luta é para que o Estado brasileiro esclareça as circunstâncias das mortes dos desaparecidos políticos, onde e como morreram, entregue os restos mortais aos familiares e pela punição dos responsáveis pelas mortes e torturas durante a ditadura.

Leia mais no excelente Blog da Maria Frô, clicando AQUI.


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