Janio Ferreira Soares
De Paulo Afonso (BA)
Andei acompanhando os debates realizados pelo jornal A Tarde sobre o Carnaval de Salvador e a maioria quer a volta da praça e do poeta. Eu também. Agora só falta combinar com os russos. Mas adianto que vamos perder.
Alunos dançam coreografia da música "Rebolation" em uma academia de Salvador
(foto: Antonio Reis/Especial para Terra)
Todo ano a turma com mais de cinquenta Carnavais questiona o modelo da folia e reclama dos blocos e camarotes, que continuam avançando pelo asfalto, coitado, que nesses dias deve estranhar a quantidade de pés paulistas a lhe pisotear. Mas o pior é que o único eco dessas discussões é o pancadão do Chiclete reverberando na caixa dos peitos dos nativos (apenas 19%, segundo pesquisa do governo), cada vez mais espremidos entre tapumes e churrasquinhos de gato.
O problema - ou a solução, aí depende dos cifrões - é que o Carnaval baiano virou um grande negócio e funciona basicamente para os donos de blocos, camarotes e emissoras de tevês, além da selecionada fauna que frequenta certos espaços nababescos, totalmente excitada pela possibilidade de cruzar com celebridades entre caipiroscas de seriguela e canapés by Dadá.
Quanto aos saudosistas, um conselho: se conformem, ou procurem algo parecido. Sugiro Recife, pois lá ainda se brinca um autêntico Carnaval de multidões sem cantor, com milhares de pessoas fantasiadas indo pra rua só pelo prazer de ficar nas calçadas esperando passar algum bloco de sopro ou de percussão pra ir atrás.
Há uns dois anos eu cruzei com Moraes Moreira depois de sua participação no Quanta Ladeira, bloco comandado por Lenine, e a visão do velho exilado baiano caminhando à vontade entre colombinas e pierrôs, enquanto o som dos metais da orquestra do maestro Spock invadia as esquinas do Recife Antigo, foi quase de fazer chorar.
Agora, 10 anos depois, finalmente o genial pombo correio volta ao ninho. Mas uma coisa me preocupa. O que passará pela sua cabeça quando, ao cantar Chão da Praça, ele procurar a mão do poeta e der de cara com os apresentadores da Band exaltando o Rebolation. É capaz de a saudade pegá-lo de novo pelo braço e em 2011 levá-lo de volta pra embriaguez do frevo.
Fonte: Terra Magazine
3 comentários:
Muito bom! Excelente texto!!!
Cumpadi Giovani,
Também achei o texto excelente. É raro ver um baiano fazendo uma análise do que se tornou o carnaval da Bahia e, ainda mais, sugerindo o carnaval de Recife.
Abs!
Quando lembrei numa conversa recente, que quando mais jovem, hà uns 15 anos, eu descia a Ladeira de São Bento e curtia o encontro dos trios na Praça Castro Alves, em plena manhã de quarta-feira de cinzas, tranquilamente e sem sobressaltos, a mídia ainda não havia tomado conta do nosso carnaval.
O negócio em que se transformou esse lindo carnaval de outrora, afastou aqueles que realmente apreciam um carnaval sem violência, de contemplação e troca.
Faz uns 8 anos que não fico mais em Salvador nesse período. Curto um merecido descanso nas nossas infindáveis praias.
Deixo o Rebolation para os que apreciam o luxo e ostentação decadente desse pseudo-carnaval, que os "donos do negócio" oferece à massa ignara.
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