Um dos nossos maiores pensadores, Celso Furtado, antecipou muito do que se discute na atualidade quanto ao desenvolvimento da humanidade, particularmente em relação ao que se compreende hoje como desenvolvimento sustentável. Nunca se inebriou com os modelos dos países do capitalismo central. Fez a crítica consistente aos padrões de consumo predominantes naquelas nações. Um pensamento que pode até colidir com parte de nossa esquerda, cuja visão de progresso às vezes não leva isso em conta.
Não sei se Furtado chegou a ler ou se envolver com o pensamento de Walter Benjamin, mas suas formulações lembram o que o heterodoxo pensador da Escola de Frankfurt dizia sobre o chamado progresso. Nele, Benjamin, o progresso, tal e qual ocorria até os anos 30 do século passado, se dava contra a humanidade. Sua formulação era uma espécie de alerta contra o fetiche dos que consideravam como necessariamente bom o desenvolvimento incessante das forças produtivas.
Furtado está também alerta para esse fetiche. Talvez o que o diferencie de Benjamin seja o seu lado propositivo, sua visão de intelectual sempre comprometido em buscar saídas, sintonizado com um projeto político e emancipador do Brasil. Furtado é um pensador crítico, o que o retira do campo dos otimistas cândidos, mas não o coloca no território do catastrofismo crônico. Como pensador, buscava na política, nas opções políticas as alternativas para a humanidade.
Furtado era um homem do pensamento, e do pensamento que levava à ação, à luta política. Lembro-me de um texto de Heidegger, texto curto, denominado Serenidade, de outubro de 1955, quando ele fala da existência de dois tipos de pensamento, legítimos e necessários: o pensamento que calcula e a reflexão que medita. O primeiro nunca pára, nunca chega a meditar. O segundo, o pensamento que reflete, que medita, na visão de Heidegger, requer um treino demorado, um esforço grande porque procura o sentido que reina em tudo que existe.
Creio que Celso Furtado unia os dois. Cultivava o pensamento que calcula, o que olha o entorno mais próximo, mas nunca deixava de refletir sobre o conjunto, sobre a história em curso, sobre o passado e também sobre o futuro. E olhava a humanidade e o Brasil incluído nela.
Mesmo quando pensava o Nordeste, não deixava de vincular o desenvolvimento da região ao conjunto do País e a criticar a tentativa de repetir o modelo predominante no Centro-Sul, "caracterizado por elevados padrões de consumo das classes de rendas médias e altas", citado por Assuério Ferreira, no livro O pensamento de Celso Furtado e o Nordeste hoje.
Sendo a renda por habitante muito mais baixa na região, dirá Furtado, "a reprodução desses padrões de consumo requer maior concentração de renda, o que implica condenar a grande maioria da população à condição de pobreza e miséria". O governo Lula, com suas políticas públicas, tem procurado adotar outro modelo, mas creio que muito do que dizia Furtado, do ponto de vista dos padrões de consumo, ainda permanece atual.
Furtado considerava que tais padrões de consumo, copiados dos países mais desenvolvidos e mesmo do Centro-Sul, não se constituíam em elementos que pudessem contribuir para nos livrar do subdesenvolvimento mas, ao contrário, para agravá-lo. Ele não se encantava com a pura e simples modernização das forças produtivas, com as formas inovadoras da técnica, com o padrão de acumulação. Pensava sempre na distribuição da renda, na repartição da propriedade, que eram elementos, do seu ponto de vista, que deviam balizar o País para escapar do destino do subdesenvolvimento, de ter uma pequena parcela da população incluída e a grande maioria excluída.
Furtado seguramente deve ser incluído entre os grandes nomes do pensamento progressista e de esquerda do Brasil. Penso que muito daquilo que vem sendo feito pelo governo Lula, especialmente o que vem sendo feito no Nordeste, e que vem provocando a emancipação política da região, deve-se à contribuição iluminada de Celso Furtado. Ainda há muito para ser feito. E para continuar, trata-se de voltar, sempre, à fonte inesgotável do grande pensador.
Publicado no jornal A Tarde (29/03/2010)
Não sei se Furtado chegou a ler ou se envolver com o pensamento de Walter Benjamin, mas suas formulações lembram o que o heterodoxo pensador da Escola de Frankfurt dizia sobre o chamado progresso. Nele, Benjamin, o progresso, tal e qual ocorria até os anos 30 do século passado, se dava contra a humanidade. Sua formulação era uma espécie de alerta contra o fetiche dos que consideravam como necessariamente bom o desenvolvimento incessante das forças produtivas.
Furtado está também alerta para esse fetiche. Talvez o que o diferencie de Benjamin seja o seu lado propositivo, sua visão de intelectual sempre comprometido em buscar saídas, sintonizado com um projeto político e emancipador do Brasil. Furtado é um pensador crítico, o que o retira do campo dos otimistas cândidos, mas não o coloca no território do catastrofismo crônico. Como pensador, buscava na política, nas opções políticas as alternativas para a humanidade.
Furtado era um homem do pensamento, e do pensamento que levava à ação, à luta política. Lembro-me de um texto de Heidegger, texto curto, denominado Serenidade, de outubro de 1955, quando ele fala da existência de dois tipos de pensamento, legítimos e necessários: o pensamento que calcula e a reflexão que medita. O primeiro nunca pára, nunca chega a meditar. O segundo, o pensamento que reflete, que medita, na visão de Heidegger, requer um treino demorado, um esforço grande porque procura o sentido que reina em tudo que existe.
Creio que Celso Furtado unia os dois. Cultivava o pensamento que calcula, o que olha o entorno mais próximo, mas nunca deixava de refletir sobre o conjunto, sobre a história em curso, sobre o passado e também sobre o futuro. E olhava a humanidade e o Brasil incluído nela.
Mesmo quando pensava o Nordeste, não deixava de vincular o desenvolvimento da região ao conjunto do País e a criticar a tentativa de repetir o modelo predominante no Centro-Sul, "caracterizado por elevados padrões de consumo das classes de rendas médias e altas", citado por Assuério Ferreira, no livro O pensamento de Celso Furtado e o Nordeste hoje.
Sendo a renda por habitante muito mais baixa na região, dirá Furtado, "a reprodução desses padrões de consumo requer maior concentração de renda, o que implica condenar a grande maioria da população à condição de pobreza e miséria". O governo Lula, com suas políticas públicas, tem procurado adotar outro modelo, mas creio que muito do que dizia Furtado, do ponto de vista dos padrões de consumo, ainda permanece atual.
Furtado considerava que tais padrões de consumo, copiados dos países mais desenvolvidos e mesmo do Centro-Sul, não se constituíam em elementos que pudessem contribuir para nos livrar do subdesenvolvimento mas, ao contrário, para agravá-lo. Ele não se encantava com a pura e simples modernização das forças produtivas, com as formas inovadoras da técnica, com o padrão de acumulação. Pensava sempre na distribuição da renda, na repartição da propriedade, que eram elementos, do seu ponto de vista, que deviam balizar o País para escapar do destino do subdesenvolvimento, de ter uma pequena parcela da população incluída e a grande maioria excluída.
Furtado seguramente deve ser incluído entre os grandes nomes do pensamento progressista e de esquerda do Brasil. Penso que muito daquilo que vem sendo feito pelo governo Lula, especialmente o que vem sendo feito no Nordeste, e que vem provocando a emancipação política da região, deve-se à contribuição iluminada de Celso Furtado. Ainda há muito para ser feito. E para continuar, trata-se de voltar, sempre, à fonte inesgotável do grande pensador.
Publicado no jornal A Tarde (29/03/2010)
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