A Globo rompeu a fina barreira entre a programação regular da emissora e aquela destinada ao “horário eleitoral gratuito”, invariavelmente anunciado com fado por apresentadores de telejornal.
Marcelo Salles
A campanha da TV Globo para o seu candidato do coração, José Serra, merece atenção especial ainda que já tenha sido retirada de circulação. Para quem não viu, um resumo: a pretexto de comemorar seus 45 anos de vida, um vídeo de trinta segundos reúne os principais “astros” da emissora que, com frases curtas, enviam uma mensagem na linha de “o Brasil pode mais”, slogan da campanha serrista, cuja legenda é a de número 45. “Muito mais vontade de querer ainda mais qualidade” e “é por você que a gente faz sempre mais”, dizem os “artistas” e “jornalistas” da empresa. Reparem a ênfase no “mais”, a que Serra tem se prendido para convencer os brasileiros de que é o “Pós-Lula”. No youtube: http://www.youtube.com/watch?v=qTf0SYnNMNk.
A Globo iniciou as transmissões, de fato, há 45 anos, no glorioso ano de 1965. Ou seja, apenas um ano depois do golpe de Estado que, sob a batuta da CIA, seqüestrou, torturou e assassinou milhares de brasileiros. A Globo apoiou a ditadura e foi apoiada por ela. Daí Armando Falcão, um dos ministro da Justiça da época, ter dito no documentário “Muito Além do Cidadão Kane”: “Roberto Marinho foi revolucionário de primeira hora”.
No entanto, vale ressaltar, em nome da História, que os primeiros dois contratos entre Roberto Marinho e o grupo Time Life foram assinados em 1962, em Nova York, segundo registra Daniel Herz no livro “A história secreta da Rede Globo”. No papel, a emissora tem, portanto, 48 anos.
Voltando à peça publicitária em favor de José Serra: o PT enxergou o óbvio e exigiu a retirada da campanha do ar. Foi atendido. Só que essa história não pode terminar aqui. Esse fato é extremamente grave e vai além, muito além, do uso de uma concessão pública para fins privados. Também vai além do uso de uma concessão pública em favor de um grupo político neoliberal que, em última análise, defende a exploração do povo brasileiro e legitima o assalto às riquezas do país.
A peça publicitária da TV Globo é uma poderosa arma simbólica, que só pôde ser percebida como tal porque contém elementos passíveis de serem relacionados à campanha de José Serra: o ano eleitoral, o número 45 e a repetição da palavra “mais”. Por isso, ela rompeu a fina barreira entre a programação regular da emissora e aquela destinada ao “horário eleitoral gratuito”, invariavelmente anunciado com fado por apresentadores de telejornal.
Agora, quem luta pela democracia no Brasil não pode achar que essa história termina aqui. E nem acreditar que essa batalha foi vencida só porque a peça Globo-Serra foi retirada do ar. O que devemos fazer é avançar. A esquerda, como um todo, deve compreender a importância das disputas simbólicas, entendendo, por exemplo, que toda a programação das emissoras comerciais está repleta de mensagens a serviço do projeto neoliberal: egoísmo, individualismo, racismo, preconceitos, segregacionismo, medo, Estado fraco. O sistema capitalista nunca é questionado – para as corporações de mídia, é como se não existisse outra maneira de organizar a vida.
Esse enfrentamento não pode ocorrer apenas nos períodos eleitorais. A mídia é, hoje, a instituição com maior poder de produzir e reproduzir subjetividades. Ou seja, a mídia é essencial para determinar formas de sentir, pensar, agir e viver tanto de indivíduos quanto de instituições. Se queremos formar uma sociedade democrática, todo o sistema midiático deve ser reformulado. E esta é uma batalha de todos os dias.
Marcelo Salles, jornalista, é coordenador da Caros Amigos no Rio de Janeiro e editor do www.fazendomedia.com.
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