quarta-feira, 19 de maio de 2010

A língua dita culta e o "deboxe" gratuito

Por DiAfonso [editor-geral do Terra Brasilis]

Tornou-se prática, sobretudo no âmbito da política, abater o oponente pelo poder de uso da língua. À luz de uma variante linguística dita culta, padrão, normativa, aquilo que é considerado como "falar e escrever corretamente" se transforma em arma que intenciona ferir de morte o adversário. Aqui, a morte é sinônimo de humilhação pública, escárnio, achincalhe. O riso contido diante de um "erro de português" ou, mais apropriadamente, de um desvio daquilo que se convencionou denominar "língua culta" sela de vez a sorte do "desinfiliz".

Esquecem - os que se utilizam de tal expediente - que a língua, como produto social, reflete as variações cristalizadas no seio da própria sociedade. Assim é que as regiões deste continental país percutem variações de ordem diversa: vocabular, semântica, de pronúncia, etc.

No bojo desta discussão, há os que, por um motivo ou por outro, cometem deslizes de ordem gráfica. Isso não deve torná-los pior ou melhor no interior da comunidade linguística em que vivem. Muito menos deve servir de deboche ou ser transformado num ícone da "burrice". Acontece. Em questão de língua, estão sujeitos ao "êrro" todos: professores de língua portuguesa, políticos, jornalistas, médicos, "adevogados", letrados, iletrados (estes com mais frequência pelo não acesso à educação que, em tese, os levaria a vivenciar a variante dita culta nas suas relações interpessoais por meio da linguagem verbal). Esse tipo de "êrro" se "concerta" de forma didática, não com o "armamento pesado" de um saber linguístico que almeje a desvalorização do outro, ainda mais quando este desvalorizar se inscreve no universo da zombaria e do riso fácil com objetivos político-partidários.

Os que agem dessa forma são muitos e, notadamente, estão instalados nas redações dos grandes jornais que, especialmente nos dias de hoje e de forma incessante, procuram desqualificar um governo eleito e consagrado pelo povo.

Um exemplo recente, de como a língua pode ser instrumento de desqualificação do oponente, pode ser ilustrado com o que escreveu o jornalista Ancelmo Góis* (foto).


Empunhando a arma da intolerância linguística, Ancelmo, em sua coluna de hoje no Jornal do Commercio (Recife), faz troça de uma palavra veiculada no Blog de Lula (blog.planalto.gov.br/). A palavra "persuasão", segundo o jornalista, fora redigida assim: "persuação". O colunista, para não perder a viagem, aproveita-se para zombar do deslize que, certamente, não fora intencional, nem produto de "ignorância linguística". Ele sabe disso. Sabe disso, mas preferiu abater o oponente com um zombeteiro "(ai!)":


"Ontem à noite, o blog de Lula (blog.planalto.gov.br/) cometia uma 'persuação' (ai!) numa matéria sobre o acordo com o Irã." (JC, 19.mai.2010)

Ancelmo Góis, apenas, esqueceu-se de que pode cometer delizes também. Não demorou muito. Nesta mesma coluna, ele "deslizou". Não fora um "êrro" de grafia à toa. Foi mais "grave". Leiamos:


"A safra deste ano de filmes nacionais já está no forno. Ainda nem terminou de rodar no Rio 'Qualquer gato vila-lata', o produtor Pedro Rovái já se prepara para começar a filmar 'Tainá - a origem', terceiro filme da série, que será dirigido por Rosane Svartman, em julho no Pará. Ambos os filmes deve estrear em janeiro do ano que vem." (JC, 19.mai.2010)


À luz dos princípios do "certo e errado", como define a gramática normativa, o jornalista "errou" feio na sintaxe de concordância verbal. O sujeito ("Ambos os filmes") apresenta o núcleo ("filmes") no plural, logo o verbo auxiliar ("deve") precisaria estar no plural ("devem") para que houvesse a concordânca. Como se vê, não é o que ocorre...

* O Ancelmo Góis tem outra faceta intragável. Costuma adjetivar as "musas" eleitas por ele mesmo e transferir sua opinião como se fosse a de todos os leitores de sua coluna. Claro que uma Juliana Paes e uma Camila Pitanga são fenomemais, mas daí a concordar com expressões do tipo: "nossa mussa", "apreciada por mim e por 90 milhões de brasileiros" é demais, meu rei!

7 comentários:

Carlinhos Medeiros disse...

Parabéns, professor! Que bela cartada. Eu sofri pra cachorro com o tal "Merengue", que apontava erro até nas estrelas. Escrevi algo como "A língua como açoite", faz tempo, mas se pudesse substituiria o texto. Brilhante!

Profdiafonso disse...

Olá, Cumpadi Carlinhos Medeiros!

Nunca mais puxei uma prosa com o sinhô pro mode a farta de tempo...

Pois é, a língua deve ser entendida no universo dinâmico da linguagem. Como disse, certa feita, um professor (esqueço o nome dele agora): "a língua portuguesa vai parar onde a dinâmica da linguagem a levar".

Grande abraço,Cumpadi!

Carlos disse...

Deve ser "de nascença", por raiva do pai, da mãe ou do cartorário que grafou o nome dele com "c".
Sempre lí que o nome correto é "Anselmo".
Mas, como dizem, a lingua é dinamica...

Carlos Cwb disse...

Cumpadi conhece bem minha posição quanto a esse assunto.
Acho que devemos nos esforçar para escrever dentro das normas, para evitar uma "Torre de Babel".
Erros todos cometemos, lógico e normal.
Mas alguns exageram nas doses...

Profdiafonso disse...

Conheço sua posição, sim, cumpadi. E o vc também conhece a minha. Especialmente, nesta postagem, tento mostrar que a língua dita culta não se sustenta a não ser em determinadas situações de comunicação. E é nessas situações que a língua deve ser vivenciada. O Anselmo quis tirar sarro e eu revidei.

Quanto à "torre de babel", isso não há, se atentarmos para as variações linguisticas existentes em todas a línguas.

Carlos Cwb disse...

Ói aí, viu?

Ocê escreveu o nome do cabra de forma errada.

É ANCELMO, cumpadi!...

Eheheheheh....

Profdiafonso disse...

kkkk AnCelmo.

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