O Santo Ofício e o pecado sexual no Brasil-colônia (I)

Criada em 1536, a Inquisição portuguesa compunha um quadro de quatro tribunais, sendo três na métropole e apenas um em suas possessões coloniais (Lisboa, Évora, Coimbra e Goa). Os demais territórios coloniais eram assistidos por um dos três tribunais metropolitanos, que organizavam visitas periódicas, mesmo às comunidades mais longíquas.

No tocante ao Brasil, e mais precisamente Pernambuco, a Inquisição não chegou na Capitania apenas quando da visita do 1º Visitador. Ao contrário, já estava presente quando, 1551, o então bispo da Bahia tinha os poderes do Santo Ofício e bispo D. Pedro Sardinha visitou a Capitania. Pouco antes, ainda, outro bispo, D. Antônio Barreiros chegou a visitar Olinda. Na colônia, estiveram à serviço do Tribunal os bispos e seus assessores (antes da 1ª visitação do Santo Ofício), Comissários, Notários, Qualificadores e Revedores, Visitadores de naus e familiares. [1]

A visitação do Tribunal do Santo Ofício ao Nordeste açucareiro em fins do século XVI trouxe à tona conflitos de diversos níveis, com o estabelecimento desta visita o clima na colônia seria o da delação, conflitos sociais, acusações e interesses muitas vezes pessoais entrariam em jogo; através da inspeção acerca da conduta dos fiéis, o tribunal irá se deparar com uma realidade plural e diversa que não imaginaria; crimes contra a fé (sincretismo, práticas judaizantes) e crimes contra a moral (sodomia, práticas homossexuais, etc.), bem como uma série de heresia farão parte da investigação dos visitadores. [2]

ALGUNS PECCADOS SEXUAES CONTRA A NATUREZA DENUNCIADOS AO VISITADOR E INQUISIDOR HEITOR FURTADO DE MENDONÇA ENTRE OS ANOS DE 1593-1594*

04 de Novembro de 1593

Maria de Hesedo [Azevedo] contra João Nunes, Victoria, Maria de Lucena,
Margarida e Fernão Soares

dixe ser cristaã velha e que da parte de sua mãi tem raça de cristaã nova por que sua mãi hera filha de cristão novo e de cristaã velha, e ser natura desta Capitania filha de Joam Queixada ho Português cristão velho mamaluco filho de homem branco e de brasilia, e sua mãi della denunciante chamar se Lianor Reimoa que era meã cristaã nova filha de pai cristão velho e de mãi cristaã nova já defuntos, de ydade de vinte e hum annos, casada com Matheus de Freitas de Azevedo alcaide mor desta Capitania, e nesta villa morador na freguezia da matriz

[...]

denunciou mais que avera ora dez annos sendo ella inda solteira estando na ditta sua fazenda sob poder de Clara Fernandes molher de seu avô Cristóvão Queixada, sendo huã vez ditta Clara Fernandes fora de casa entrando ella denunciante por huã câmara dentro do vio estar no chão detrás da porta deitada de costas huã negra brasilla chamada Victoria que ora he escrava della denunciante sua e sobre ella deitada com as fraldas levantadas Maria de Lucena parenta da ditta Clara Fernandes, mamaluca que já então era molher de ydade de alguns trinta annos solteira que tinha flhos e usava mal de si a qual estava sobre a dicta Vitória fazendo como se fora homem com molher o pecado da sodomia, e logo como virão a ella denunciante se erguerão, e lhe rogarão que se callasse e despois disto esteve ella denunciante alguns annos no recolhimento de Maria da Rosa, e quando tornou pêra casa a achou menos em casa a ditta Maria Lucena e perguntando por ella a huã sua irmaã chamada Beatriz de Lucena lhe respondeo que a lançarão fora de casa por que foa achada fazendo o peccado nefando com outra brasilla chamada Margayda ladina que ora he também escrava della denunciante

e perguntada pello senhor visitador se lhe vio algum instrumento com que se penetrassem no ditto ajuntamento nefando, respondeo que não atentou nisso e que a ditta Maria de Lucena está ora casada na Parahyba com Antonio da Costa

*Primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil; Denunciações e Confissões de Pernambuco 1593-1594. Recife, FUNDARPE, Diretoria de Assuntos Culturais, 1984, pp.36-38

[1] Leia mais AQUI.
[2] Leia mais AQUI.