Oito países têm o português como idioma oficial. Mas qual o significado de diferentes nações “falarem a mesma língua”? Em que medida o português nos aproxima?
Por Márcia Tait
A realização da Copa do Mundo de 2010, sediada pela primeira vez no continente africano, estimula a reflexão sobre aproximações possíveis entre o Brasil, Portugal e os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (Palop) - Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola, Guiné-Bissau e Timor Leste -, que, juntos, constituem a chamada Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) ou países lusógrafos. Estima-se que o português seja atualmente o quarto idioma mais falado no mundo, por 230 milhões de pessoas. Mas em que medida “falar a mesma língua” aproxima essas pessoas? A CPLP é composta por nações de três continentes distintos: africano, americano e europeu. Em que medida o português nos aproxima?
As línguas são dinâmicas e impossíveis de serem uniformizadas. “Sem dúvida, o fato de povos diferentes usarem uma mesma língua os une de algum modo. A língua une não apenas povos, mas pessoas. Porém, as línguas são processos dinâmicos que se adaptam no tempo, no espaço e nas sociedades em que se estabelecem. Não existe apenas uma variedade, mesmo das minoritárias, mas muitas variedades ou dialetos para uma mesma língua”, explicou Luiz Carlos Cagliari, pesquisador da área de linguística e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Para Cagliari, apesar do uso de um mesmo idioma favorecer a comunicação e identidade, a ideia de unidade cultural pela língua não deve se configurar como um preconceito em relação às diferentes culturas. “Se pensarmos em uma língua como o inglês, será que ocorre uma unidade cultural simplesmente pelo fato de culturas tão diferentes usarem a mesma língua? Obviamente, isso não acontece”, comentou.
Na análise do pesquisador, na língua estão presentes traços culturais e os povos que usam a mesma língua compartilham das vantagens e desvantagens culturais trazidas no uso do idioma de maneira geral. Os países que integram a CPLP passaram pelo processo de colonização europeia e, nesse sentido, trazem consigo marcas da metrópole que de algum modo influenciaram os aspectos culturais próprios das comunidades e dos países colonizados. “Da mesma forma, os europeus que invadiram as terras fora da Europa também sofreram influências das culturas locais. Daí, os diferentes dialetos e usos regionais da língua, incluindo idiossincrasias de autores e modismos ortográficos”, explicou Cagliari.
Reforma ortográfica: dificuldades de acordo
No ano passado, o Brasil ratificou o Acordo de Unificação Ortográfica de 1990, uma tentativa de padronização da escrita (grafia) nos países de língua portuguesa que ainda gera opiniões controvertidas quanto às suas vantagens e conveniências. Os países de língua portuguesa possuem diferentes prazos de transição para a nova ortografia. No caso do Brasil, a transição deverá ser efetivada integralmente até 2012.
Pelo menos desde o início do século XX existe o desejo de se padronizar a ortografia da língua portuguesa. “Mas as estratégias adotadas em todas as tentativas não foram pensadas”, analisou Maria Célia Lima-Hernandes, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP). Para ela, os vários acordos foram aprovados como se a sociedade, automaticamente, incorporasse as alterações à sua rotina de escrita. No entanto, o que acontecia era uma não aceitação dos acordos, que acabavam não sendo seguidos nem nas escolas, nem em instâncias administrativas do próprio governo.
É importante salientar que o que se pretende tornar uniforme é a grafia e não a língua portuguesa de forma geral, que é constituída pela união da escrita e da fala. “Uma das maiores contribuições dos cientistas de língua portuguesa foi justamente a descoberta dos traços peculiares de cada modalidade da língua. Regras ortográficas aplicam-se exclusivamente à língua escrita. Alterações gráficas não têm o poder de atingir o modo como as pessoas falam. Essa é a razão por que não se pode falar em unificação da língua, mas em acordo ortográfico”, ponderou Maria Célia.
Uma das justificativas mais divulgadas para assinaturas de acordos ortográficos entre os países lusógrafos é a de que uma “unificação” iria simplificar as relações internacionais e o ensino do idioma, uma medida desnecessária e dispendiosa, na opinião de Cagliari, da Unesp. “É uma ilusão pensar que mudanças ortográficas vão levar à união dos povos. O inglês, por exemplo, tem muitos sistemas ortográficos, sendo os principais o britânico e o americano”. De acordo com ele, mesmo se as mudanças previstas forem efetivadas, as diferenças de grafia entre os países continuarão existindo.
Semelhantes e distintas, talvez a literatura e poesia de escritores de língua portuguesa sejam a maior expressão do significado, beleza e complexidade da nossa língua. Isso faz lembrar outra passagem de Fernando Pessoa: “Não me importo com rimas. Raras vezes. Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra”.
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