Flávio Aguiar
O site Wikileaks, a revista alemã Der Spiegel, o jornal britânico The Guardian e o norte-americano The New York Times divulgaram, simultaneamente no domingo que passou, o conteúdo de um conjunto impressionante de documentos até então secretos sobre a Guerra no Afeganistão.
Os documentos, elaborados de 2004 a 2010, vem sendo chamados de “O Diário da Guerra no Afeganistão” ou o “Protocolo Afeganistão”.
Na maior parte são relatos diretos das frentes de batalha onde soldados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) – liderada pelos Estados Unidos, com a participação de países como o Reino Unido e a Alemanha – enfrentam os guerrilheiros talebãs.
Na maior parte dos casos, o conteúdo das revelações não é surpreendente. O que surpreende é o volume de informações, e sua autenticidade, transformando suposições em certezas.
Entre as principais revelações estão:
- O papel de uma força-tarefa secreta, a 373, que recebe ordens diretamente do Pentágono, encarregada de perseguir, prender ou matar líderes dos talebãs e da organização terrorista Al Qaeda. E também relato sobre suas falhas – como de terem bombardeado uma escola, matando sete crianças, quando pensavam atacar um grupo de inimigos.
- Casos extremos de corrupção e extorsão por parte da polícia e autoridades afegãs.
- O papel ambíguo do Serviço Secreto do vizinho Paquistão, que em alguns casos ajuda os talebãs, numa espécie de “jogo duplo”. Autoridades paquistanesas negaram esse envolvimento, mas as denúncias contidas no “Protocolo Afeganistão” vem sendo apontadas na mídia como consistentes.
- O completo despreparo de vários órgãos militares em avaliar o real perigo das situações. Esse foi o caso constrangedor do Exército Alemão, que, não desejando se envolver demasiadamente em confrontos diretos, escolheu a área de Kunduz, ao norte do Afeganistão, por considerá-la mais segura. Na verdade, a região revelou ser uma das mais perigosas.
- O armamento dos talebãs é muito maior e melhor do que se pensava. Eles têm inclusive lançadores de mísseis que usam contra os aviões que voam sem pilotos para efetuar bombardeios. A posse desses lançadores foi essencial para derrotar o Exército Vermelho no passado, quando os talebãs eram vistos como aliados do Ocidente contra os comunistas, durante a Guerra Fria.
Tudo aponta para uma dura realidade: é possível que o Afeganistão seja um túnel sem saída para os EUA, assim como já foi para a antiga União Soviética.
E as manifestações de oposição à guerra, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, vão crescer.
A revelação dos documentos provocou uma série de reações. A Casa Branca lamentou a divulgação, bem como boa parte da mídia conservadora. Entretanto, até agora não houve nenhuma contestação séria da autenticidade dos documentos. Além da WikiLeaks, as três publicações que divulgaram o conteúdos dos documentos declararam que, depois de semanas examinando-os, concluíram pela sua autenticidade.
O caso despertou comparações com os famosos “Pentagon Papers”, de começo dos anos 70, no século passado. Um funcionário da RAND Corporation, Daniel Ellsberg, que prestava serviços ao governo norte-americano, xerocopiou um montante de 7.000 páginas de documentos secretos que historiavam as decisões dos EUA com respeito à região e à Guerra do Vietnã, de 1945 a 1967. A série de documentos, reunidos por iniciativa do secretário de estado Robert McNamara, demonstrava (segundo o New York Times) que o governo norte-americano ocultara fatos e divulgara informações falsas para justificar a Guerra. Ellsberg teve acesso aos documentos a partir de 1969, e em 1971 repassou as cópias para o NYT e outros jornais. Depois de uma curta querela na justiça, o jornal foi autorizado a divulgar os documentos. Ellsberg foi a juízo, acusado de espionagem. Mas seu processo foi alvo de inúmeras irregularidades, desde quebra de sigilo e invasão do escritório do juiz, até escutas ilegais (sem autorização judicial) promovidas pelo FBI e por outros agentes, alguns também envolvidos no escândalo de Watergate – o caso das escutas e espionagem na convenção dos Democratas, que levou o presidente Nixon à renúncia. Ellsberg acabou inocentado em 1973.
Outro caso que veio à tela foi o da recente divulgação no Youtube de uma gravação em vídeo, também mantida em segredo, de cenas em que soldados norte-americanos (alguns rindo), atiram (parece que por engano) num grupo de pessoas no Iraque, matando várias delas, inclusive dois repórteres da agência Reuters, confundindo as suas câmeras com armas pesadas.
O caso da divulgação dos “Documentos do Pentágono” foi, por assim dizer, possível graças ao aperfeiçoamento da xerocopiadora. Os outros dois casos aqui referidos tornaram-se possíveis graças à ampliação do alcance da internet.
Essa última observação levou o jornal Süddeutschezeitung (que é tido como de centro-esquerda, uma espécie de Carta Capital germânica) a dizer que, seja-se contra ou a favor da divulgação dos documentos secretos, essa (a internet) é uma realidade que um país em guerra não pode deixar de levar em conta.
Por sua vez, Julian Assange, o criador do site WikiLeaks, declarou à revista Der Spiegel de fato esperar que a divulgação desses documentos ajude a pôr fim à guerra. Indagado se essa divulgação poderia ser perigosa, ele respondeu que "perigosos são os que fazem a guerra".
Nenhum comentário:
Postar um comentário