O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, afirmou nesta sexta-feira que o papel da diplomacia brasileira é diferente no caso da iraniana Sakineh Ashtiani, condenada a morte por apedrejamento por adultério, e da francesa Clotilde Reiss, libertada no Irã após apelo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo ele, a oferta de asilo à Sakineh "não é uma negociação" e sim "um apelo", já que ela é uma cidadã iraniana e o país tem autonomia para agir da forma que achar melhor. "São situações distintas. O apelo foi feito pelo presidente [Luiz Inácio] Lula [da Silva]."
Amorim comparou Sakineh à francesa Clotilde Reiss, libertada após a visita do presidente Lula ao Irã, em maio. Professora francesa, Reiss foi condenada por espionagem depois dos protestos realizados no ano passado contra a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad. Ela ficou presa por 10 meses.
"É uma situação diferente. Claro que choca a sensibilidade nossa. Mas é uma situação iraniana. No outro caso, [de Reiss] era uma cidadã estrangeira, o que nos dava uma margem de negociação maior."
Sobre as alegações do embaixador iraniano no Brasil, Mohsen Shaterzadeh, de que não recebera pedido formal de asilo por escrito do Brasil, o ministro disse que "o que o embaixador brasileiro diz ao seu interlocutor em outro país é algo oficial", e por isso "não precisa de nota".
O Itamaraty já havia noticiado que, na segunda-feira (9), o embaixador brasileiro no Irã, Antonio Salgado, se reuniu com o governo local para apresentar aos canais oficiais, formalmente, a oferta de asilo à iraniana. Em entrevista à Agência Brasil, o embaixador Shaterzadeh afirmou que não recebera oferta formal por "ofício por escrito, nota oral ou troca de notas" do governo brasileiro a Teerã de asilo ou refúgio político para Sakineh.
A visita é um recurso conhecido diplomaticamente como gestão, quando o ministro das Relações Exteriores ou mesmo o presidente de um país manda o embaixador procurar a chancelaria da capital onde atua para estabelecer relações formais. Tem a mesma validade formal de um documento por escrito.
Amorim disse ainda que, por ser um caso de apelo, ele evita "comentar comentários do que acontece ou deixa de acontecer". "Por que isso não acrescenta em nada", completou, em referência ao mal-estar diplomático gerado pelas declarações de Shaterzadeh nesta segunda-feira.
Apesar da falta de uma resposta formal e das indicações de que Teerã deve recusar o pedido, Amorim destacou que o Brasil deve aliar "seu princípio constitucional de não intervenção com um o princípio da não indiferença".
Na quarta-feira, em entrevista coletiva no Rio, Amorim chegou a sugerir que o Irã faça um "gesto humanitário" em favor de Sakineh. "Quem sabe um gesto humanitário não seria bom para o Irã, para a própria imagem [do país] no mundo?", disse ele.
SAKINEH
Mãe de dois filhos, Sakineh Mohammadi Ashtiani foi condenada em maio de 2006 a receber 99 chibatadas por ter um "relacionamento ilícito" com um homem acusado de assassinar o marido dela. Sua defesa diz que Sakineh era agredida pelo marido e não vivia como uma mulher casada havia dois anos, quando houve o homicídio.
Mesmo assim, Sakineh foi, paralelamente à primeira ação, julgada e condenada por adultério. Ela chegou a recorrer da sentença, mas um conselho de juízes a ratificou, ainda que em votação apertada --3 votos a 2.
Diplomatas iranianos afirmam que foi encerrado o processo de adultério e que a mulher é acusada "apenas" pelo assassinato do marido.
Os juízes favoráveis à condenação de Sakineh à morte por apedrejamento votaram com base em uma polêmica figura do sistema jurídico do Irã chamada de "conhecimento do juiz", que dispensa a avaliação de provas e testemunhas.
Assassinato, estupro, adultério, assalto à mão armada, apostasia e tráfico de drogas são crimes passíveis de pena de morte pela lei sharia do Irã, em vigor desde a revolução islâmica de 1979.
Um abaixo-assinado online lançado há dois meses devolveu o caso ao centro das atenções. Em julho passado, pressionada, a Embaixada do Irã em Londres afirmou que Sakineh não seria morta por apedrejamento --sem, no entanto, descartar que ela fosse morta, porém por outro método, provavelmente o enforcamento.
O embaixador Shaterzadeh não confirmou os relatos de que a pena de morte por apedrejamento tenha sido substituída por enforcamento. Segundo ele, o processo está em curso e ainda não foi encerrado, por essa razão há possibilidade de alterações.
Fonte: Folha.com
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