segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O PSDB E O LACERDISMO

Carlos Lacerda se tornou o ícone da direita dos anos cinqüenta. Vargas era seu inimigo – o motivo de sua vida, calçada em ódio por tudo que era “popular”.
Vargas havia construído – por mãos autoritárias, sabemos – um “Brasil dos pobres”. Esse Brasil das pessoas pobres não podia ser entendido por Lacerda e pela classe média que o apoiava. A razão era simples. Para essa classe média lacerdista os pobres eram pessoas que não gostavam de dinheiro e de trabalho. Sim! É incrível, mas essa era a mentalidade da UDN e de todo um grupo social que via em Lacerda “o homem inteligente” e “liberal”, que deveria afrontar o “populismo autoritário” e o “Zé Povinho”, aliados de Vargas. Mais tarde, após a morte de Vargas, Lacerda foi solicitado por essa mesma classe média a voltar seu ódio ao “comunismo” dos aliados de Jango, o herdeiro à esquerda de Vargas.
A história de Lula nada tem a ver com Vargas. Lula não veio da elite e muito menos de governos, como  Getúlio Vargas. Mas Lula, de uma hora para outra, principalmente após o “mensalão”, em 2005, se vendo solitário e acuado, percebeu que sua única saída era abraçar tudo que Brizola havia querido lhe ensinar, e que ele, até então, não havia abraçado de todo. Lula ampliou seus horizontes de vez. Jogou fora a cartilha social-democrata do PT (tão bela na boca que Zé Dirceu!) e voltou ao palanque, mas agora para governar e falar em seu novo estilo, ou melhor, em um seu exclusivo estilo. O populismo aberto se fez política.
Como Vargas, o populismo de Lula não foi inconseqüente. Ele realmente ajudou o pobre. Mas, de modo superior a Vargas, Lula, ao menos no seu segundo mandato de governo, acelerou certo desenvolvimento quase estrutural que jogou para a classe média um número enorme de pessoas e tirou de pobreza muitos brasileiros. Só isso já explicaria o êxito eleitoral de Lula, como se vê agora, o que o tornou confiável a ponto de poder pedir voto para uma desconhecida. Mas Lula teve, ainda, outros dois elementos a seu favor: sorte e uma boa equipe econômica, nas mãos de um moço inteligente, Guido Mantega.
Mas o PSDB, representando o novo lacerdismo, não conseguiu e não consegue entender que os pobres estejam contentes. Os pobres gostam de dinheiro – querem comprar e também poupar. Os pobres gostam de trabalhar – querem o emprego com carteira assinada e são assíduos no trabalho. Ora, o passado escravista, enraizado na cabeça da classe média brasileira, não entende isso. Para essa classe média, a idéia é sempre a mesma: “pobre é vagagundo” (como o negro, que não era visto como quem trabalharia senão sob chicote). Essa mentalidade que veio da elite escravocrata alimentou o lacerdismo no passado e, agora, fica magoada porque “o povo” não gosta de José Serra ou FHC. Acham que “o povão” é “comprado” por Lula. Mas não é. As coisas não são tão simples.
Os brasileiros tomaram conhecimento do “mensalão” em 2005 e tiraram o apoio do presidente.  A população mostrou maturidade política. Lula teve de percorrer o Brasil novamente, inteirinho, para conversar de novo com o “seu povo”. E desta vez, fez isso sozinho. Ora, foi até melhor, ao menos em termos retóricos e, enfim, como algo que fez o presidente acordar.
Lula teve de melhorar efetivamente a vida do brasileiro para que nossa população, mesmo a mais pobre e dita não-ideológica, o perdoasse. Tendo feito o que prometeu, foi perdoado. Claro, nosso povo queria perdoá-lo. Queria que ele acertasse. Então, quando os brasileiros voltaram a sentir que o presidente podia acertar e estava acertando,voltou a apoiá-lo. O PMDB percebeu isso rapidamente. Aderiu.
O PSDB é odiado como foi a UDN. E não há inflação – tão esperada pelo PSDB – e muito menos “comunismo” para fazer o que Lacerda fez nos anos sessenta: insuflar as Forças Armadas contra o governo Jango. Não! Tudo está calmo. O Brasil cresce, o povo melhora e a inflação não apareceu. Além disso, as Forças Armadas se profissionalizaram de vez e percebem que também estão ganhando com o desenvolvimento da Era Lula. Assim, não há espaço para Lacerda e sua mania de golpe.
Para que Serra pudesse ousar se colocar contra o êxito de Lula e carregar nas costas o fardo da mentalidade lacerdista, ele precisaria ter feito um excelente governo em São Paulo. Mas não fez. Os programas que ele apresenta na TV, uma vez na TV, parecem bons, mas a população não vê isso que ele apresenta, pois não é verdade. Escolas técnicas? Ora, com toda aquela sofisticação da propaganda? Mentira. Hospitais e clínicas odontológicas funcionando? Mentira. Duas professoras na sala de aula realmente ensinando? Mentira. Ou melhor, quase verdade. Ou seja. Serra fez algumas coisas, mas em um tamanho muito diminuto, em caráter experimental, e sem uma política institucional visível. Em outras palavras: o Estado de São Paulo, sendo a potência econômica que todos conhecem, não apresenta um desenvolvimento humano condizente com o dinheiro que tem. Ninguém em São Paulo se sente tão melhor de vida que alguém fora de São Paulo. No cômputo geral, até mesmo o povo paulista percebe que o que melhorou foi a vida dada por obra do governo federal, não do estadual.
Aliás, Serra tinha fama de bom administrador, mas, no governo de São Paulo, até isso perdeu. Irritou o funcionalismo público e sua mania de privatização acabou inviabilizando serviços essenciais da população.
Lacerda acabou nas mãos dos militares que, depois, o cassaram. Serra foi indo para a direita, seguindo Lacerda, mas felizmente, sem Forças Armadas. Mas, o fato é que a mentalidade lacerdista o pegou. Achou que ficando mais à direita, ficaria com os “formadores de opinião” da grande imprensa e, com isso, derrubaria a esquerda, ou seja, Lula e Dilma. Mas errou feio. Não estamos mais no ano em que Alckmin, ainda na leva da propaganda contra Lula, feita pelo problema do “mensalão”, conseguiu um segundo turno. Agora, talvez Serra nem no segundo turno consiga chegar. É a derrota total do lacerdismo, ou seja, da mentalidade de classe média conservadora que não entende os pobres de modo algum. É uma mentalidade que não vai desaparecer assim, da noite para o dia, mas que todos verão que, com ela, não se ganha eleição, isso todos verão.
Sabemos todos que tudo isso coloca para a política um quadro que imaginávamos ter superado, ou seja, a briga entre as esquerdas populistas e a UDN. Não superamos. Em parte, ainda estamos nisso. É como se Lula fosse, em grande medida, um misto de Brizola com Vargas, mas com certo bálsamo de quem realmente foi trabalhador-operário, agora com uma barba branca que tudo suaviza, uma cara de “tiozão”. Faz trinta anos que está na política, e isso só como candidato! Tendo ajudado, efetivamente, o “povão”, consegue dizer para todos que Dilma é a sua continuidade – porque os brasileiros não acreditariam? Isso não é devido à campanha na TV. A campanha na TV teve até agora apenas uma semana de programas, e as pesquisas últimas, que deram que Dilma poderia ganhar no primeiro turno, ainda não se fizeram sob o comando da influência da TV.
Caso o PT não dê um tiro no pé, como aquele do “mensalão”, Lula irá fazer o lacerdismo do PSDB ficar encurralado. Talvez alguns tucaninhos até voltem para o PMDB, caso sejam inteligentes. Mas, duvido. A maioria deles não consegue entender a mentalidade popular de modo algum. Teimam em achar que pobre não gosta de dinheiro, não sabe gastar e não gosta de trabalhar. Enquanto estiverem nessa ideologia que, enfim, não cega outros, mas cega eles próprios, os tucaninhos vão continuar perdendo sempre. Falta a eles abandonarem de vez o lacerdismo.
Por enquanto, ao menos nessas últimas semanas, os tucanos estão apenas em vôo cego. Não sabem se colocam ou não o próprio inimigo na campanha deles na TV. Estão perdidos. É um lacerdismo sem Lacerda, apenas com a empáfia e frescurite do velho jornalista. Por sua vez, FHC desapareceu. Deixou Serra mais sozinho ainda, e este grita no telefone para que jornalistas da Veja e a direita instalada no Grupo Abril falem com empresários para que apareça dinheiro na campanha que, é certo, está perdendo fôlego.
©2010 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ

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