sábado, 7 de agosto de 2010

A TV CULTURA E A FALTA DE TRANSPARÊNCIA

Por Ale Rocha
Me contam que o clima é de velório nos corredores da TV Cultura. Funcionários estão inseguros e revoltados, pois acompanham pela imprensa as notícias sobre um provável desmanche da emissora pública paulista.
A raiva e a tristeza tomaram conta do ambiente desde que surgiu a primeira notícia sobre os planos de reestruturação. João Sayad, diretor presidente da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura, pretende demitir cerca de 80% dos mais de 1.800 funcionários e extinguir diversas atrações. As informações foram reveladas pelo jornalista Daniel Castro, do portal R7.
Eterna referência de boa programação, a TV Cultura passa por um processo de desconstrução há duas décadas. Administrações desastrosas, conduzidas por dirigentes indicados politicamente, fizeram com que a qualidade deixasse de ser regra para virar exceção. A própria Fundação Padre Anchieta admite isso. Em nota para imprensa divulgada nessa semana, afirmou que a emissora pública paulista “perdeu audiência, qualidade e se tornou cara e ineficiente”.
Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, Sayad anunciou a imediata extinção de dois programas jovens, o “Login” e o “Manos e Minas”. Comentou que o “Vitrine”, tradicional e prestigiada atração sobre os bastidores da mídia, deve sair do ar para reformulação.
O diretor presidente da Fundação Padre Anchieta negou demissão em massa, mas admitiu cortes. “Haverá mudanças nos quadros, isso é certo”, contou. Sayad também revelou que pretende transformar o perfil da emissora pública: de produtora de programas, a TV Cultura se tornará compradora de conteúdo. Adotará, assim, o expediente de muitos canais pagos brasileiros, que encomendam suas atrações de produtoras independentes.
Além de demissões e extinção de programas, há estudos até para a venda de patrimônio. “Eu acho que, numa reformulação, quando a TV for mais ágil e mais moderna, quando nos tornarmos compradores de conteúdo, pode perfeitamente prescindir de um espaço tão grande. Mas não tem nada certo. O terreno lá tem 30 mil metros quadrados de área, com uns 8 mil metros de área construída. Isso é um modelo da TV dos anos 60, que hoje pode ser menor e mais eficiente. Mas é um projeto a longo prazo”, declarou ao jornal O Estado de S. Paulo.
Não são apenas as medidas radicais propostas por Sayad que chocam aqueles que prezam a programação da qualidade e até mesmo a boa utilização de recursos públicos – do orçamento anual de R$ 230 milhões, parte (R$ 70 milhões) é bancada pelo contribuinte.
O mais estarrecedor é observar a falta de cuidado com a TV Cultura. Ao admitir que a emissora se tornou cara e ineficiente, a Fundação Padre Anchieta passa recibo de incompetência. Mostra que o governo do estado de São Paulo, responsável por indicar os dirigentes da organização, é incapaz de gerir uma emissora pública.
Não quero aqui ingressar em uma discussão político-partidária. Ela até se faz necessária. Porém, neste momento em que a TV Cultura sangra lentamente, é mais urgente que a administração da Fundação Padre Anchieta venha a público com um diagnóstico sobre os problemas encontrados.
De nada adianta evitar a transparência no processo de reestruturação. Passar a tesoura sem estudar alternativas para a geração de receitas, evitar o assunto entre os funcionários e retirar textos do ombudsman do site demonstram falta de compromisso público. Que a TV Cultura sobreviverá a todo esse processo, não tenho dúvidas. Porém, sem transparência, restam suspeitas sobre a motivação de tantas mudanças. Será apenas desejo de equilíbrio nas contas ou falta de interesse estatal, já que a emissora não serve como instrumento de propaganda política?

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