Marcelo Mirisola* |
"Que o caso de Maria Rita Kehl sirva de exemplo, porque qualquer manifestação de solidariedade será punida rigorosamente"
Maria Rita Kehl, colunista do jornal O Estado de São Paulo, disse que os leitores daquele jornal são uns merdas porque eles acham que o voto deles vale mais do que o voto do coitado que vive às custas do Bolsa Família. Foi demitida no ato. Claro que ela não usou essas palavras, mas resumidamente foi isso o que quis dizer (leia aqui o artigo de Maria Rita Kehl).
Ninguém pode acusar o Estadão de ser incoerente e não ser fiel aos seus leitores. Uma semana antes, o jornal mandou a pluralidade, a isenção e a hipocrisia pro espaço e engajou-se na campanha de José Serra, candidato da oposição e presidente aclamado e eleito nas redações e Saunas Finlandesas dos clubes Pinheiros, Harmonia e Paulistano – lugares nobres onde os votos decerto são mais valiosos e valorizados.
Maria Rita Kehl também é psicanalista e conhece os eleitores de Jose Serra e os leitores do Estadão de perto, e os atingiu no alvo. Dessa vez, o divã não agüentou, e partiu-se no meio da sessão. Ela tem toda minha solidariedade. Agora, quero ver como é que vai ficar pro lado dos colunistas de “esquerda” daquele jornal. Se o Estadão insistir na coerência e na defesa da liberdade de expressão, apenas os colunistas que são autores de biografia de banqueiro e/ou os que guardam afinidades com os anos dourados e a orquestra de Sylvio Mazzuca, digo, com o projeto editorial do jornal, continuarão a escrever por lá. Os demais serão sumariamente demitidos por justa causa!
Ora, que desaforo! O que esses comunistas estão pensando? Eles que escrevam seus manifestos vermelhos lá no jornalzinho do MST! Essa Maria Rita azedou o desejum de tia Ligia no Clube Harmonia. Atrevida!
Te cuida, Marcelo Paiva! Corre à boca miúda e graúda que o senhor freqüenta os bas-fonds da rua Augusta, anda na companhia de vagabundos, atores, atrizes e travestis, não usa mocassim de franjinha e consome álcool, fumo e quiçá outras substancias entorpecentes e alucinóginas. Além disso, é aleijado, escreve peças pornográficas e fala palavrão na frente das criancinhas. O Estadão está de olho em você. A mesma advertência vale para o senhor Luis Fernando Veríssimo, outro colorado que escreve há décadas no conceituado jornal paulistano.
- Como é que pode? Essa gente infiltrou-se em nossas fileiras e cospe no prato em que come. Mal agradecidos! Que o caso de Maria Rita Kehl sirva de exemplo, porque qualquer manifestação de solidariedade será punida rigorosamente de acordo com o Estatuto da Sauna Finlandesa, que segue:
Dos limites territoriais.
O Brasil começa e termina nas dependências sociais de nossas saunas finlandesas, quadras de tênis, shopping centers, prados e campos de pólo.
Artigo 1. A liberdade de expressão é sagrada, inegociável, inalienável e irrevogável. Fica proibido qualquer tipo de censura, caça às bruxas, manipulação, destruição de biografias, bem como qualquer tipo de índex e/ou exclusão por motivo de orientação política, sexual e religiosa... isso tudo bem longe de nossas dependências. Porque aqui dentro manda quem pode e obedece quem tem juízo, e não se fala mais nisso.
Artigo 2. Fica proibida a entrada de pobres;
Inciso I. Pobre só entra pra servir à gente;
Artigo 3. Fica vetado o uso de aparelhos celulares pré-pagos dentro das dependências das saunas; portanto pobre só abre a boca o mínimo e o necessário e somente quando for solicitado no exercício de suas atribuições e funções;
Inciso I. São funções dos pobres dizer: “Sim senhor”, “Às suas ordens”, “Amém”,“Agora mesmo”, “Serrra”, Serrra”.
Inciso II. Também é função do pobre empinar o traseiro e escrever bonitinho sempre que for solicitado, e quando não for solicitado idem;
Inciso III Todos os nossos funcionários, independentemente do cargo que ocupam, serão denominados “pobres” ou “empregadinhos”.
Artigo 4. Pobre nunca tem razão;
Artigo 5. Ficará vetado ao pobre a audição, a fala, o tato e o olfato e o exercício de quaisquer sentidos que não sejam os da subserviência e agradecimento;
Inciso I. Pobre só se mete nas conversas do patrão nas novelas do Manoel Carlos;
Artigo 6. Fica proibida a venda de eletrodomésticos a prestação;
Artigo 7. Pobre tem que ser limpinho;
Inciso I. Os chihuahuas e poodles que freqüentam nossas dependências sociais também terão de ser igualmente limpinhos, esterilizados e tosados em intervalos regulares de quinze dias;
Inciso II. Descontaremos os serviços de lobotomia no contra-cheque.
Artigo 8. Pobre tem que morar longe da gente. Bem longe;
Inciso I. Eles que se virem para chegar no horário.
Artigo 9. Pobre é burro, porco e analfabeto, e não tem nada o que tirar das pérolas que escrevemos em nossos editorias impecáveis;
Inciso I. Não toleraremos opiniões contrárias.
Inciso II. Euclides da Cunha foi nosso empregadinho, portanto trate de enfiar o rabo entre as pernas, vote no Serrrra e traga o badejo;
Artigo 10. Nossos empregadinhos ficam obrigados a fazer propaganda e VOTAR no Serrrra;
Inciso I. Pronuncia-se Serrrra: a língua do funcionário, bem como a alma que são nossas contratadas, devem tremer no começo do céu da boca e arrastar multidões goela abaixo;
Artigo 11. Pobre não sabe votar;
Inciso I. Nossos pobres VOTAM no Serrrra
Inciso II. A Maria Rita Kehl que vá cantar noutra freguesia
Artigo 12. Pobre é uma MERDA, e ficam revogadas todas as disposições em contrário.
Ninguém pode acusar o Estadão de ser incoerente e não ser fiel aos seus leitores. Uma semana antes, o jornal mandou a pluralidade, a isenção e a hipocrisia pro espaço e engajou-se na campanha de José Serra, candidato da oposição e presidente aclamado e eleito nas redações e Saunas Finlandesas dos clubes Pinheiros, Harmonia e Paulistano – lugares nobres onde os votos decerto são mais valiosos e valorizados.
Maria Rita Kehl também é psicanalista e conhece os eleitores de Jose Serra e os leitores do Estadão de perto, e os atingiu no alvo. Dessa vez, o divã não agüentou, e partiu-se no meio da sessão. Ela tem toda minha solidariedade. Agora, quero ver como é que vai ficar pro lado dos colunistas de “esquerda” daquele jornal. Se o Estadão insistir na coerência e na defesa da liberdade de expressão, apenas os colunistas que são autores de biografia de banqueiro e/ou os que guardam afinidades com os anos dourados e a orquestra de Sylvio Mazzuca, digo, com o projeto editorial do jornal, continuarão a escrever por lá. Os demais serão sumariamente demitidos por justa causa!
Ora, que desaforo! O que esses comunistas estão pensando? Eles que escrevam seus manifestos vermelhos lá no jornalzinho do MST! Essa Maria Rita azedou o desejum de tia Ligia no Clube Harmonia. Atrevida!
Te cuida, Marcelo Paiva! Corre à boca miúda e graúda que o senhor freqüenta os bas-fonds da rua Augusta, anda na companhia de vagabundos, atores, atrizes e travestis, não usa mocassim de franjinha e consome álcool, fumo e quiçá outras substancias entorpecentes e alucinóginas. Além disso, é aleijado, escreve peças pornográficas e fala palavrão na frente das criancinhas. O Estadão está de olho em você. A mesma advertência vale para o senhor Luis Fernando Veríssimo, outro colorado que escreve há décadas no conceituado jornal paulistano.
- Como é que pode? Essa gente infiltrou-se em nossas fileiras e cospe no prato em que come. Mal agradecidos! Que o caso de Maria Rita Kehl sirva de exemplo, porque qualquer manifestação de solidariedade será punida rigorosamente de acordo com o Estatuto da Sauna Finlandesa, que segue:
Dos limites territoriais.
O Brasil começa e termina nas dependências sociais de nossas saunas finlandesas, quadras de tênis, shopping centers, prados e campos de pólo.
Artigo 1. A liberdade de expressão é sagrada, inegociável, inalienável e irrevogável. Fica proibido qualquer tipo de censura, caça às bruxas, manipulação, destruição de biografias, bem como qualquer tipo de índex e/ou exclusão por motivo de orientação política, sexual e religiosa... isso tudo bem longe de nossas dependências. Porque aqui dentro manda quem pode e obedece quem tem juízo, e não se fala mais nisso.
Artigo 2. Fica proibida a entrada de pobres;
Inciso I. Pobre só entra pra servir à gente;
Artigo 3. Fica vetado o uso de aparelhos celulares pré-pagos dentro das dependências das saunas; portanto pobre só abre a boca o mínimo e o necessário e somente quando for solicitado no exercício de suas atribuições e funções;
Inciso I. São funções dos pobres dizer: “Sim senhor”, “Às suas ordens”, “Amém”,“Agora mesmo”, “Serrra”, Serrra”.
Inciso II. Também é função do pobre empinar o traseiro e escrever bonitinho sempre que for solicitado, e quando não for solicitado idem;
Inciso III Todos os nossos funcionários, independentemente do cargo que ocupam, serão denominados “pobres” ou “empregadinhos”.
Artigo 4. Pobre nunca tem razão;
Artigo 5. Ficará vetado ao pobre a audição, a fala, o tato e o olfato e o exercício de quaisquer sentidos que não sejam os da subserviência e agradecimento;
Inciso I. Pobre só se mete nas conversas do patrão nas novelas do Manoel Carlos;
Artigo 6. Fica proibida a venda de eletrodomésticos a prestação;
Artigo 7. Pobre tem que ser limpinho;
Inciso I. Os chihuahuas e poodles que freqüentam nossas dependências sociais também terão de ser igualmente limpinhos, esterilizados e tosados em intervalos regulares de quinze dias;
Inciso II. Descontaremos os serviços de lobotomia no contra-cheque.
Artigo 8. Pobre tem que morar longe da gente. Bem longe;
Inciso I. Eles que se virem para chegar no horário.
Artigo 9. Pobre é burro, porco e analfabeto, e não tem nada o que tirar das pérolas que escrevemos em nossos editorias impecáveis;
Inciso I. Não toleraremos opiniões contrárias.
Inciso II. Euclides da Cunha foi nosso empregadinho, portanto trate de enfiar o rabo entre as pernas, vote no Serrrra e traga o badejo;
Artigo 10. Nossos empregadinhos ficam obrigados a fazer propaganda e VOTAR no Serrrra;
Inciso I. Pronuncia-se Serrrra: a língua do funcionário, bem como a alma que são nossas contratadas, devem tremer no começo do céu da boca e arrastar multidões goela abaixo;
Artigo 11. Pobre não sabe votar;
Inciso I. Nossos pobres VOTAM no Serrrra
Inciso II. A Maria Rita Kehl que vá cantar noutra freguesia
Artigo 12. Pobre é uma MERDA, e ficam revogadas todas as disposições em contrário.
* Considerado uma das grandes revelações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.
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