A Folha de São Paulo conseguiu se transformar em fiel depositária do espólio do terror das torturas e assassinatos praticados contra brasileiros pela tirania do Estado sob o regime militar. Depois de minimizar e relativizar os crimes praticados pela opressão, chamando o regime que torturou, matou e desapareceu com brasileiros de “Ditabranda”, o jornal paulista consegue junto ao Superior Tribunal Militar, depois de intensa batalha judicial, o direito de fuçar o processo que o regime abriu contra Dilma Rousseff e manipular as informações, tornando públicos depoimentos obtidos mediante tortura física, mental e moral.
A intenção, declarada por sinal, da direção do jornal era conseguir essa autorização para usar as referidas informações durante a campanha eleitoral, muito provavelmente para municiar boatos e incentivar a campanha suja, que foi a tônica da estratégia montada por José Serra e levada a cabo com fidelidade canina pelos veículos de comunicação que o apoiaram. Sem esquecer que esse mesmo jornal levou à primeira página uma farsa montada digitalmente que já circulava como spam por e-mail havia meses, que simulava uma ficha do DOPS de Dilma, e, de tão grosseira, foi prontamente desmascarada por especialistas como produto de fraude.
A Folha tenta agora reescrever a história, se aproveitam que o tempo vai amarelando os registros e as novas gerações se distanciando da história. Durante a redemocratização, os defensores do regime de exceção, que editou, entre outros, o Ato Institucional nº 5, desapareceram, ninguém tinha a coragem de defender publicamente; os torturadores se reuniam na penumbra, em reuniões que só eram anunciadas depois de realizadas. Parece que agora eles já conseguem colocar a cabeça para fora d'água a fim de tentar defender o indefensável, com a estratégia de sempre de contar a versão mentirosa para quem não presenciou a verdade.
A Folha quebra um precedente perigoso para ela mesma ao desmontar o frágil argumento de que todos foram perdoados pela lei de anistia. Esse argumento utilizado, para evitar que torturadores sentassem no banco de réus, foi muito usado por aqueles que preferiram se calar ou colaborar com os crimes que o Estado cometeu durante o regime. Além de criar precedente para que familiares de torturados revisem processos e tivessem acesso a informações sobre crimes para cobrar punição aos criminosos, a Folha corre o risco de que qualquer brasileiro requeira informações sobre a colaboração do Jornal com o regime e sobre a leniência, deste mesmo Jornal, na defesa de seus funcionários.
As famílias de torturados pela Operação Bandeirantes poderiam solicitar informações sobre a cessão pelo jornal de viaturas usadas para distribuição, para conduzir presos e torturadores aos locais de tortura. Assim como qualquer cidadão poderia conhecer as circunstâncias que levaram a direção da Folha a demitir a jornalista Rose Nogueira por “abandono de emprego” no período em que ela se encontrava presa em um dos porões da ditadura.
A desculpa de que o regime era opressor não convence em relação a essas questões não respondidas pela Folha. Manter o jornal funcionando durante a ditadura é compreensível, mesmo que muitos tenham preferido fechar o jornal e ser deportado a se calar diante dos crimes que aconteciam, mas aceitar colaborar com crimes e punir funcionários que tinham sido presos por crimes de opinião é agir como cúmplice.
A Folha de São Paulo cometeu crimes durante o regime militar e precisa, enfim, abrir o baú e dar as explicações que a sociedade brasileira exige.
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