Por Walter Hupsel
Acabou a eleição. Como já disse, acabou a campanha mais baixa que eu já vi, e o Brasil que saiu desta campanha é um país mais triste e dividido. Não dividido entre “estados azuis” e “estados vermelhos”, como quiseram que acreditássemos (veja aqui um texto excelente sobre isso); entre estados que votaram majoritamente em Serra e os que escolheram Dilma. Não é uma divisão geográfica. Mas o país está dividido sim, após a vitória de Dilma Rousseff.
Acabou a eleição. Como já disse, acabou a campanha mais baixa que eu já vi, e o Brasil que saiu desta campanha é um país mais triste e dividido. Não dividido entre “estados azuis” e “estados vermelhos”, como quiseram que acreditássemos (veja aqui um texto excelente sobre isso); entre estados que votaram majoritamente em Serra e os que escolheram Dilma. Não é uma divisão geográfica. Mas o país está dividido sim, após a vitória de Dilma Rousseff.
Lula tinha carisma e credibilidade histórica quando finalmente ganhou o pleito de 2002,e foi contra um governo que tinha pouca aprovação, que tinha sofrido crises externas em anos anteriores. O capital político de FHC se esvaiu nos últimos anos do seu governo (23% de ótimo/bom no fim do seu governo) e parecia claro que o país teria que mudar de rumo. Assim, com o Brasil em crise e estagnado, a escolha do eleitorado foi a oposição, Lula, e o PT.
Em certa medida, com um carisma muito grande, a figura de Lula era quase agregadora, gozando de uma certa ascendência que, se não impediu, diminuiu bastante os ataques pessoais. Mas depois de duas vitórias consecutivas, Lula saiu de cena e entrou uma figura não muito conhecida, com zero de carisma. Aquela que, segundo o presidente do Ibope, seria uma presa fácil, com a eleição decidida em favor de um tucano em primeiro turno. Pois, aquela mulher, “vindo-de-não-sei-onde”, “fabricada”, ganhou a eleição e será a nossa futura presidente.
Essa escolha dividiu o país em dois. Entre aqueles que comemoraram ou aceitaram o resultado das urnas e aqueles que, raivosa e preconceituosamente, atribuíram esse resultado ao Nordeste, aos “ignorantes” que votam por dinheiro ou pedaço de pão. Na internet, nos blogs e redes sociais, pipocaram exemplos espalhando preconceito e ódio porque, simplesmente, o candidato favorito destas pessoas não ganhou.
Contra essa atitude não basta mostrar que Dilma ganhou em diversos estados do Sul e do Sudeste tidos como paradigma de estados civilizados pelas pessoas “limpinhas”, e que mesmo onde ela perdeu para o candidato tucano foi por uma margem muito pequena. É inútil mostrar que sem o Nordeste a candidata governista também iria para o Palácio do Planalto.
É também inútil demonstrar que foram estes mesmos eleitores que elegeram Dilma votaram em FHC por duas vezes, acompanhando o voto das “elites esclarecidas” e, na ocasião, eram tomados como exemplos de maturidade política por ter escolhido “o melhor”, justamente por esses que hoje acusam o eleitor de trocar o voto por uma migalha qualquer. “Votar comigo” então é consciente, letrado; “votar contra mim” é burro, ignorante.
É inútil porque os argumentos racionais não alcançam aquele que é movido por ódio e preconceito. E de onde vem este ódio? Outro colunista mostrou qual a origem da raiva de uma parte da elite não tão esclarecida assim.
A sociedade de classes vive muito da aparência, dos símbolos externos de status, podendo ser coisas ou atitudes. Quando a aristocracia européia não mais conseguia se diferenciar da ascendente e rica burguesia, quando as sedas eram partilhadas por ambas, pipocou no velho continente um grande fenômeno editorial, sucesso imediato, dos “códigos de bom-tom”. A tentativa de separar, de segregar, passou a ser nas recém-inventadas boas maneiras. Modos de andar, de se portar à mesa, de usar facas diferentes para cortar a carne e para tirar bicho de pé, tornaram-se a nova clivagem social, signos externos de diferenciação.
Com todas as mediações necessárias, o que aconteceu aqui, e as eleições mostram, foi algo parecido. O consumo, os símbolos externos já não são tão mais discrepantes. Com crédito abundante e um maior poder aquisitivo, a classe operária foi ao paraíso das compras e com isso publicamente se misturou às classes A e B.
Em contrapartida, a escolha de Dilma representou, sem nenhum juízo de valor, uma alforria das classes mais baixas que, historicamente, foram subservientes. Nunca me esqueço dos empregados domésticos perguntando aos seus patrões em quem deveriam votar.
Agora o grito de alforria foi dado, e não perguntaram mais pela escolhas dos patrões para segui-las . Eles, autônoma e racionalmente, decidiram quem desejavam para presidente. Uma parte da elite, assim como os senhores de engenho, não pôde suportar a autonomia de vontade dos eleitores, e passam a desqualificar o voto autointeressado (como se ela mesma não votasse por interesse próprio e se fosse um ser superior e altruísta e pensasse no bem geral da humanidade).
Com raiva, só podem mesmo clamar pelo retorno ao status quo ante, nem que, para isso, assumam a condição mais nefasta e ignominiosa: a do preconceito, do racismo e da desqualificação do outro.
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