Por Marcela Valente, da IPS
Buenos Aires, Argentina, 26/1/2011 – O alto nível de aprovação de seus antecessores no cargo preparou o caminho para a Presidência. Agora, Dilma Rousseff e Cristina Fernández enfrentam o desafio de governar os dois maiores países do Mercosul e que são fundamentais para a integração latino-americana.
A posse de Dilma, no dia 1º, formou a dupla com Cristina, no governo argentino desde dezembro de 2007, para mostrar as qualidades da liderança feminina, de avançar para a igualdade de gênero e aprofundar a democracia em uma região tradicionalmente machista.
“Ambas devem enfrentar o desafio de serem quem são, e, ao mesmo tempo, competirem com seus antecessores, dois líderes de peso”, disse à IPS a brasileira Monica Hirst, especialista em política da Universidade Torcuato Di Tella, da Argentina.
Suas trajetórias são diferentes, mas o desafio as une. Tanto Cristina, da ala centro-esquerda do Partido Justicialista (peronista), quanto Dilma, do esquerdista Partido dos Trabalhadores, foram precedidas por presidentes que encerraram seus mandatos com altíssima popularidade e foram escolhidas como suas sucessoras.
Essa circunstância que lhes facilitou o triunfo eleitoral agora as força a manter e expandir os êxitos da gestão anterior, enfrentar os novos problemas que surgirem e fazer tudo isso sob a sombra do sucesso obtido por dois líderes muito populares.
Néstor Kirchner, marido de Cristina que faleceu em outubro do ano passado aos 60 anos, culminou seu governo com 70% de popularidade, enquanto Luiz Inácio Lula da Silva estabeleceu um recorde brasileiro, com 87% de aprovação ao término de seus dois mandatos consecutivos de quatro anos cada um.
Dilma disse isso ao assumir. Lula foi “o maior líder popular” do Brasil e “a tarefa de sucedê-lo será um desafio”. Ela prometeu honrar o legado e a ousadia de Lula, que “tornou possível” pela primeira vez uma mulher chegar à Presidência brasileira.
Agora, ambas estão sozinhas em cena. Elas marcam o rumo, decidem as políticas, escolhem colaboradores. Se fizerem um bom governo, haverá outras. Dilma antecipou isso: “vim abrir portas, para que muitas mulheres no futuro possam ser presidentas”.
No dia 31, as duas se reunirão em Buenos Aires durante a primeira viagem de Dilma ao exterior. Então, a imagem das duas presidentes juntas começará a ser um fato mais natural do que excepcional.
Para a especialista argentina Natalia Gherardi, as presidências femininas nos dois maiores países sócios do Mercosul (que se completa com Paraguai, Uruguai e Venezuela, esta em processo de adesão plena) é “uma excelente oportunidade de mostrar qualidades da liderança feminina e trabalhar de forma coordenada para avançar na agenda das mulheres”.
Porém, Natalia alertou que, para haver essa articulação, primeiro deve existir uma política de gênero consistente em cada um dos países, e, nesse sentido, considerou que é muito o que cada um deveria fazer para “erradicar estereótipos que ainda são muitos e bastante arraigados”.
Porém, Natalia alertou que, para haver essa articulação, primeiro deve existir uma política de gênero consistente em cada um dos países, e, nesse sentido, considerou que é muito o que cada um deveria fazer para “erradicar estereótipos que ainda são muitos e bastante arraigados”.
Com 233 milhões de pessoas nos dois países, Brasil e Argentina abrigam 60% da população sul-americana e ocupam 62% da superfície. Sem dúvidas, são as duas maiores economias da região.
A chegada de Dilma e Cristina ao governo pode ajudar para a igualdade social e de gênero, para aprofundar a democracia e colocar em xeque o estereótipo do machismo latino-americano, que começa a mostrar algumas rachaduras, disse Natalia, diretora da Equipe Latino-Americana de Justiça e Gênero.
Elas estão conscientes desta expectativa que pesa sobre suas administrações.
Ao saber da vitória de Dilma no segundo turno, Cristina lhe telefonou para cumprimentá-la. “Bem-vinda ao clube de companheiras de gênero”, disse, destacando a importância da eleição de sua colega brasileira. Cristina sabe disto por experiência. Dilma deverá lidar com preconceitos já clássicos. Se uma mulher governante é vaidosa pode ser taxada de frívola, se tem um tom suave pode ser considerada fraca, e se sua voz é firme será a “dama de ferro”.
Nisso, as novas presidentes poderão acumular um longo anedotário. No caso de Cristina, costuma-se criticar seu excesso de zelo com sua aparência pessoal e quanto a Dilma tenta-se rebaixá-la por agir de maneira contrária.
As trajetórias de uma e outra são diferentes, mesmo quando apresentam elementos comuns. “Vêm de culturas políticas muito diferentes, mas penso que a diversidade soma mais do que a simbiose”, destacou Monica. Em sua opinião, “ambas têm antecedentes de luta pela democracia e uma preocupação com a necessidade de seus países de reforçar o que é a estrutura do Estado, as vantagens e amarras do aparato burocrático”, explicou.
Cristina chegou à Presidência após ter sido legisladora e depois deputada e senadora no Congresso Nacional. Nunca foi prefeita, governadora ou ministra.
Por sua vez, Dilma praticamente começou a trabalhar no Poder Executivo. Foi ministra de Minas e Energia do governo Lula e depois chefe da Casa Civil, um cargo a partir do qual se converteu rapidamente na mão direita do presidente.
Monica está convencida de que as relações entre os dois países se aprofundarão com as duas mulheres à frente dos respectivos governos. “São duas mulheres da mesma geração, com grande compromisso político e criarão uma química para trabalhar bem, sem competições pessoais, além das pautadas pela relação bilateral”, previu.
Para Monica, a coincidência “é positiva, porque representa um novo capítulo de inclusão, de avanço sobre a desigualdade e a discriminação do passado. É uma nova fase de civilização em nossos países”. Monica lamentou que a simultaneidade não tenha alcançado também a chilena Michelle Bachelet, que governou seu país entre 2006 e 2010 e agora está à frente da ONU Mulher, novo organismo especializado da Organização das Nações Unidas.
“É uma pena, seria fantástico um ‘ABC’ comandado por mulheres, talvez aconteça se Michelle voltar à Presidência”, disse Monica. Michelle, que também foi a primeira mulher a presidir o Chile, encerrou seu mandato com um nível de aprovação próximo ao de Lula. Foi essa popularidade que a fez merecedora da oferta de liderar o escritório da ONU, outro assento destacado no sistema político internacional ocupado por uma mulher sul-americana. (Envolverde/IPS)
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