quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A oposição e o atalho para a insignificância

“Espernear é legítimo. Mas, inferiorizada numericamente e abalada por graves conflitos internos, a oposição não irá muito longe se não passar disso”

Por Sylvio Costa*

O Senado deverá ser o cenário hoje [ontem 23/02/2011] de algo parecido com o que aconteceu na Câmara na semana passada: uma arrasadora vitória do governo na votação do salário mínimo, sacramentando o valor de R$ 545, desejado pelo Palácio do Planalto, e a regra de reajustes automáticos correspondentes à correção anual pela inflação mais a taxa de crescimento da economia registrada dois anos antes.

Primeiro tema de grande impacto enfrentado pelo novo Congresso, o aumento do salário mínimo deixou algumas lições óbvias e outras nem tanto. As óbvias: a franca maioria governista, favorecida pelos resultados eleitorais de 2010 e pela eficaz tática de deixar em suspenso nomeações para o segundo escalão ansiosamente aguardadas pelos aliados; a elevada taxa de lealdade demonstrada pela heterogênea base parlamentar de Dilma; e a imensa cara de pau com que os governistas de hoje fazem o discurso dos oposicionistas de ontem, e vice-versa.

Menos óbvias foram a esperteza do governo de enfiar no projeto de lei a possibilidade de definir por decreto o valor do salário mínimo nos próximos anos, evitando assim um debate legislativo sempre desgastante, e, sobretudo, certas peculiaridades do comportamento da oposição.

A principal bancada oposicionista, pertencente ao PSDB, tratou o episódio como uma espécie de dívida de campanha. Defender o mínimo de R$ 600 significava honrar a promessa feita na disputa presidencial pelo tucano José Serra. “Fiz a campanha eleitoral defendendo isso, não seria coerente que eu mudasse agora”, diz a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS), que apoiou Serra e atua com independência em seu partido. Eleita ano passado para o seu primeiro mandato eletivo, ela votará hoje a favor do aumento do piso nacional para R$ 600.

Não seria mesmo trivial esquecer o compromisso eleitoral, por mais restrições fiscais (impacto na Previdência, nas prefeituras etc.) ou econômicas (efeitos sobre a inflação e as expectativas dos investidores) que possam ser invocadas contra ele. Mas o fato é que o PSDB afastou-se assim de uma posição mais realista, como os R$ 560 defendidos pelas centrais sindicais, pelo DEM, pelo PV e pelo PPS. Optou por marcar posição, por espernear.
 
“Estamos fazendo com o PT aquilo que o PT fez com a gente durante o governo Fernando Henrique”, resumia com sinceridade um deputado tucano na semana passada. A frase lança luz sobre o que pode ser um grave erro da oposição – imaginar que o petismo anterior aos dois governos de Lula seja padrão de comportamento a imitar. Um tucano tentando se passar por petista, ainda mais petista à moda antiga, é um problema grave não para o PT, mas para o PSDB. Por que se eles, os petistas, estavam certos, toda a conversa de austeridade fiscal incansavelmente repetida pelos tucanos teria que estar errada. De mais a mais, os petistas mais generosos na defesa de aumentos para o salário mínimo apenas vocalizavam o ideário original do seu partido, assim como as bandeiras do movimento sindical.

Falta ao PSDB essa ponte com os sindicatos, que, para horror de alguns simpatizantes do partido, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) tenta agora construir. Sem falar que o PT só chegou ao poder quando substituiu o discurso sindicalista pelo pragmatismo da “Carta aos Brasileiros”, divulgada por Lula na campanha presidencial de 2002.

Ter uma oposição vigorosa e capaz é tão importante para o país quanto possuir um governo competente. Numa democracia, a oposição pode contribuir muito para melhorar a eficiência do Estado e a qualidade do debate público. Para isso, ela precisa de três coisas. A primeira é fiscalizar o Executivo, arte na qual, aí sim, o PT já foi mestre, mas PSDB e DEM jamais passaram de medíocres aprendizes. A segunda é propor caminhos alternativos nos quais a população possa enxergar o mínimo de viabilidade. No caso da discussão do salário mínimo, isso exigiria mostrar com clareza de onde tirar os recursos para pagar a conta sem impactar o déficit público e a inflação. A terceira é acreditar na inteligência do público. É cada vez maior o contingente de pessoas que se interessam pelo que se passa no Congresso e que não se satisfaz com o populismo barato e os discursos demagógicos que no passado fizeram a festa de tantos políticos.
 
Sem dúvida, espernear é legítimo. Mas, inferiorizada numericamente e abalada por graves conflitos internos, a oposição não irá muito longe se não passar disso. Espernear, nesse caso, será o atalho que a levará à insignificância.

* Jornalista, criou e dirige o site Congresso em Foco.

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