Numa guerra, há várias frentes de batalha. É preciso ter uma tática para cada uma delas. Cada uma tem a sua importância, mas há aquela que é a central. Na guerra da democratização da mídia, é a mesma coisa. Vamos dar uma olhada em algumas destas frentes. Comecemos pela secundária e, ao mesmo tempo, a mais diretamente lembrada em relação a este assunto. A primeira batalha, a mais primitiva e simplória, é garantir o direito de resposta quando alguém se sente atingido, ofendido por um artigo, ou um programa de rádio ou televisão. É um direito a ser mantido e defendido, mas não atinge minimamente os objetivos de garantir uma disputa de hegemonia. Uma frente que avança na construção de uma mídia que permita disputar com o outro lado é a disputa institucional pela democratização da mídia, a luta para conquistar uma legislação que a garanta. Para garantir o direito de ter seus próprios instrumentos de mídia, livremente, sem ter de enfrentar obstáculos dos atuais donos de todas as mídias.
Direito de liberdade de imprensa e, hoje, direito ao uso das ondas do ar, com todas as suas implicações tecnológicas.
Direito de liberdade de imprensa e, hoje, direito ao uso das ondas do ar, com todas as suas implicações tecnológicas. Fala-se, no Brasil, da necessidade de uma reformulação completa das chamadas “concessões públicas” de rádio e TV. São palavrinhas inócuas e falseadoras da realidade. No sistema de propriedade de rádios e TVs, nada há de público. São absolutamente privadas, como um latifúndio que alguém diz ser seu. São latifúndios absolutamente privados, tanto quanto as terras do Rei da Soja, o Blairo Maggi. No entanto, são chamadas de “concessões públicas”. A luta institucional passa pela reformulação completa deste sistema. Quem disse que as concessões não podem ser democratizadas? Tornadas públicas de verdade? E o que viria a ser este caráter público? Quem disse que estas concessões são intocáveis, praticamente eternas? Que tal uma “reforma agrária” no ar? É impossível? Na discussão sobre a democratização dos meios de comunicação, o tema precisa ser encarado com coragem. Mas nada disso se fará sem uma grande mobilização popular consciente dos seus direitos e disposta a os impor.
Esta é uma linha de luta pela democratização dos meios de comunicação que passa pela luta institucional, jurídica e parlamentar. No entanto, é difícil vislumbrar alguma vitória das forças populares, considerando que quase a metade dos membros da atual Câmara e do Senado são donos de sesmarias do ar. Por que os Sarneys, que controlam praticamente todas as TVs do Maranhão, iriam querer democratizar seu império? Como vão querer rever e, obviamente, perder a mamata, as quarenta e sete rádios que o clã Sarney possui no Estado? Na Bahia, outro estado semelhante ao Maranhão, o PFL, além da TV de ACM, em Salvador, possui cento e cinqüenta e três estações de rádio espalhadas pelo estado inteiro. Este vai querer discutir sobre democratização? Mas é bom tentar. Afi nal, a esperança é a última que morre! Esta frente institucional, que visa a controlar os meios de comunicação e impedir sua concentração nas mãos de poucos donos, é louvável. Quanto à sua efi cácia... é só perguntar para o chefão da Itália, o Berlusconi. Dono de praticamente toda a mídia daquele país, das TVs e de todas as editoras, revistas e jornais. O último jornal a cair nas mãos do “chefão” foi, meses atrás, o mais célebre jornal italiano, o Corriere della Sera. Noutros países, não é muito diferente. É só pensar no antigo Cidadão Kane e no atual Murdock – dono de metade da mídia norteamericana.
DEMOCRATIZAR A MÍDIA É FAZER A NOSSA
Enquanto não conseguirmos que o parlamento e o Senado façam a suprema concessão de estabelecer alguma lei que democratize a comunicação no nosso país, há uma tarefa que é tão velha quanto... a Revolução Francesa: fazer nossos jornais. Atualmente, não só jornais, mas nosso sistema de mídia, abrangendo todos os domínios: rádio, TV e internet. Essa não é uma tarefa impossível. Acima, falamos da Telesur, um canal de televisão internacional para divulgar o que a Globo, a Veja, a Folha, o Estado de S. de Paulo e os outros veículos menores nunca irão noticiar - nunca, não. Às vezes, vão noticiar, mas omitindo o principal, o que faz a diferença.
O modo de fazer isto é muito simples; é o que mais acontece. É só contar o fato nu e cru, aparentemente imparcial. Mas a omissão sobre como aconteceu e por que aconteceu, a notícia muda completamente. Há dezenas de exemplos, verifi cados todos os dias. Outras vezes, a mídia patronal distorce explicitamente os fatos para não se chocar com suas versões e interpretações diárias, repetidas de mil formas. Às vezes, se não for sufi ciente esconder ou distorcer, mentem, pura e simplesmente. A TV-SUL veio para dar a sua versão dos fatos. Sem disfarces, sem enganações. Ela se propõe a ter lado. Tem lado e assume. É um exemplo do que se pode fazer, o melhor exemplo de democratização da mídia; como Chateaubriand, parar de reclamar e fazer sua própria comunicação.
No Brasil, temos belos exemplos de publicações populares de esquerda vendidas em bancas, para quem quiser comprar. Da nova safra da época da redemocratização, podemos lembrar a revista mensal Reportagem, criada por Raimundo Pereira, o criador de Opinião, Movimento e do jornal diário Retratos do Brasil.
A grande mídia empresarial, evidentemente, publicava o que queria, como queria, quando queria e, não podemos esquecer, mantendo seus acordos com a ditadura militar.
Da mesma época da Reportagem, há também a revista mensal Caros Amigos, coordenada por José Arbex Jr., que também está na origem de um semanário em formato de jornal: Brasil de Fato. Este último existe e persiste há dois anos e meio, levando um resumo dos fatos da semana, do Brasil e do mundo, do ponto de vista dos trabalhadores. Para Brasil de Fato, não há dúvidas de que uma coisa é a visão dos trabalhadores sobre a reforma agrária, e outra é a do FMI e do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, ou do Deputado Ronaldo Caiado, da UDR.
São visões opostas. É por isso que foi criado o Brasil de Fato. Para dar sua versão dos fatos. Há outras publicações mais restritas de vários agrupamentos da esquerda que também seguem esta mesma tendência a criar seus próprios instrumentos. São várias: Opinião Socialista, O trabalho, Em tempo, Inverta, A Verdade e outras mais. Na história do nosso país, há períodos nos quais a criação de instrumentos de comunicação se intensifi cou. Típica é a época do pós-guerra (1945- 1946), quando o Partido Comunista, recém legalizado, criou dez jornais diários. Um em cada capital dos maiores estados do país. Era a época do famoso “Ouro de Moscou”, mas isso não vem ao caso agora.
O fato é que este “ouro” era muito bem usado... para disputar a hegemonia. Outro momento histórico no qual os que disputavam a hegemonia com a classe dominante criaram uma vasta rede de mídia é o da explosão das greves em l978. A grande mídia empresarial, evidentemente, publicava o que queria, como queria, quando queria e, não podemos esquecer, mantendo seus acordos com a ditadura militar. Continuavam os jornais da Imprensa Alternativa vendidos em bancas e nasciam novos instrumentos intermediários entre o trabalho de bairro e o trabalho de fábrica, com o famoso ABCD Jornal. Nasciam boletins regulares, como o Folha Bancária, da Oposição Bancária, em São Paulo, e boletins feitos de recortes de jornais de grande imprensa, como o mais célebre, o Jornal dos Jornais, vendido de mão em mão nas fábricas de São Paulo. Em sindicatos de luta, como o dos Metalúrgicos do ABC, o jornal do sindicato, Tribuna Metalúrgica, a partir das greves de 1978, passou a ter um papel cada vez mais importante. Foi assim que se tornou diário, e continua até hoje.
Além disso, jornais, sindicatos e oposições sindicais passaram, a partir de 1979, a produzir muitas cartilhas, algumas delas totalmente ilustradas por militantes. Produziam-se cordéis, para uma classe operária migrantes vindos do nordeste para o Sul industrializado. Organizavam- se grupos de teatro, entrosando ainda mais a classe operária e a classe média no projeto que permaneceria atuante durante toda a década de l980. Evidentemente, tentava-se furar o cerco da mídia empresarial, sobretudo por meio de muitos jornalistas simpáticos aos trabalhadores da imprensa empresarial, e forçavam a barra para driblar o bloqueio dos patrões. Mas nem por isso se descuidavam de sua própria imprensa. Assim foram criados vários jornais sindicais diários, como o do Sindicato dos Bancários e dos Químicos de São Paulo, e depois, de Brasília e Salvador. Esta foi a forma de lutar pela democratização da mídia naqueles anos. Ao mesmo tempo, lutava-se em duas frentes. Fazia-se sua própria imprensa e sua comunicação, sem pedir licença a ninguém. Ao mesmo tempo, lutava-se por um país diferente, onde a democratização se tornasse realidade, não só na comunicação, mas em toda a vida política do país. As lições do passado podem nos ajudar na discussão e na luta do presente. Escrito por Vito Giannotti
Escritor e Coordenador do Núcleo Piratininga de Comunicação.
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