terça-feira, 10 de maio de 2011

Carta aberta a Tarso Genro: Sobre a língua viva não se legisla. Vete a lei, Governador

Excelentíssimo Governador Tarso Genro:
Eu e uma legião de eleitores de esquerda fomos surpreendidos, no dia 19 de abril, com a aprovação, pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, do projeto de lei 156/2009, de autoria do Deputado Raul Carrion (PCdoB), que “institui a obrigatoriedade da tradução de expressões ou palavras estrangeiras para a língua portuguesa, em todo documento, material informativo, propaganda, publicidade ou meio de comunicação através da palavra escrita no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul”. Foi o estranho dia em que a direita representou a voz da sensatez. Apesar de que, felizmente, não está claro que o Sr. sancionará essa nociva e inútil lei, o Sr. condenou as chacotas e declarou que só as pessoas “muito caipiras” podem se opor às tentativas de defesa do vernáculo. Começo esta carta aberta atendendo o seu pedido de que a matéria seja tratada com seriedade, embora, que fique dito, para quem conhece algo acerca de como funciona o idioma, é meio irresistível dar algumas risadas de uma lei como esta. Noto, no entanto, minha discordância com seu uso do termo “caipira”. Em seu sentido pejorativo—que eu costumo evitar, aliás–, “caipira” é, segundo Houaiss, o “acanhado, pouco sociável”, enfim, justamente aquele que constrói cercas em volta de si mesmo. Caipiras são, portanto, os defensores da lei.
Tenho esperança de que o Sr. consultará alguns dos extraordinários profissionais do Instituto de Letras da UFRGS ou da Faculdade de Letras da PUC/RS — duas instituições de ponta, que estão entre as melhores do Brasil, tanto em literatura como em Linguística — antes de sancionar essa sandice. Sim, porque de sandice se trata.
A Linguística, como qualquer outra disciplina, possui diversas correntes e debates internos. Mas há um postulado do qual nenhum linguista discordaria: a língua é organismo vivo, em constante transformação. O dicionário é só uma sistematização pontual — um recorte — da coleção de vocábulos utilizados pelos falantes da língua em determinado momento. Essa coleção vai mudando, com a queda em desuso de algumas palavras e a incorporação de outras. É um processo natural da língua. Nele, os chamados estrangeirismos aparecerão sempre. Especialmente num mundo globalizado, eles são inevitáveis e, acima de tudo, não reguláveis por decreto, ainda mais um decreto estadual. Os próprios mecanismos internos da língua se encarregam de incorporar alguns, expelir outros, aportuguesar outros. Aliás, se formos ser rigorosos e eliminar todos os estrangeirismos, terminaremos onde? No tupi-guarani ou na passagem da vulgata latina ao galaico-português?
Idelber Avelar

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