terça-feira, 3 de maio de 2011

Código Florestal pode ameaçar Lei da Mata Atlântica

Renata Camargo

De carona no projeto de novo Código Florestal, um grupo ligado a atividades de irrigação, plantio e outras áreas rurais quer derrubar parte da Lei da Mata Atlântica. Com apoio de parlamentares da bancada ruralista no Congresso, eles pretendem reduzir o que hoje é considerado Mata Atlântica no Brasil, diminuindo espaços protegidos. O argumento é que a lei está “engessando” o desenvolvimento do país.

A mudança está sendo estudada por líderes de partidos, que podem apresentar a alteração no texto da lei como um destaque ao projetoi do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que trata do Código Florestal brasileiro. De acordo com a emenda, passa a ser considerada Mata Atlântica uma distância máxima de 300 km do litoral do oceano Atlântico. Hoje há remanescentes de Mata Atlântica em até 2 mil km desse litoral.

“Todas as áreas irrigáveis do rio São Francisco, rio Parnaíba e parte do rio Paranaíba viraram Mata Atlântica e, portanto, não são passíveis de utilização da atividade mais nobre da agricultura, que é a irrigação. Hoje está tudo engessado. E não indenizaram os donos dessas áreas”, afirma o economista e consultor Antonio Licio, ex-diretor do Ministério da Agricultura e um dos proprietários de terra que pleiteiam a mudança.

Licio argumenta que o decreto que regulamentou a lei (Decreto 6.660/2008) estendeu os efeitos da Lei da Mata Atlântica para pontos muito distantes do oceano Atlântico. O economista exemplifica que parte de Corumbá, no Mato Grosso do Sul, divisa com o Paraguai, distante 2 mil km do litoral atlântico e 1,3 mil km do Pacífico, passou a ser considerada como área protegida, não sendo possível atividades econômicas que causem desmatamento

“Delimitar Mata Atlântica como a 300 km do oceano Atlântico vai liberar projetos de irrigação no país. Só assim teremos efetivamente uma possibilidade concreta de fazer irrigação no Brasil. Se não, pode fechar a Codevasf, pois não será possível abrir nenhuma área nova ao longo do São Francisco e do Parnaíba”, disse Licio, se referindo à Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

Polêmica

Essa será a primeira vez que a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006), considerada por ambientalistas como uma das normas mais eficientes para conservação de florestas no país, será contestada no Congresso. Se o destaque for a plenário, a polêmica em torno das mudanças do novo Código Florestal deve aumentar ainda mais com as discussões da Lei da Mata Atlântica.

“Vamos ter um retrocesso de 15 anos de defesa da Mata Atlântica. Depois de anos batalhando para aprovar a lei como ficou, uma mudança como essa, sem nenhum estudo, é algo completamente inadequado. Ainda não há como saber que impacto isso terá, mas não será bom para o país”, defendeu Renato Pêgas, coordenador-geral da Rede de ONGs da Mata Atlântica.

Para o diretor de mobilização da SOS Mata Atlântica, Mário Mantovani, essa é uma tentativa de “oportunistas” mudarem a lei. “Durante 14 anos, tentaram fazer com que não prosperasse a Lei da Mata Atlântica, até sair o decreto e a regulamentação nos estados. O que saiu como mata não fomos nós que definimos, foi o IBGE. Então esses mesmo que ficam atirando para todos os lados vão discutir com o IBGE”, afirmou Mantovani. O IBGE é o Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística.

Da extensão original da Mata Atlântica, considerada no passado a segunda maior floresta brasileira, resta atualmente cerca de 5%. A partir da Lei da Mata Atlântica e do decreto que a regulamentou, além da mata originalmente considerada do bioma – aquela vegetação próxima ao oceano Atlântico –, passaram a ser consideradas remanescentes de Mata Atlântica florestas, manguezais, restingas, brejos e outros ecossistemas localizados em 17 estados brasileiros.

Na avaliação de Lício, ampliou-se demais a área protegida pela legislação. “O governo sancionou uma lei que simplesmente engessa e esteriliza o que ele considera Mata Atlântica, onde não é permitido derrubar, cortar qualquer”, afirma. “Esse foi um artifício que ambientalistas fizeram para que não se permitisse abrir novas áreas”, disse.


Para o deputado Paulo Piau (PMDB-MG), um dos representantes da bancada ruralista na Câmara, preservar resquícios de Mata Atlântica é “preciosismo”. “Não tem sentido dizer que no Triângulo Mineiro tem Mata Atlântica. Essa deve ser uma definição técnica daqui para a frente. Se aquela vegetação tiver alguma importância para a biodiversidade, tem que preservar. Mas não tem sentido engessar resquícios de Mata Atlântica no interior do Brasil”.

Segundo o parlamentar, o norte de Minas Gerais, a chamada região de mata seca, tem sido prejudicada pela Lei da Mata Atlântica. “É uma região do estado que é pobre, e sendo considerada Mata Atlântica, os produtores não podem mais transformar essa região em área produtiva. Esse é um prejuízo que os produtores estão tendo hoje”, conta.

Mas, na avaliação do deputado, com as mudanças no Código Florestal, previstas no relatório do deputado Aldo Rebelo, esses produtores pobres da região norte de Minas poderão ser beneficiados por terem preservado a Mata Atlântica. “Se for considerada que a Mata Atlântica vai servir para recomposição de quem não tem os 20% de reserva legal estabelecido na lei para a região Centro-Sul do país, então essas áreas vão passar a serem valorizadas como área de recomposição”, ressalta.

De acordo com as mudanças que estão sendo estudadas no relatório do deputado Aldo Rebelo, um proprietário de terra, por exemplo, em São Paulo que desmatou área de Mata Atlântica (ou outro tipo de vegetação) no seu estado, poderá fazer a recomposição dessa área em outro estado do mesmo bioma. “A recompensa virá nesse sentido para essa turma”, concluiu Piau se referindo aos produtores da região de mata seca.

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