Empregados foram encontrados em condições de trabalho análogo à escravidão nos meses de maio e junho em atividades relacionadas à criação de gado, produção de carvão e até à área de trasmissão de energia elétrica.
Por Bianca Pyl*
Fiscalizações do Grupo Móvel nacional e dos grupos estaduais de combate ao trabalho escravo libertaram 66 pessoas de condições análogas à de escravo na região Norte do País. As ações ocorreram entre maio e junho deste ano.
A última operação, no Pará, encontrou trabalhadores em condições análogas à escravidão prestando serviços para companhias de energia elétrica. Desta vez foram 34 pessoas em Pacajá (PA). O grupo estava trabalhando para a empresa terceirizada Eletro Junior, que presta serviços para a Companhia de Energia Elétrica do Pará (Celpa). A ação foi realizada pelo Grupo Móvel de Fiscalização no último dia 15 de junho.
O grupo fazia o roço do mato embaixo da rede elétrica para evitar que as árvores atingissem os fios de alta tensão e provocasse queda de energia. Os empregados iniciaram o serviço em maio e desde então passaram a viver em condições degradantes. A empresa alojou os empregados em uma antiga serraria, onde não havia instalações sanitárias ou chuveiros. A água consumida vinha de um poço e não passava por nenhum processo de filtragem.
Por falta de treinamento e equipamentos de segurança, os empregados corriam riscos de serem eletrocutados. No início de junho, três trabalhadores levaram choques elétricos, mas a empresa não chegou a emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho. Além disso, as vítimas não possuíam assinatura na Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS).
Após a fiscalização, a Eletro Junior arcou com as verbas trabalhistas devidas, que totalizaram R$ 48 mil. A Celpa assinou um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público do Trabalho (MPT), comprometendo-se a não contratar terceirizadas que não sigam as normas de segurança e saúde do trabalho.
Garimpo no Pará
Em outra ação, o grupo móvel retirou 13 trabalhadores de condições semelhantes à escravidão, em um garimpo de ouro localizado na zona rural de Água Azul do Norte (PA). Os trabalhadores estavam sem receber salários há dois meses. Foi constatado, também, que as carteiras de trabalho das vítimas estavam retidas pelo empregador.
O grupo estava no local desde março. A fiscalização, realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), pelo MPT e Polícia Rodoviária Federal, ocorreu no início de junho.
Os libertados não contavam com nenhum Equipamento de Proteção Individual (EPI) para uso durante o serviço. Nas frentes de trabalho, não havia instalações sanitárias nem água potável à disposição dos trabalhadores. As vítimas estavam alojadas em locais precários e sem condições de higiene e limpeza.
O MTE lavrou 20 autos de infração contra o empregador, que pagou mais de R$ 54 mil em verbas rescisórias aos trabalhadores.
Pecuária no Acre
Oito empregados foram resgatados de condições de trabalho análogas à de escravo, na zona rural de Rio Branco (AC), em maio. O grupo de trabalhadores que foram libertados limpava área para formação de pasto na fazenda Vale Verde e aplicava agrotóxico sem nenhuma proteção.
De acordo com o procurador do Trabalho Tiago Ranieri, os trabalhadores estavam sem acesso à água potável e sem locais para realizar as refeições. O alojamento era um barraco coberto com palha, no meio do mato. Os resgatados viviam há 35 dias nessa situação.
As vítimas foram contratadas no mercado central de Rio Branco (AC), "onde muita gente vai a procura de empregos temporários", acrescentou o procurador do Trabalho.
"O grupo foi contratado para realizar a limpeza de 30 hectares da fazenda pelo valor de 1.800 reais. Este valor só seria pago no final do trabalho", disse Tiago, em entrevista ao programa de rádio Vozes da Liberdade.
Durante os 35 dias de trabalho, o empregador não efetuou nenhum pagamento. O dono da fazenda só comprou alimentos no mercado, cujos valores seriam descontados posteriormente dos pagamentos dos trabalhadores. "O fazendeiro vai anotando as dívidas. No final do mês apresenta o valor aos trabalhadores. Nesse caso, o total já tinha ultrapassado o valor acertado com os empregados", conta o procurador do Trabalho.
Após a fiscalização, as vítimas receberam as verbas rescisórias e mais R$ 1 mil por dano moral individual.
Carvoaria no Pará
Barracas de lona serviam como alojamentos; trabalhadores ficavam expostos aos animais (Foto: Pedro Eckman) |
No início de maio, o grupo móvel libertou 11 empregados na carvoaria de Carlos Fernandes de Araújo, em Goianésia do Pará (PA). O empregador não fornecia água potável aos trabalhadores. Os carvoeiros utilizavam água de açude para beber e tomar banho. O local também é utilizado pelos animais no entorno. Apesar de não fornecer água potável aos empregados, o dono da carvoaria mandou providenciar uma bomba mecânica para bombear água, por meio de mangueiras, para esfriamento dos fornos.
No primeiro alojamento, apesar das paredes de madeira e do piso de cimento, os trabalhadores não possuíam banheiro e utilizam o mato para fazer suas necessidades. Uma parte dos trabalhadores ficava alojada em um barraco de lona e palha sem piso e sem paredes.
A 3 km de distância ficava a segunda bateria de fornos e alojamento. Mais uma vez as condições colocavam a saúde e segurança dos empregados em risco. O mesmo caminhão que transportava a madeira cortada até os fornos também fazia o transporte dos trabalhadores junto com a carga e sem qualquer proteção.
De acordo com os depoimentos colhidos, os trabalhadores já haviam trabalhado para Carlos Fernandes de Araújo, em outra carvoaria. Para conseguir convencê-los a trabalhar novamente, o empregador teve que mudar o "sistema". Na primeira vez, os trabalhadores receberam muito pouco por conta das dívidas com a alimentação. Por isso, Carlos acertou com os empregados que o coordenador do grupo é que arcaria com a alimentação. Os coordenadores que recebem mais pela produção têm que pagar pela comida de todos, além de gasolina e equipamentos para o trabalho. Com isso, acabam não conseguindo também receber muito mais do que sua própria alimentação .
O pagamento era feito por produção. Então, nos períodos de chuva ou nos casos em que um trabalhador ficava doente, os empregados ficavam sem trabalhar e sem receber. Na prática, o trabalho acabava gerando recursos equivalentes aos gastos com a comida, além de alguns poucos reais a mais.
O MTE lavrou 23 autos de infração por conta das irregularidades encontradas. Participaram da ação o MPT, MTE e Polícia Federal. A produção da carvoaria foi interditada. O proprietário, contudo, não foi encontrado pelos fiscais. Os trabalhadores regatados receberam a guia para sacar três parcelas de seguro desemprego para trabalhador resgatado. E a Polícia Federal apreendeu duas armas de fogo.
*Com informações do Ministério do Trabalho e Emprego e Sinait e colaboração de Pedro Ekman
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