domingo, 12 de junho de 2011

O mal ronda o mosteiro

Resolvido o último escândalo da fila, na falta de outro maior ou da tragédia de praxe, o balão de ensaio da vez, nos meios de comunicação, explodiu sobre o belo Colégio São Bento, ao lado do secular mosteiro às margens da Baía de Guanabara, no Centro do Rio. Não bastasse a defesa intransigente do consumismo desenfreado e dos consumidores mais afetados da classe média alta, os porta-vozes deste segmento social primam por desconstruir os valores mais caros à nação que busca, incansavelmente, deixar o estágio de Terceiro Mundo, de país em eterno desenvolvimento, rumo a outro patamar de civilidade e de desenvolvimento ético e moral.


Os franceses, além da injusta fama de mal-humorados, orgulham-se dos símbolos de seu país de maneira atávica. Entre outros pontos, sentem-se gratificados por um grupo de monges produzir o licor cuja fabricação é um segredo milenar, jamais divulgado pela Ordem da Grande Chartreuse, monastério localizado nos arredores de Grenoble, povoado fundado nos idos de 43 a.C. nos Alpes du Delphiné. Os religiosos que fabricam a bebida, reverenciada como um autêntico ‘elixir da vida’, gozam do respeito e do carinho de todos os cidadãos e cidadãs da Republique.


Da mesma forma, os beneditinos da Abadia de Montecassino, na velha Nápoles, são reverenciados como professores ancestrais na observância dos preceitos destinados à regulação da convivência comunitária. Desde o século VI, fundada por Bento de Núrsia em sua Regula Beneticti, a ordem simboliza a reunião de vários mosteiros que professam a regra muito após a sua morte, quando foi declarado Patrono da Europa. Não se vê um diário ou revista europeus dispostos a lançar pedras contra símbolos nacionais como estes e se dispõem a ceder páginas e editoriais contra quem ousa denegrir tais insígnias nacionais. Tratam com mais respeito as questões relativas aos seus assuntos.


Alguns brasileiros, porém, parecem regozijar-se cada vez que veem um muro pichado, uma instituição aviltada, um símbolo caído. Há um tipo de gente que parece sempre disposta a detonar os valores mais preciosos e substituí-los por modismos de rumo duvidoso. Ao invés de patriotas, mais parecem agentes do imperialismo mundial a serviço do subdesenvolvimento, da miséria eterna e seus efeitos sobre a sociedade brasileira. Cabe perguntar quem os comanda, se forças internas e retrógradas ou os potentes interesses planetários.


No distante ano de 529 d.C., a ordem nascida em Montecassino já preceituava a pobreza, a castidade, a obediência, a oração e o trabalho, bem como a obrigação de hospedar peregrinos e viajantes em seus mosteiros, dar assistência aos pobres e promover o ensino. Assim, ao lado dos mosteiros beneditinos havia sempre uma escola, razão que transformou a Ordem em um dos centros produtores de cultura desde a Idade Média, com as suas bibliotecas magníficas que reúnem obras e ensinamentos desde antiguidade. Bento de Núrsia deixou para a posteridade o princípio fundamental ora et labora (reza e trabalha) e os religiosos desta congregação, até os dias de hoje, guardam tempo para rezar por sete vezes durante o dia de trabalho árduo em atividades que vão desde as atividades manuais, a agricultura, a marcenaria e o magistério, como forma de sustento da comunidade.


Ao todo, 16 papas – incluindo o atual, Bento XVI – pertenceram à Ordem dos Monges Beneditinos. Desde São Gregório I, O Grande, com seu pontificado de 14 anos, entre 590 e 604, até o Papa Pio VII, de 14 de março de 1800 até 20 de agosto de 1823, um dos mais significativos da Igreja Católica, todos oraram e trabalharam pela humanidade. Aqui no Brasil, o trabalho de Frei Luís da Conceição Saraiva, iniciado em 1904, segue até hoje as mesmas diretrizes. Ao lado do Mosteiro, fundou o Colégio São Bento, chamado inicialmente de Externato São Bento. Assim, cerca de 500 alunos, ainda durante a jovem república, estudavam gratuitamente nos cursos primário, secundário e teológico. Ensinaram brasileiros como Coelho Neto, Antônio da Silva Jardim e Clóvis Bevilacqua, entre outros, a ser brasileiros antes de tudo. Todos eles freqüentaram os bancos do educandário situado no largo da Praça Mauá.


O bom Frei Luis não imaginava que, no Ano da Graça do Nosso Senhor Jesus Cristo de 2011 o colégio que ele fundou iria frequentar as páginas dos pasquinários cariocas, levado por filhotes da classe média abastada, ou nem tanto, mas disposta a denegrir um passado de circunspecção e orações. O espírito repleto de paciência e bondade dos monges e professores do Colégio São Bento é colocado à prova diante do público que acolhem para retirar das trevas da ignorância para a luz da educação. Enquanto em casa recebem, dos pais e familiares, a controversa lição de crescer e “se dar bem”, encontram nas palavras dos mestres uma mensagem diversa, humanista e generosa, que destoa das lições domésticas de egoísmo, prepotência e injustiça social.


Os filhos dos ricos – ou quase ricos – são espelhos-mirins das famílias a que pertencem e, assim, é compreensível a neurose coletiva que os obriga a portar os celulares da moda, as mochilas da grife mais cara, o jeans tal e o acessório qual enquanto ouvem por um ouvido e deixam escapar do outro lado as lições de modéstia, equidade moral e solidariedade que lhes chegam por seus professores, nas salas de aula. Premidos entre a autoridade familiar, que busca um bom colégio com a única finalidade de ver o filho ingressar na faculdade, ganhar dinheiro e acumular mais riquezas materiais, e as benditas orientações dos mestres, resta-lhes chutar o colega mais gordinho, falar mal do aluno mais pobre, que não têm os mesmos tênis do ídolo da TV, ou enveredar no flagelo das drogas. As diatribes proferidas por estes arautos da gastança desenfreada, desafortunadamente, falam mais alto e o resultado é a competitividade desenfreada e a dedicação exclusiva de cada um aos seus próprios interesses.


É fácil perceber a dificuldade dos educadores em lidar com a total ausência de valores e de limites na geração que emerge de uma sociedade desigual, desprovida do respeito ao colega, da amizade, da compreensão, da cooperação e demais méritos que tornam as pessoas mais humanas, mais sensíveis à dor do outro, mais solidárias. É previsível o resultado de uma coletividade impulsionada pelo desenvolvimento da indústria, do comércio e dos serviços, mas que prioriza os automóveis, as bugigangas eletrônicas, o supérfluo enfim, aos princípios éticos e morais que os beneditinos visam resgatar, a duras penas. A educação, para este grupo, é apenas uma alavanca pronta a manter o sistema cada vez mais injusto e desigual.


O monges, por sua vez, afeitos à musica clássica, ao canto gregoriano, às orações e ao trabalho simples e digno, precisam enfrentar diuturnamente a turba capaz de trucidar-se uns aos outros, submergir nas práticas mais detestáveis do bullyng e na convivência conflituosa que têm marcado a rotina das escolas mais distintas, em todo o país. À cada novo dia, as preces beneditinas devem dirigir ao Espírito Santo mais e mais pedidos para que cessem os maus tratos e os desentendimentos mútuos na hora do recreio e passe a vigorar o senso comum do respeito e do amor ao próximo.


À direção do Colégio São Bento, diante da onda de denuncismo que ocupou os espaços vadios da mídia subalterna, coube emitir a nota que bem exemplifica toda a questão ao traduzir os arroubos de um suposto escândalo, fabricado com o único intuito de achincalhar uma das iniciativas mais louváveis no campo educacional do país:


“A ocorrência disciplinar que tem gerado tanto clamor na mídia, nos últimos dias, foi avaliada pelos nossos profissionais que, desde então, têm buscado, incansavelmente, esclarecer os fatos, como uma brincadeira inconsequente, sem intenção de agredir ou machucar, mas que, no entanto, acabou mal, logo, considerada uma falta grave”, diz o comunicado ao público. Esclarecido o fato, os monges frisaram mais uma vez a Regula Beneticti ao garantir que os educadores jamais poderão “desistir de um adolescente de 14 anos ou qualquer outra idade, se não forem esgotados todos os recursos que uma escola dispõe para corrigir algum comportamento ou se redimir alguma falha, sempre trabalhando em consonância com as famílias”.


O Brasil ficará sempre melhor e mais seguro, enquanto persistirem os humildes e os bons, apesar do mal que ronda o mosteiro.


Sérgio Nogueira Lopes é jornalista, sociólogo e escritor, autor de Opinião Giratória entre outros livros.

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