Brasil, 27 de maio de 2011
Para virar a página, antes é preciso lê-la.
Baltasar Garzón
O Brasil, entre 1964 e 1985, viveu sob uma ditadura civil-militar que seqüestrou, manteve em cárceres clandestinos, torturou, assassinou e ocultou cadáveres de seus opositores, e, com a forte censura que impôs, impediu o conhecimento completo destes fatos, que até hoje permanecem sem que tenham sido esclarecidos devidamente. Por isso, a sociedade vem lutando, por diversos meios, para que o Estado apure toda a verdade, abrangendo os fatos, as circunstâncias, o contexto e as responsabilidades. E faça Justiça.
Queremos uma Comissão da Verdade com a finalidade de revelar e promover a verdade histórica, o esclarecimento dos fatos e as responsabilidades institucionais, à semelhança do que vem ocorrendo no âmbito internacional.
O Poder Executivo apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 7.376, de 20 de maio de 2010, para a criação, na esfera da Casa Civil da Presidência da República, da Comissão Nacional da Verdade, tendo esta a finalidade de “examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período“ de 1946 a 1988, “a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”.
Embora bem-vinda a Comissão, Nacional da Verdade, esta foi originalmente concebida como uma Comissão de Verdade e Justiça. O Coletivo de Mulheres pela Verdade e pela Justiça, e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, por meio deste documento, aberto à adesão de todos e todas e às entidades da sociedade civil, propõe as seguintes alterações ao Projeto:
Para que tenhamos uma Comissão que efetive a Justiça:
· o período de abrangência do projeto de lei deverá ser restrito ao período de 1964 a 1985;
· a expressão “promover a reconciliação nacional” seja substituída por “promover a consolidação da Democracia”, objetivo mais propício para impedir a repetição dos fatos ocorridos sob a ditadura civil-militar;
· no inciso V, do artigo 3º, deve ser suprimida a referência às Leis: 6.683, de 28 de agosto de 1979; 9.140, de 1995; 10.559, de 13 de novembro de 2002, tendo em vista que estas leis se reportam a períodos históricos e objetivos distintos dos que devem ser cumpridos pela Comissão Nacional da Verdade e Justiça.
· o parágrafo 4°, do artigo 4°, que determina que “as atividades da Comissão Nacional da Verdade não terão caráter jurisdicional ou persecutório“, deve ser substituído por nova redação que delegue à Comissão poderes para apurar os responsáveis pela prática de graves violações de direitos humanos no período em questão e o dever legal de enviar suas conclusões para as autoridades competentes;
Para que tenhamos uma Comissão de verdade:
· o parágrafo 2°, do artigo 4º que dispõe que “os dados, documentos e informações sigilosos fornecidos à Comissão Nacional da Verdade não poderão ser divulgados ou disponibilizados a terceiros, cabendo a seus membros resguardar seu sigilo”, deve ser totalmente suprimido pela necessidade de amplo conhecimento pela sociedade dos fatos que motivaram as graves violações dos direitos humanos;
· o artigo 5°, que determina que “as atividades desenvolvidas pela Comissão Nacional da Verdade serão públicas, exceto nos casos em que, a seu critério, a manutenção do sigilo seja relevante para o alcance de seus objetivos ou para resguardar a intimidade, vida privada, honra ou imagem de pessoas”, deve ser modificado, suprimindo-se a exceção nele referida, estabelecendo que todas as atividades sejam públicas, com ampla divulgação pelos meios de comunicação oficiais.
Para que tenhamos uma Comissão da Verdade legítima:
· os critérios de seleção e o processo de designação dos membros da Comissão, previstos no artigo 2º, deverão ser precedidos de consulta à sociedade civil, em particular aos resistentes (militantes, perseguidos, presos, torturados, exilados, suas entidades de representação e de familiares de mortos e desaparecidos);
· os membros da Comissão não deverão pertencer ao quadro das Forças Armadas e Órgãos de Segurança do Estado, para que não haja parcialidade e constrangimentos na apuração das violações de direitos humanos que envolvem essas instituições, tendo em vista seu comprometimento com o principio da hierarquia a que estão submetidos;
· os membros designados e as testemunhas, em decorrência de suas atividades, deverão ter a garantia da imunidade civil e penal e a proteção do Estado.
Para que tenhamos uma Comissão com estrutura adequada:
· a Comissão deverá ter autonomia e estrutura administrativa adequada, contando com orçamento próprio, recursos financeiros, técnicos e humanos para atingir seus objetivos e responsabilidades. Consideramos necessário ampliar o número atual de sete (07) membros integrantes da Comissão, conforme previsto no Projeto Lei 7376/2010.
Para que tenhamos uma verdadeira consolidação da Democracia:
· concluída a apuração das graves violações e crimes, suas circunstâncias e autores, com especial foco nos casos de desaparecimentos forçados ocorridos durante o regime civil-militar, a Comissão de Verdade e Justiça deve elaborar um Relatório Final que garanta à sociedade o direito à verdade sobre esses fatos. A reconstrução democrática, entendida como de Justiça de Transição, impõe enfrentar, nos termos adotados pela Escola Superior do Ministério Público da União, “(...) o legado de violência em massa do passado, para atribuir responsabilidades, para exigir a efetividade do direito à memória e à verdade, para fortalecer as instituições com valores democráticos e garantir a não repetição das atrocidades”.
Para que a Justiça se afirme e se consolide a cultura de respeito e valorização aos direitos humanos, nós abaixo assinados:
Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos:
Alberto Henrique Becker
Célia Silva Coqueiro
Cesar Augusto Teles
Clelia de Mello
Clóvis Petit de Oliveira
Criméia Alice Schmidt de Almeida
Derlei Catarina de Luca
Derly José de Carvalho
Edson Luis de Almeida Teles
Elizabeth Silveira e Silva
Elzita Santa Cruz
Eni Mata de Carvalho
Gertrudes Mayr
Iara Xavier Pereira
Igor Grabois Olímpio
Ivan Akselrud de Seixas
Izaura Silva Coqueiro
Janaina de Almeida Teles
João Carlos S. A. Grabois
Jocimar Souza Carvalho
Laura Petit da Silva
Lorena Morani Girão Barroso
Lucia Vieira Caldas
Marcelo de Santa Cruz Oliviera
Maria Amélia de Almeida Teles
Maria do Amparo Araújo
Maria Eliana de Castro Pinheiro
Maria Socorro de Castro
Pedrina José de Carvalho
Rosalina Santa Cruz
Suzana Keniger Lisbôa
Togo Meirelles Netto
Victória Lavínia Grabois Olímpio
Zilda Paula Xavier Pereira
Coletivo de Mulheres pela Verdade e Justiça
Deisy Ventura
Eleonora Menecucci
Ivy Farias
Maria Aparecida Costa Cantal
Rita Sipahi
Rose Nogueira
Terezinha Gonzaga de Oliveira
Zenaide Machado de Oliveira
Apoiadores:
Adriano Diogo
Adriano Galvão Dias Resende
Ana Cristina Arantes Nasser
Beatriz Cannabrava
Candida Moreira Magalhães
Cássia Cristina Carlos
Darci Toshiko Miyaki
Dulcelina Vasconcelos Xavier
Elza Ferreira Lobo
Frei Betto
Joel Rufino dos Santos
Julia de Oliveira
Margareth Rago
Maria Auxiliadora Galhano Silva
Roberto Nasser Jr.
Os signatários
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