Adalto Guesser*
A primeira língua imperial de que temos registros no Ocidente é o latim, que deve ter surgido por volta do século VII a.C., na região denominada Lácio, correspondente ao Vetus Latinum, pequena fração do que hoje é a Itália. O latim se espalhou pelo mundo de maneira progressiva e vertiginosa. A sua expansão se deve exatamente pelo fato de o Império Romano utilizá-la como língua oficial. Com o aumento da influência militar e política de Roma, o latim foi crescentemente difundindo-se tanto nas cidades como nas zonas rurais, mesmo que com características dialetais próprias (Dessales, 2006). Lentamente, o latim foi dando origem a grande número de línguas européias, denominadas românicas, ou neolatinas, como o português, o espanhol, o francês, o italiano, o romeno, o galego, o occitano, o rético, o catalão e o dalmático (já extinto).
Existe uma série de datas históricas que podem servir de marcos para o expansionismo do latim, todas elas, porém, estão vinculadas com a expansão de Roma*. O uso do latim teve grande influência em todo o mundo, sendo utilizado como a língua de comunicação oficial do Império Romano. Outro fator que contribuiu muito para a vulgarização do latim foi ele ter sido decretado língua oficial da Igreja Católica do Ocidente, após o grande cisma, no início do século XI**. A igreja do Ocidente passou a chamar-se Igreja Católica Romana, por ter sua sede em Roma, na figura do papa, e aos poucos deixou de utilizar o grego, que era a sua língua oficial, para utilizar o latim, de uso corrente no Império. Este fato tornou o latim obrigatório em todos os cultos oficiais até meados do século XX. Entretanto, a época áurea do latim no Ocidente deu-se a partir do século XV, com seu redescobrimento pelos eruditos do Renascimento. O seu valor como meio de transmissão de conhecimentos e tradições é incalculável para a história da humanidade, mas o seu uso na atualidade está cada vez mais residual e, embora ainda seja considerada a língua oficial do Vaticano, é utilizado apenas para ritos religiosos e comunicações escritas muito específicas. No próprio Vaticano, a língua corrente no quotidiano é hoje o italiano.
* Em 241 a.C. a Sicília se torna província romana; em 238 a.C. também a Sardenha e a Córsega; em 197 a.C. a Espanha; em 146 a.C. A África; em 167 a.C. a Ilíria; em 120 a.C. a Gália Meridional; em 50 a.C. a Gália Setentrional; em 15 a.C. a Retia e por último, em 107 d.C. sob Trajano, a Dácia. Dados obtidos na Wikipédia, em 14/06/2006, verbete: Latim, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Latim.
** O Cisma Ocidente-Oriente, Cisma do Oriente ou simplesmente Grande Cisma foi a cisão entre a igreja Oriental Bizantina (Ortodoxa) e a Ocidental (Romana), que se tornou definitivo em 1054. As tensões entre as duas igrejas datam no mínimo da divisão do Império Romano em Oriental e Ocidental, e a transferência da capital da cidade de Roma para Constantinopla, no século IV (SANTIAGO et alli, 1990).
No início do desenvolvimento científico do Ocidente, como as universidades e em geral a educação formal estavam diretamente ligadas à Igreja, o latim também desempenhou neste campo forte influência. A língua do conhecimento era a língua da religião*, ou seja, o latim. É por isso que o latim vulgar continuou a ser usado por grandes eruditos até o século XVII, como, por exemplo, Isaac Newton. O declínio na área da ciência começou a se intensificar a partir da segunda metade do século XVIII, com o desenvolvimento do Iluminismo europeu.
O latim é uma brilhante demonstração de poder que uma língua possui quando inserida em um contexto imperial. Entretanto, como já foi dito, o tempo áureo do latim também foi o período em que este esteve vinculado ao Império Romano, ou ao seu braço mais forte, a Igreja Católica. Cabe ressaltar o papel que a Igreja desempenhou neste campo, perpetuado mesmo depois do final do imperialismo político de Roma. Isso reforça a tese de Hardt e Negri (2001), que, ao conceituar o Império, estabelecem-no como uma rede de elementos capazes de garantir um dado controle e uma dada hegemonia, sem delimitar-se a um estado específico ou a determinado território. Neste sentido, podemos pensar que o poder que a Igreja Católica Romana desempenhou no Ocidente até o século XVIII foi imperial. Um imperialismo religioso. É possível perceber, também, neste caso específico, que as relações de dominação e controle imperial não terminam com o final do período imperialista de uma dada hegemonia. As zonas de contato e de permanência das relações moldadas pelo império perduram por muito tempo, até serem substituídas por novas formas em um regime subseqüente, pois os elementos que compõem determinado império são muito mais que políticos, são também ideológicos, culturais e epistemológicos.
* Este fato tem a ver com a cosmologia que se tinha, na época, de “conhecimento”. Fundada em preceitos judaico-cristãos, existia a idéia difusa de que todo conhecimento e toda forma de conhecer só poderiam advir de Deus, criador de todas as coisas.
Parte integrante do artigo A diversidade lingüística da Internet como reação contra-hegemônica das tendências de centralização do império.
*Doutoramento em poscolonialismos e cidadania global do Centro de Estudos Sociais e da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Mestre em sociologia política pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: adalto@adaltoguesser.net
Fonte: http://revista.ibict.br
Fonte: No HISTÓRIA VIVA
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