Livro do historiador Gustavo Alonso questiona mitos da MPB à época da ditadura militar e defende que o arbítrio existiu não devido à passividade e apatia da sociedade brasileira, mas porque a maioria dessa sociedade o apoiou, legitimou e aplaudiu.
Por Pedro Alexandre Sanches
Por Pedro Alexandre Sanches
Chico Buarque é o anti-Wilson Simonal. Essa tese não é o fio condutor do livro ensaístico Simonal – Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga, do historiador Gustavo Alonso. Mas é a conclusão mais polêmica e perturbadora a que chega o trabalho de um pesquisador que se afirma de esquerda, mas está disposto a contestar mitos e dogmas acalentados desde a ditadura cívico-militar brasileira, seja à direita ou à esquerda.
O livro é desdobramento da dissertação de mestrado que Gustavo apresentou em 2007 à Universidade Federal Fluminense (UFF). A demora de três anos da Record em editá-lo faz com que chegue simultaneamente à conclusão de sua tese de doutorado, sob o título Cowboys do asfalto: música sertaneja e modernização brasileira. A linha seguida em ambos é análoga à do também historiador Paulo Cesar de Araújo, autor do livro Eu não sou cachorro, não (Record, 2002), que explicitava preconceitos classe escondidos atrás da habitual trincheira de guerra aberta entre a sigla MPB e grupos artísticos rejeitados por ela.
O recorte de Gustavo se estende à própria ditadura de 1964. Despreocupado em culpabilizar ou inocentar Simonal das acusações de deduragem que a partir de 1971 dizimaram uma carreira até então gloriosa, o historiador quer mostrar que Simonal era um apoiador da ditadura, sim, mas estava longe de ser o único. Invertendo o ponto de vista habitual, encaixa seu personagem à evidência de que o arbítrio existiu não devido à passividade e apatia da sociedade brasileira, mas porque a maioria dessa sociedade o apoiou, legitimou e aplaudiu.
Memórias como a de um Chico Buarque heroico, defensor de todos contra os militares, seriam uma construção (ou distorção) posterior, assim como a de um Wilson Simonal maquiavélico e solitário na defesa de um regime, contra todo um país de vítimas 100% inocentes. É onde Chico seria o anti-Simonal, embora isso nunca seja proferido.
Gustavo, niteroiense nascido por acidente na cidade paulista de Aparecida, durante uma viagem do pai engenheiro e da mãe nutricionista, desenvolve na entrevista abaixo a provocação, questionando o papel de resistência atribuído à peça teatral Roda Viva (1968), de Chico, ou traçando semelhanças entre a hoje hegemônica Tropicália e o movimento da pilantragem, proposto por Simonal e interrompido com sua derrocada.
Fórum – De que lugar ideológico você defende as hipóteses de seu livro?
Gustavo Alonso – Eu me defino como de esquerda. Ainda acho essas categorias válidas, mas não estou muito disposto a adubar, proferir ou louvar certas histórias que foram contadas e viraram mitologia, mesmo na esquerda. Acredito que esquerda e direita existem, sim, mas gosto de desestabilizá-las e distorcê-las um pouco. Se é que se pode meter outra questão nessa polêmica, prefiro o tropicalismo, à medida que ele é e não é a esquerda, e é e não é a direita. Talvez seja a esquerda da esquerda, não sei. É melhor que a crítica da esquerda venha da esquerda. A crítica de direita volta e meia cai num moralismo muito grande. Sou de 1980, da geração que não viveu o auge da MPB, os festivais, os anos 1960 e 1970. Não gosto da palavra declínio, mas a MPB já não era o que era antes, e minha geração teve que lidar com esse legado. Algumas pessoas dizem: “Ah, você não viveu”. Como se fosse necessário viver a escravidão pra saber o que ela foi.
Fórum – Você não viveu também o auge da ditadura. O que isso significa para seu trabalho?
Gustavo – (Silêncio.) Boa pergunta. (Silêncio.) A questão da ditadura é um pouco a mesma questão da MPB. Talvez ter vivido naquele período intenso impossibilite perceber certas coisas através da memória, até porque a memória pode construir noções que não correspondam tanto à realidade. Talvez o olhar desta geração possa abrir novas possibilidades de análise e entendimento. Acho que o fato de eu não ter vivido a ditadura não chega a ser uma desvantagem. Também não diria que é uma vantagem, não. É um outro olhar. Falando disso mais pessoalmente, minha família, principalmente minha mãe, tem a referência da resistência à ditadura muito forte dentro dela. No entanto, as questões da esquerda da época não fazem sentido nenhum para ela. Questão da terra? É a favor do grande produtor rural. Igualdade social? Não, não tem que ter igualdade pra todo mundo. Encontrei o diploma de engenheiro do meu pai e vi que ele se formou em 17 de dezembro de 1968, quatro dias depois do AI-5. Meu pai não tem lembranças positivas da ditadura, mas nem negativas. Perguntei: “Pai, você se lembra da promulgação do AI-5?” “Não.” “Mas, pô, foi quatro dias depois, você não se recorda se teve confusão?” “Não, não teve.”
Fórum – Seu pai é o brasileiro médio de que você fala no livro, como Simonal?
Gustavo – É, um pouco indiferente, mas que ao mesmo tempo teve sua vida construída durante o período, como grande parte da sociedade brasileira. Eu queria menos tentar repudiar isso, afinal, bem ou mal, sou fruto disso, e mais tentar entender. Como assim? Como se viveu a ditadura de forma normal? Como apenas 4 mil pessoas estiveram direta ou indiretamente envolvidas com a resistência? Que legitimidade tinha essa ditadura na sociedade? A que anseios autoritários ela respondeu? Isso me possibilitou uma percepção para além da memória, porque essa memória eu não tenho. Não lembro o que é Medici discursando, ou Simonal cantando, ou Caetano no festival. Tenho a lembrança de vídeos. O livro teve inspiração nos questionamentos que a gente anda tendo no Núcleo de Estudos Contemporâneos (NEC) da UFF, com Daniel Aarão Reis, Denise Rollemberg, uma série de professores que vêm tentando repensar a ditadura, o apoio, a legitimidade, o consenso. Não para dizer que era válida, que é a leitura que a direita faz e muitas vezes a própria esquerda também faz dessa interpretação – ou seja, de que estamos relativizando a ditadura e por isso compactuamos com ela. Não é disso que se trata. Daniel Aarão, que é meu orientador, foi um dos caras que sequestraram o embaixador norte-americano. E é acusado por uma parte da própria academia de ser de direita.
Fórum – A mídia nos últimos anos tem a obsessão de querer determinar se Simonal era culpado ou inocente. Vou martelar nessa tecla, até porque sua posição parece diferente de todas as outras. Simonal era inocente ou culpado?
Gustavo – (Respira fundo. Silêncio.) Também não tenho provas cabais de nada, não consegui achar. Eu diria: ele seria um cara que poderia dedurar. Mas quem ele iria dedurar especificamente, Chico, Caetano? Não precisaria da pessoa dele para fazer isso. Mas era um cara que, como a maior parte da sociedade brasileira, estava vivendo a ditadura como uma solução, e não como uma coisa a ser combatida. Vivia como expressão dos seus próprios desejos, autoritários, sim, antidemocráticos, sim, desenvolvimentistas e economicistas, sim. Tentar trabalhar com um Simonal ingênuo? Ele não era ingênuo em nenhum momento. Além de transformá-lo em vítima, o transforma em vítima como se fosse apolítico, como se não se envolvesse nas discussões. Pelo contrário, estava sempre afirmando coisas, dizendo. Uma parte da academia tem essa ideia de que as pessoas eram caladas, reprimidas, que se tivessem o direito de falar falariam contra a ditadura. Mas o que a gente vê na música mais popular é que eles estão performando o regime, mais do que estão compactuando. É o regime que compactua com eles, é legal inverter.
Fórum – Sem entrar em questões maniqueístas de “inocente” e “culpado”, você defende que Simonal não era um cara inocente.
Gustavo – Sim, não foi escolhido para bode expiatório à toa. Bode expiatório é bode. Que ele era favorável ao regime, é inegável – como a maior parte da sociedade brasileira. Foi pro México, serviu de embaixador da música brasileira, do futebol, da sociedade. É a mesma situação do Pelé, mas o Pelé é mais gelatina. Roberto Carlos sempre foi gelatina, sempre fugiu dessas discussões. Simonal é o contrário do Roberto nesse sentido. Ele metia o dedo, era chato, provocante, irônico, debochado. Tanto é que o tom do escárnio que se tinha com Simonal depois da queda é muito parecido com o tom que Simonal tinha antes com as esquerdas louvadoras do samba. O maior problema é que inocentar o Simonal é continuar vendo o problema pela metade. É mais que isso, é tentar reintegrá-lo ao padrão da MPB sem problematizar a ditadura na MPB.
Fórum – Qual é sua leitura do papel de Chico Buarque, tido como um herói que nos defendeu da ditadura?
Gustavo – Não estou aqui pra dizer que essa imagem não tem validade. Ao contrário, está provado que é uma boa imagem. Mas ele não nasceu resistente, não é resistente desde o bercinho. Isso fica muito nublado na historiografia e na academia. Porque é o público dele, o público universitário. Mas a imagem do Chico “Apesar de Você” (1970) é jogada pra trás. É colocada lá desde 1966, tem livros que insistem em falar que em 1964 Chico juntou molotov em casa. Estou pouco interessado nessa grande questão, quero entender que imagem a sociedade tinha dele, assim como de Simonal. Ele podia resistir, mas inicialmente a sociedade não comprava essa imagem. Poderia juntar coquetel molotov, mas daí à sociedade percebê-lo como resistente depende de uma mediação. E tinha os tropicalistas falando que ele era avô musical. Roda Viva é constantemente supervalorizada na obra do Chico. A gente compactua com uma imagem que o próprio Chico quer construir dele, do literato, que daqui a pouco vai entrar na Academia Brasileira de Letras. Não se trata de afirmar o bom ou ruim romancista, como foi o debate com a Companhia das Letras, a Record, a Veja. O texto de Roda Viva é uma crítica à jovem guarda. A questão é que foi montada pelo Zé Celso Martinez Corrêa. Aliás, é engraçado que não existe o livro Roda Viva. Foi lançado lá em 1968 e depois nunca foi reeditado, e o próprio Chico considera uma peça menor, já falou em várias entrevistas que não gosta muito.
Fórum – Outra lebre que você levanta é da tradução do livro Yellow Submarine, dos Beatles, pelo Nelson Motta, que também nunca foi reeditada.
Gustavo – É aquela confusão entre pilantragem e Tropicália. Pepperland virou Pilantrália e o chefão lá da terra virou Superbacana (título de uma canção tropicalista de Caetano). Nelson Motta misturou os dois, nesse espírito do colorido, da ironia, da brincadeira. Toda vez que levantei essa questão da semelhança, na própria academia, tomei pau. Com exceção do Caetano, todas as pessoas que entrevistei, inclusive os pilantras, reagiram contra essa semelhança.
Fórum – É dessas convenções que todos repetem igual sem muito saber por quê.
Gustavo – A memória que se constrói hoje sobre Simonal quer recolocá-lo na MPB, e pra recolocá-lo não pode problematizar a MPB, o tropicalismo, a bossa nova. Tem que colocar ele de volta lá, então tem que falar ele era um bom bossanovista, um showman maior que Roberto. Nesse ponto, Caetano acaba ficando muito parecido com a memória daqueles que ele combateu na esquerda mais tradicional. Ele, e os tropicalistas em geral, se coloca como um vanguardista, um visionário – e é de fato. Mas isso explica também, em parte, o esquecimento do Simonal. Até recentemente, era a memória fundada no dedo-duro, ou então não se falava do Simonal. E o tropicalismo ajudou, não a dizer que era dedo-duro, mas a silenciar, porque afirmar Simonal seria colocar ele como concorrente. Ele era Roberto Carlos com Jorge Ben e com Chacrinha, os três juntos, os três mitos dos anos 1960 para o tropicalismo, reunidos na mesma pessoa. Por que o tropicalismo não incorporou? É a mesma questão que levanto pro Chico. Até a volta do exílio a memória que se tinha dele era do cara muito bom por fazer músicas tradicionais, “o novo Noel Rosa”. Esteticamente ele sempre foi visto como um grande cara, desde o começo, eu não negaria isso, mas politicamente ele não era visto como combativo. Chico era feito não só pelas esquerdas no início dos anos 1970. Volta e meia era incorporado pela direita, Jarbas Passarinho gostava dele. Chico agradava uma determinada direita folclorista.
Fórum – E o texto de Roda Viva, na sua opinião, não era de resistência?
Gustavo – O texto, tenho certeza absoluta que não é, não era contra a ditadura. Não há nada ali, só há uma denúncia da indústria cultural, do rock, da música importada. A gente acaba compactuando com a imagem que o Comando de Caça aos Comunistas deu pra Roda Viva. O que o CCC via? Via como uma peça subversiva. Aí dizemos: Roda Viva era uma peça subversiva, por isso foi reprimida, acuada, invadida pelo CCC. Essa imagem não se sustenta no texto. Tanto é que a montagem gerou problemas com o Chico Buarque. Zé Celso queria problematizar a chicolatria, chegou a propor um cartaz com os olhos de Chico boiando no cartaz como se fosse num açougue, ironizando a chicolatria. Quem tinha esse perfil debochado, irônico, era o Zé Celso, mas isso é creditado ao Chico, pra provar que ele estava resistindo lá em meia oito.
Fórum – O livro fala do exílio na Itália como divisor de água entre os dois Chicos.
Gustavo – Esse período na Itália é interessante pra repensar essa metamorfose do Chico, mas não chega aqui no Brasil. Eu só soube pelo Luca Bacchini, um italiano que fez essa tese lá. Chico Buarque foi vendido na Itália como um cantor de protesto. Era isso que os italianos queriam, ou a gravadora RCA achava que queriam – ele não fez nenhum sucesso lá. Achavam que assim iam fazer dos discos dele um sucesso, mas logo perceberam que só “A Banda” tocava lá.
Fórum – A RCA se baseou no que estava acontecendo no Brasil, que existia uma ditadura e uma resistência contra ela?
Gustavo – É, uma sala secreta de uma gravadora percebeu isso. Nesse caso a indústria cultural ajudou a forjar a imagem do Chico Buarque, o que é paradoxalíssimo. Ele acatou essa forma de ser vendido, mas parece que foi percebendo que era um desejo de um determinado grupo social no qual estava inserido. Depois dessa experiência italiana, ele meio toma a tocha do Geraldo Vandré. Não só ele, vários artistas perceberam que convinha cantar um som mais identificado às universidades, que sempre foi o público da MPB. É uma percepção que não veio desde o berço, se deu no cotidiano, nas disputas. Elis Regina fez isso. Chico percebeu logo, e depois disso virou esse mito. A imagem que ele quer pra si e a que a sociedade tem dele são muito coladas, muito simbióticas. Ficou tão forte que algumas problematizações que eram jogadas pra outros artistas não eram jogadas pro Chico. Ele nunca foi questionado, por exemplo, por gravar por uma grande multinacional. Era um compositor inicialmente de sambas, modernos, mas sambas. Como assim, se você está defendendo um ideário nacional, popular? Deveria ser um problema para pessoas que têm um ideal nacional-popular com cores revolucionárias.
Fórum – Não é curioso que Chico passou a se negar a politizar sua obra e hoje se recusa a dar entrevistas? Talvez já tenha se tocado disso tudo?
Gustavo – Tendo a achar que sim. Ele é atento a essas questões. Ao mesmo tempo, é refém dessa imagem de medalhão, que ele mesmo e os outros criaram pra ele. Como Simonal também era refém da imagem que se criou dele. Por isso acho interessante pensar os dois juntos.
Fórum – Chico é o anti-Simonal? Isso não é verbalizado, porque se não existia o Simonal não existia também o anti-Simonal. Mas existia.
Gustavo – Na memória coletiva ficou entronizado assim, o que foi extremamente lucrativo pra ele, e ainda é. Sou um cara que passou a ouvir Chico com 21 anos. Não gostava, sinceramente, achava música de velho. Minha geração tem a possibilidade de fugir do mito de Chico Buarque, o que não é de nenhuma forma desmerecê-lo, mas tentar compreender de que forma esse mito foi gestado. Isto me espanta: as pessoas, na universidade, têm mil teorias pra explicar a complexidade do mundo, mas citou Chico Buarque, acabou a complexidade, chapou tudo, Chico resistiu e acabou, ponto. Comecei a pensar essas coisas naquela onda insuportável de Los Hermanos, em 2003. Adoro Los Hermanos, mas os losermaníacos são muito chatos, não consigo conversar com eles. São chicólatras nesse sentido, nada é comparável, nada chega a esse degrau. Outra coisa que me levou a pensar essas questões foi aquele plebiscito das armas, em 2005. Fiquei muito impressionado com o tom agressivo da sociedade. Eu era contra as armas, fui acusado de ser pró-Globo, de querer que a população fosse passiva. O tom era agressivo, ostensivo, meio Veja, principalmente da galera a favor da continuação das armas.
Fórum – É mesma sociedade que quis uma ditadura algumas décadas antes? É o que você diz no livro: a sociedade quis, permitiu, apoiou, e hoje tem vergonha, e Simonal é um bom bode expiatório pra deixar tudo embaixo do tapete.
Gustavo – Sim, mas o mais interessante sobre o Simonal é a reabilitação, a inocentação. Daqui a pouco todo mundo vai estar inocente, ninguém apoiou. Já é meio assim.
Fórum – A ditadura existiu porque a maioria da sociedade queria?
Gustavo – Infelizmente. A própria noção de ditadura militar corrobora isso, como se a ditadura tivesse sido militar. Os presidentes foram militares, mas todo o staff deles era civil. O Congresso fechou algumas vezes, mas havia Congresso. Mais que isso, havia eleições. Com meus familiares esse é um ponto que sempre incomoda muito, quando pergunto: “Vem cá, você votava em quem?”. “Não, não votava.” “Como não votava? Você era servidor público, como não votava?” “Não, não tinha eleição, não.” “Não, calma aí, tinha.” Não conseguem responder. Simplesmente esqueceram que iam votar.
Eu estava pesquisando os festejos de 1972 sobre os 150 anos da Independência do Brasil. Foram muitas festas, o corpo de Dom Pedro I veio de Portugal transladado pra ficar no Museu do Ipiranga, visitou todas as capitais, e em todas as capitais teve uma multidão recebendo o corpo. Teve as Olimpíadas do Exército, um mundialito de futebol, os filmes, Independência ou Morte. Era o auge do Milagre Econômico, antes da crise de 1973. Pergunto pras pessoas que viveram: “Não, quem estava lá na rua era obrigado, era estudante que a escola tinha que ir”. Pelos jornais da época, não era bem assim. É triste reconhecer isso, mas me parece melhor do que ficar simplesmente com a noção de que a sociedade foi vítima, não tinha nada a ver. Quem não sabia que as pessoas eram torturadas? Isso não dá. Esse é o problema da imagem inflada do Pasquim e do Chico, parece que estavam falando aquilo que a sociedade falaria se não estivesse calada. Não, quando se incita a sociedade a falar, ela performa aquilo que o regime vai ser no futuro.
Fórum – Ou seja, a sociedade faz a ditadura, e não o inverso.
Gustavo – É, e é uma ditadura civil-militar. E essa imagem dos militares como salvadores da pátria não foi forjada ali, vem desde a Guerra do Paraguai, nos vários golpes preventivos que os militares deram no século XX, todos dentro desse imaginário do exército como representação da sociedade. Não tenho nenhum apego ao exército, mas a sociedade se vê representada nele. É o Bope. Então havia os resistentes, que eram pouquíssimos, e do outro lado as velhas senhoras que apoiavam o regime, o CCC, a Tradição, Família e Propriedade? Não é bem assim. O apoio ao regime era muito maior que esses espectros tradicionalmente conservadores.
Outra coisa que ajudou muito a pensar a ditadura, me entenda corretamente, foi o governo do Lula. Não o governo em si, que é totalmente diferente, mas me chamaram atenção os 80% de aprovação do Lula. É igual ao que o Medici tinha. A sociedade não era passiva, nem o Simonal era passivo ou ingênuo.
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