O escândalo das escutas telefônicas no Reino Unido, envolvendo o império midiático de Rupert Murdoch, renova o debate sobre a necessidade de regular o setor no Brasil. É o que avalia o professor aposentado de Ciência Política e Comunicação da UnB (Universidade de Brasília), Venício Artur de Lima, autor do livro Regulação das Comunicações — História, Poder e Direitos (Ed. Paulus, 2011).
Os repórteres do tabloide inglês News of the World, fechado após a revelação dos métodos jornalísticos de submundo, realizavam grampos contra celebridades e vítimas de crimes. Até o ex-premiê britânico Gordon Brown pode ter sido espionado pelo grupo de Murdoch, a News Corporation, numa espionagem que envolveria o acesso a sua caixa postal e sua conta bancária.
"Esse episódio revela a necessidade de um tipo de acompanhamento da atividade profissional de jornalismo, para que o jornalista e as empresas respondam a algo em termos da correção do exercício profissional", defende Venício Lima, em entrevista a Claudio Leal, do Terra Magazine.
"Grupos empresariais fortes, na área de mídia, acabam se sentindo em condições de fazer o que quiserem, se tornam tão poderosos que se sentem desobrigados de, muitas vezes, cumprir as normas éticas profissionais", completa o professor.
Venício Lima critica o atraso do Brasil no debate sobre a regulação da mídia e atribui o esvaziamento ao desinteresse dos grandes grupos de comunicação. "A nossa situação, em relação a isso, seria cômica se não fosse trágica. É uma vergonha", ataca.
Terra Magazine: Qual o debate que precisa ser feito após o escândalo dos grampos realizados pelo jornal News of the World, do grupo midiático de Rupert Murdoch, no Reino Unido?
Venício Lima: Esse episódio, na verdade, escancara um tipo de realidade que precisa ser fiscalizada de alguma forma. A existência dos códigos de ética não é uma garantia do comportamento ético em qualquer profissão. No caso, tudo indica que havia um comportamento de violação de direitos individuais. Não é uma atividade isolada de um ou outro jornalista que não cumpriu o código de ética. Era uma atividade empresarial, porque tinha o conhecimento dos proprietários do jornal.
Isso precisa ser apurado, porque se for isso, de fato, é um comportamento criminoso e coloca em questão a credibilidade do jornalismo praticado. Esse episódio revela a necessidade de um tipo de acompanhamento da atividade profissional de jornalismo, para que o jornalista e as empresas respondam a algo em termos da correção do exercício profissional. Como existe, aliás, em várias outras profissões: Direito, Engenharia...
Terra Magazine: Seria uma regulamentação da atividade empresarial jornalística? Qual é o termo exato?
Venício Lima: Na Inglaterra, existem órgãos de regulação da atividade do setor, de regulação do mercado, a Press Complaints Commission, uma comissão auto-regulatória. Ela é independente, mas é criada pelos próprios empresários. Recebe queixas, etc. Vi uma notícia da BBC de que o próprio primeiro-ministro inglês (David Cameron) teria dito que isso não é suficiente.
Esse episódio todo está mostrando que a existência dessas comissões auto-regulatórias não resolve. Não precisa do primeiro-ministro inglês falar isso, porque há estudos sérios, independentes, insuspeitos - por exemplo, nos Estados Unidos -, que mostram que a auto-regulação, muitas vezes, é necessária, eficiente, mas, no máximo, ela é complementar a uma regulação feita pelos mecanismos do Estado Democrático de Direito. É uma coisa democrática, um procedimento de debate, através do parlamento.
Terra Magazine: Murdoch pretendia comprar o restante das ações da BSkyB (British Sky Broadcasting), a maior provedora de TV paga do Reino Unido, e com esse escândalo houve um debate sobre a concentração midiática. No Parlamento, veio uma moção contra a compra. A concentração midiática favorece casos desse tipo, autoritários, de violação dos direitos individuais?
Venício Lima: Claro, por uma razão simples: os grupos que concentram, sobretudo através da propriedade cruzada... No caso brasileiro, não há qualquer regulamentação. Há em países como a Inglaterra e os Estados Unidos, mas houve uma certa flexibilização nos últimos anos e as cortes têm impedido que esse processo de flexibilização avance, como ocorreu recentemente nos Estados Unidos. Mas grupos empresariais fortes, na área de mídia, acabam se sentindo em condições de fazer o que quiserem, se tornam tão poderosos que se sentem desobrigados de, muitas vezes, cumprir as normas éticas profissionais.
Agora, tem um lado positivo para nós que estamos aqui de longe, num país onde a questão da regulação é absolutamente inadiável. Não dá mais para contemporizar, é preciso que ela aconteça (no Brasil). No país onde a própria ideia de liberdade expressão surgiu, a Inglaterra, no século 17, ocorre agora a renovação do debate da necessidade de regular. Isso, para nós, tem uma lição importantíssima. Você imagina o seguinte: se é necessário regular na Inglaterra, que tem a tradição que tem, e aqui?
Terra Magazine: Por que o Brasil não avança nesse debate?
Venício Lima: Rapaz, gostaria imensamente de te dar uma resposta, mas... Arrisco a dizer que não avança porque os grupos que têm interesse em que não haja qualquer tipo de regulamentação da área, porque estão muito bem do jeito que está, não permitem que isso avance. Basta ver o que acontece em relação às normas que estão na Constituição desde 1988 e que, mesmo pra estarem lá, passaram por um processo dificílimo de negociação. E não eram as normas que representavam as reivindicações dos grupos que, naquela época, lutaram pela democratização da área. É só o que foi possível.
E nem mesmo o Conselho de Comunicação Social, como órgão auxiliar do Congresso Nacional, sem qualquer poder deliberativo (o artigo 224), nem isso que foi regulamentado em 1991 consegue funcionar. Foi instalado pela primeira vez em 2002, funcionou precariamente por dois anos, depois precariamente até 2006... A nossa situação, em relação a isso, seria cômica se não fosse trágica. É uma vergonha.
Terra Magazine: No debate, não existe uma confusão entre a regulamentação da área e o controle de opinião?
Venício Lima: Vejo que essa confusão é feita por aqueles que querem impedir qualquer tipo de regulação. Porque, no caso brasileiro, sobretudo se fala em regulação do mercado. Aqui não há regulação do mercado. Nunca houve, não há qualquer controle sobre propriedade cruzada.
Quando você se refere, eventualmente, a alguma coisa de conteúdo... Por exemplo, percentuais para programação regional, cultural e artística, os projetos passam numa casa do Congresso e depois ficam parados em outra, como é o caso do projeto que regula esse inciso do artigo 221. No Brasil, estamos totalmente atrasados.
"Esse episódio revela a necessidade de um tipo de acompanhamento da atividade profissional de jornalismo, para que o jornalista e as empresas respondam a algo em termos da correção do exercício profissional", defende Venício Lima, em entrevista a Claudio Leal, do Terra Magazine.
"Grupos empresariais fortes, na área de mídia, acabam se sentindo em condições de fazer o que quiserem, se tornam tão poderosos que se sentem desobrigados de, muitas vezes, cumprir as normas éticas profissionais", completa o professor.
Venício Lima critica o atraso do Brasil no debate sobre a regulação da mídia e atribui o esvaziamento ao desinteresse dos grandes grupos de comunicação. "A nossa situação, em relação a isso, seria cômica se não fosse trágica. É uma vergonha", ataca.
Terra Magazine: Qual o debate que precisa ser feito após o escândalo dos grampos realizados pelo jornal News of the World, do grupo midiático de Rupert Murdoch, no Reino Unido?
Venício Lima: Esse episódio, na verdade, escancara um tipo de realidade que precisa ser fiscalizada de alguma forma. A existência dos códigos de ética não é uma garantia do comportamento ético em qualquer profissão. No caso, tudo indica que havia um comportamento de violação de direitos individuais. Não é uma atividade isolada de um ou outro jornalista que não cumpriu o código de ética. Era uma atividade empresarial, porque tinha o conhecimento dos proprietários do jornal.
Isso precisa ser apurado, porque se for isso, de fato, é um comportamento criminoso e coloca em questão a credibilidade do jornalismo praticado. Esse episódio revela a necessidade de um tipo de acompanhamento da atividade profissional de jornalismo, para que o jornalista e as empresas respondam a algo em termos da correção do exercício profissional. Como existe, aliás, em várias outras profissões: Direito, Engenharia...
Terra Magazine: Seria uma regulamentação da atividade empresarial jornalística? Qual é o termo exato?
Venício Lima: Na Inglaterra, existem órgãos de regulação da atividade do setor, de regulação do mercado, a Press Complaints Commission, uma comissão auto-regulatória. Ela é independente, mas é criada pelos próprios empresários. Recebe queixas, etc. Vi uma notícia da BBC de que o próprio primeiro-ministro inglês (David Cameron) teria dito que isso não é suficiente.
Esse episódio todo está mostrando que a existência dessas comissões auto-regulatórias não resolve. Não precisa do primeiro-ministro inglês falar isso, porque há estudos sérios, independentes, insuspeitos - por exemplo, nos Estados Unidos -, que mostram que a auto-regulação, muitas vezes, é necessária, eficiente, mas, no máximo, ela é complementar a uma regulação feita pelos mecanismos do Estado Democrático de Direito. É uma coisa democrática, um procedimento de debate, através do parlamento.
Terra Magazine: Murdoch pretendia comprar o restante das ações da BSkyB (British Sky Broadcasting), a maior provedora de TV paga do Reino Unido, e com esse escândalo houve um debate sobre a concentração midiática. No Parlamento, veio uma moção contra a compra. A concentração midiática favorece casos desse tipo, autoritários, de violação dos direitos individuais?
Venício Lima: Claro, por uma razão simples: os grupos que concentram, sobretudo através da propriedade cruzada... No caso brasileiro, não há qualquer regulamentação. Há em países como a Inglaterra e os Estados Unidos, mas houve uma certa flexibilização nos últimos anos e as cortes têm impedido que esse processo de flexibilização avance, como ocorreu recentemente nos Estados Unidos. Mas grupos empresariais fortes, na área de mídia, acabam se sentindo em condições de fazer o que quiserem, se tornam tão poderosos que se sentem desobrigados de, muitas vezes, cumprir as normas éticas profissionais.
Agora, tem um lado positivo para nós que estamos aqui de longe, num país onde a questão da regulação é absolutamente inadiável. Não dá mais para contemporizar, é preciso que ela aconteça (no Brasil). No país onde a própria ideia de liberdade expressão surgiu, a Inglaterra, no século 17, ocorre agora a renovação do debate da necessidade de regular. Isso, para nós, tem uma lição importantíssima. Você imagina o seguinte: se é necessário regular na Inglaterra, que tem a tradição que tem, e aqui?
Terra Magazine: Por que o Brasil não avança nesse debate?
Venício Lima: Rapaz, gostaria imensamente de te dar uma resposta, mas... Arrisco a dizer que não avança porque os grupos que têm interesse em que não haja qualquer tipo de regulamentação da área, porque estão muito bem do jeito que está, não permitem que isso avance. Basta ver o que acontece em relação às normas que estão na Constituição desde 1988 e que, mesmo pra estarem lá, passaram por um processo dificílimo de negociação. E não eram as normas que representavam as reivindicações dos grupos que, naquela época, lutaram pela democratização da área. É só o que foi possível.
E nem mesmo o Conselho de Comunicação Social, como órgão auxiliar do Congresso Nacional, sem qualquer poder deliberativo (o artigo 224), nem isso que foi regulamentado em 1991 consegue funcionar. Foi instalado pela primeira vez em 2002, funcionou precariamente por dois anos, depois precariamente até 2006... A nossa situação, em relação a isso, seria cômica se não fosse trágica. É uma vergonha.
Terra Magazine: No debate, não existe uma confusão entre a regulamentação da área e o controle de opinião?
Venício Lima: Vejo que essa confusão é feita por aqueles que querem impedir qualquer tipo de regulação. Porque, no caso brasileiro, sobretudo se fala em regulação do mercado. Aqui não há regulação do mercado. Nunca houve, não há qualquer controle sobre propriedade cruzada.
Quando você se refere, eventualmente, a alguma coisa de conteúdo... Por exemplo, percentuais para programação regional, cultural e artística, os projetos passam numa casa do Congresso e depois ficam parados em outra, como é o caso do projeto que regula esse inciso do artigo 221. No Brasil, estamos totalmente atrasados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário