Ricardo Carvalho [CartaCapital]
Ao meio-dia (hora local) desta quinta-feira 18, precisamente no horário previsto pelo protocolo, Joseph Ratzinger acenou da porta do avião que o levou ao aeroporto madrilenho de Barajas. Ainda na pista, ele foi recebido com honras de estado pelo monarca Juan Carlos I, o chefe do executivo José Luis Rodríguez Zapatero e por cerca de dois mil peregrinos da Jornada Mundial da Juventude (JMC), encontro periódico do pontífice com jovens católicos criado por seu antecessor, o polonês Karol Wojtyla.
No primeiro de seus nove discursos em quatro dias – maratona que promete testar a fé e a paciência dos mais fervorosos peregrinos – o Papa Bento XVI pediu respeito aos católicos: “Não são poucos os jovens que, por causa de sua fé em Cristo, sofrem discriminação. Querem afastá-los Dele, privando-os dos sinais de Sua presença na vida pública”. A fala do pontífice foi um sinal de que sua visita à Espanha será, de fato, o ápice de uma semana marcada por conflitos entre os peregrinos da JMC e manifestantes que denunciam pouca laicidade no tratamento dado a Bento XVI pelo estado espanhol.
Na noite da quarta-feira 17, um protesto organizado por diversas organizações laicas sob o lema de De mis impuestos, al Papa cero (Dos meus impostos, ao Papa zero) percorreu as ruas do centro da capital e encontrou-se na Praça do Sol – a mesma que albergou os protestos dos “indignados” – com diversos integrantes da JMC. Os dois grupos, isolados por um cordão de policiais, trocaram ofensas e houve confrontos entre os críticos à visita do Papa e as forças de segurança. No total, oito pessoas foram detidas e 11 ficaram feridas.
Numa primeira análise, a polêmica da visita do pontífice centra-se no quanto vai custar e quem vai pagar a conta do evento. As fileiras de jovens dos movimentos laicos veem com indignação o estado aportar recursos para receber um líder religioso quando o país amarga uma dura crise econômica, com níveis de desemprego superiores a 20%. A JMC repete exaustivamente que não sairá um centavo dos cofres públicos, uma vez que os mais de 450 mil peregrinos e 30 mil voluntários pagaram inscrições que geraram 31,5 milhões de euros. Ainda, algumas grandes empresas espanholas, como a Telefonica, o banco Santander e a transportadora aérea Iberia, deram 16,5 milhões de euros ao encontro, além de doações individuais que somaram 2,5 milhões de euros.
Na ponta do lápis, entretanto, a realidade é um pouco distinta. A organização Europa Laica diz que o governo gastará 20 milhões de euros com o Papa. Todos os peregrinos têm um desconto de 80% nas tarifas dos transportes públicos, as empresas doadoras obtiveram deduções de impostos e o metrô precisará de ao menos 100 funcionários a mais diariamente para suportar a demanda dos visitantes que chegam à cidade. Além do mais, o jornal El País noticiou que a prefeitura de Madrid instruiu seus centros de saúde públicos a não cobrar pelo atendimento médico aos peregrinos, mesmo quando se trate de pessoas de fora da União Europeia (nestes casos, costuma-se cobrar uma taxa que varia de 39 a 71 euros).
Mais do que a questão financeira, a visita do Papa gera discussões sobre a ingerência da igreja católica no estado espanhol. Nos mandatos de Zapatero, do Partido Socialista Obreiro Espanhol, a Santa Sé assistiu com desgosto a aprovação de leis que reconhecem o casamento homossexual e regulamentam o aborto.
Pouco antes da visita do Papa, dezenas de prelados, liderados pelo cardeal arcebispo de Madri, Antonio María Rouco, vieram a público criticar essas leis, o que irritou o poder executivo. O palácio de La Moncloa preferiria que Bento XVI ativesse seus discursos e atividades unicamente aos aspectos evangelizadores, mesmo porque não é segredo que as ideias defendidas pelo Vaticano são muito mais próximas dos conservadores do Partido Popular, opositores de Zapatero. Pelo tom da primeira manifestação do Papa, não causará surpresa se, para além de críticas de uma Espanha (e Europa) cada vez mais ateia e agnóstica, respigarem condenações diretas as leis pelos direitos dos homossexuais e do aborto.
As rusgas entre o Vaticano e o atual governo espanhol não são de hoje. Quando visitou a Espanha pela segunda vez como Papa, em novembro de 2010, Bento XVI disse no avião que a Espanha vivia um ambiente “anticlerical agressivo”, chegando a comparar a situação com o vivido durante a II República (1931-1936). Faltou a Ratzinger lembrar que a atitude da igreja católica na época, que classificou de “cruzada” a guerra promovida por Franco contra os republicanos, ajudou a criar a ditadura vista como a maior chaga da história recente espanhola.
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