Eliakim Araújo
Final da década de setenta. O professor de jornalismo de uma conhecida faculdade carioca ensina que o bom jornalista deve usar de toda criatividade para obter uma informação privilegiada sobre algo ou alguém que esteja sob seu foco investigativo.
Até ai, tudo bem. Afinal, criatividade é qualidade que tem espaço em qualquer atividade profissional. No caso específico do jornalismo, é de indagar-se até onde a "criatividade" do repórter não ultrapassa os limites do direito à privacidade de uma pessoa, seja ela quem for.
No caso do professor carioca, ele deu como exemplo de criatividade uma antiga reportagem da revista Veja, na qual o repórter colheu informações do investigado, a partir do que encontrou em seu saco de lixo.
Maravilhados com a “esperteza” do repórter – que “molhou a mão” do funcionário do condomínio para apoderar-se do mencionado lixo -, os jovens universitários aprenderam naquela aula que vale tudo para se obter uma informação sobre a pessoa que está sendo investigada. Afinal, em um saco de lixo era possível descobrir-se os hábitos de alguém, desde a preferência por comidas e bebidas, até, eventualmente, extratos bancários e de lojas comerciais que expõem a situação financeira do cidadão, o que ele compra, onde compra e quanto gasta. Sem falar de eventuais revelações sobre as preferências politico-ideológicas e sentimentais da pessoa.
Claro, isso foi na década de 70. Nos dias de hoje, depois do advento da internet, com os papéis substituídos por informações digitalizadas que ficam guardadas na memória da máquina, o lixo já não tem a mesma importância estratégica de antigamente.
Agosto de 2011. Quase quarenta anos depois da aula do professor universitário, Veja segue a mesma política de incentivar a “criatividade” de seus repórteres.
Um deles, investigando as atividades de José Dirceu para a reportagem desta semana, registrou-se em uma suíte do Hotel Nahoun, exatamente ao lado daquela em que se hospeda regularmente o ex-ministro da Casa Civil do governo Lula, para fiscalizar seus passos e descobrir quem são os politicos que o visitam quando ele está em Brasília.
Acontece que o repórter extrapolou em sua “criatividade”. Tentou enganar a camareira, pedindo que ela abrisse a porta da suíte de Dirceu, alegando que nela estava hospedado e tinha perdido a chave. Se deu mal. A camareira desconfiou e informou à direção do hotel sobre uma possível tentativa de invasão.
Vendo que a situação podia se complicar para ele, o repórter fugiu sem fazer fazer o check out e sem pagar a diária. O hotel lavrou a ocorrência em um boletim no 5° DP de Brasília.
É possível que alguns leitores da coluna concordem com os métodos empregados pela revista e fiquem tão maravilhados como ficaram os alunos daquela aula sobre jornalismo investigativo, sobretudo por tratar-se de quem é a pessoa investigada.
Sabendo-se do passado de Veja, entretanto, e das causas que abraça, não chega a surpreender esse tipo de jornalismo praticado pela revista. São muitos os entrevistados de Veja que se queixam de que suas declarações foram deturpadas, pelo mesmo método usado na televisão: a edição. Nesse caso, do texto. É só pinçar uma frase e juntá-la a outra, dita em contexto diferente, e você terá uma informação deformada, mentirosa. Por isso, quando se trata de Veja, os entrevistados mais experientes exigem que tudo que foi dito seja gravado.
Sei da história de uma poetisa, entrevistada por Veja dias antes do lançamento de seu livro. Além de mutilada a entrevista, para fazer a crítica do livro, a revista selecionou versos isolados de poemas que soam desimportantes e até ingênuos quando não lidos no contexto da poesia.
Veja não mudou desde aquela aula naquela longínqua década de setenta, mas mudaram os leitores. Quase quarenta anos depois, o número de pessoas que se deixam enganar por Veja é muito menor. Afinal, o povo não é bobo...
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