sábado, 27 de agosto de 2011

Os mil e um nomes de Kadafi [E a mordaz "análise" do Estadão]

Por DiAfonso

Lendo a matéria sobre as possibilidades de escrita do nome do "ditador" Kadafi [Para os poderosos de Washington, todo governante que não atende mais aos interesses imperialistas estadunidenses passa a ser um entrave aos interesses imperialistas estadunidenses - ah o jogo de ideias!], considerei-a interessante do ponto de vista do conhecimento e de um certo didatismo de que o texto, inicialmente, se revestia. Eis que, no último parágrafo, o Estadão põe suas unhas fora.

Não contesto o argumento de autoridade do professor Mamede Jarouche [quem sou eu para discorrer sobre a língua árabe... Mal sei as prêmêra letras de minha língua], contudo há de se notar a forma pouco substancial como foi exposto o signficado do nome "Kadafi" no penúltimo parágrafo. 

O que significa "aquele que dispara" ou "disparador" na tradução para o português? E se "disparador" fizer referência "àquele que dispara" contra os inimigos do povo? 

Dizer, no último parágrafo, que Kadafi ordenou ataques contra a população civil [foi o que divulgou a mídia pró-OTAN] parece mais um mote do redator para arrematar que o nome do "sujeito" "poderia ser traduzido simplesmente [!] como 'facínora'".
Com essa "tradução livre", o autor joga a funcionalidade do texto [tratar sobe a escrita do nome Kadafi] na lata do lixo. 

São coisas da mídia tupiniquim, especificamente falando. Fazendo coro com a mídia internacional - aliada aos interesses estadunidenses e aos seus próprios -, os meios de comunicação corporativos daqui não mais chamam "o ex-líder egipício Osni Mubarak...", "o coronel Kadafi" [seja lá como se possa escrever tal nome], mas o ditador fulano ou o ditador beltrano.

De resto, o texto serviu para elucidar algumas questões ortográficas.

Leia a matéria na íntegra:

A gente chama de Kadafi. A concorrência, de Gaddafi. O The New York Times  usa Qaddafi. Tem agência de notícia que usa Gadhafi. Na imprensa brasileira, também se lê Kadhafi. A rede de TV ABC, dos EUA, listou 112 maneiras diferentes  de chamar o famigerado ditador líbio. Mas, afinal, qual é a maneira certa de escrever o nome do sujeito?

Depende. A confusão toda começa com o desafio de transpor os fonemas de um alfabeto para outro. Problemas parecidos acontecem com o japonês, o chinês e outras línguas que usam notações diferentes do nosso bom e velho ‘de A a Z’. É o caso do árabe de Kadafi. Ou Gaddafi.  Enfim.

De acordo com o professor de língua árabe Mamede Jarouche, do departamento de Línguas Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), a confusão vem dos fonemas desse idioma que não existem em português. Quando a transliteração do alfabeto árabe para o latino é feita, adaptações são necessárias.

Vamos lá. Primeira sílaba. O fonema da primeira letra do nome de Kadafi é uma consoante uvular. Algo como um ‘Q’ seguido de um som aspirado no fundo da garganta , muito difícil de ser pronunciado para quem fala português. “É algo entre o nosso ‘K’ e o ‘Q’. Mas na nossa o ‘Q’ sem ser seguido de ‘U’ fica estranho. Por isso alguns usam o ‘K’”, diz Jarouche.

Muito bem. Próxima sílaba. O ‘D’ do nome de Kadafi, em árabe, tem um som próximo ao ‘th’ do inglês (como em ‘the’- aquele som que todo mundo penou para aprender na aula de inglês). Segundo a professora Sana Abou Jubran, também da FFLCH/USP, esse som geralmente é transliterado para o alfabeto latino como um ‘D’ dobrado, apesar deste dígrafo não existir em português.

Última sílaba. ‘Fi’. Essa não tem diferença. Mas e quem escreve com dois efes (Kadhaffi)?  “Quem escreve assim não sabe nada. Tá errado”, brinca o professor Jarouche.

De acordo com a professora Sana, mesmo o primeiro nome do ditador – Muamar – tem peculiaridades fonéticas. “Entre o ‘Mu’ e o ‘A’ existe um som que não existe no alfabeto latino. Às vezes é representado por um apóstrofe. A segunda parte do nome, seria representada com duas letras ‘M’ . Assim temos:  ”Mu’ammar Qaddafi’.

É esse o certo? Ainda não. No dialeto árabe usado na Líbia, a tal da consoante uvular tem som de ‘G’. Daí muitos veículos usarem Gaddafi. No árabe padrão – mais clássico, utilizado na ciência e na literatura – o tal fonema do ‘Q aspirado’ é o correto. Além do nome e do prenome, Kadafi, como a maioria dos árabes, tem um artigo entre os dois, apesar dele ter sido limado na maior parte das grafias adotadas no Ocidente. "Seria al-Qaddafi na versão padrão, ou el-Gaddafi, no dialeto", explica a Sana.

Mas, afinal de contas, o que quer dizer o nome do ditador em árabe? O professor Jarouche explica: "No árabe, todo substantivo deriva de um verbo. Kadafi quer dizer aquele que dispara, ou o disparador. E tem um significado mais chulo também…".

Em um momento como este, no qual o ditador ordenou ataques aéreos contra a população civil para aferrar-se ao poder, não deixa de ser cruelmente irônico.  Mu’ammar al-Qaddafi, Mu’ammar el-Gaddafi ou Muamar Kadafi, como nos recomenda o manual de redação do Estado, poderia ser traduzido simplesmente como ‘facínora’.

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