sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Wálter Maierovitch: o fuzilamento da juíza e o abismo entre juízes da linha de frente e cúpulas dos tribunais

Fuzilamento da juíza. Ousadia fomentada pela impunidade. Abismo entre juízes da linha de frente e cúpulas dos tribunais


O fuzilamento da juíza Patrícia Acioli mostra a ousadia fomentada pela impunidade instalada no Brasil e o abismo entre juízes da “linha de frente” e a cúpula judiciária

A juíza Patrícia, de 47 anos e titular de vara Criminal em São Gonçalo, foi fuzilada ontem, por volta das 23h30, na entrada da garagem da sua casa localizada em Niterói. A execução restou presenciada pelos seus filhos.

A ação criminosa assemelhou-se àquela ocorrida em 2003, quando o Primeiro Comando da Capital (PCC) fuzilou, também em ação surpreendente,  o juiz Machado Dias. Machado Dias era responsável pela Vara de Execuções Criminais e Corregedoria do presídio de Presidente Venceslau (São Paulo), onde estavam custodiados os principais líderes do PCC.

Por evidente, a covarde ação criminosa que vitimou a juíza Patrícia decorreu de represália. Patrícia colocava o dever funcional em primeiro lugar.

Pelo que informam os juízes estaduais colegas de Patrícia, ela era  uma juíza corajosa (não se intimidava),  com mais 20 anos de carreira.

Patrícia não tinha medo de exercer a sua autoridade e os riscos eram encarados por ela como parte integrante de quem tem deveres e poderes.

Ela nunca deixou, no momento certo, de impor prisões ou sentenciar réus.

Em muitos casos, a juíza Patrícia  prendeu e condenou policiais militares que forjavam autos de resistência (casos, na verdade, de execuções sumárias e sem resistência do eliminado), participavam de grupos de extermínio de pessoas e consumavam extorsões.

Pelo que se sabe, a polícia judiciária (polícia civil do estado do Rio de Janeiro) direciona as investigações em fatos judiciários a envolver policiais militares.

Como ensinou o juiz italiano Giovanni Falcone, dinamitado em 1992 pela Cosa Nostra siciliana, além da represália, as organizações criminosas, com ações espetaculares, procuram transmitir mensagens e difundir o medo. E silenciar testemunhos é uma das metas: “lei do silêncio”, também conhecida por omertà.

O consagrado escritor e saudoso jornalista siciliano Leonardo Sciascia cunhou, diante dos assassinatos mafiosos, a expressão cadaveri eccellenti. Ele alertava que a Máfia siciliana (Cosa Nostra), para difundir o medo, precisava de vítimas anônimas e de “cadáveres de excelência” (cadaveri eccelenti), como pessoas famosas ou com cargos relevantes na proteção social.

O magistral cineasta sicialiano Francesco Rosi (somente um “s”), com base em Sciascia, elaborou e dirigiu, em 1976, o imperdível filme  Cadaveri Eccellenti. Dispensável frisar que nunca foi exibido no Brasil.

No caso, Patrícia Acioli era um cadavere eccelente dada a sua fama de incorruptível e de não se intimidar diante dos potentes.

Convém observar que os juízes que atuam em primeiro grau de jurisdição, na chamada linha de frente, é que tomam a iniciativa de solicitar aos órgãos judiciários administrativos (como regra, aos desembargadores encastelados nos prédios dos tribunais e, quase sempre, sem conhecimento das dificuldades e dos riscos corridos pelos seus colegas da “linha de frente”) escolta.

O presidente do Tribunal de Justiça, em pronunciamento, acaba de informar que a juíza Patrícia não havia solicitado escolta. Para um seu familiar, ela já teve escolta, que foi retirada.

PANO RÁPIDO. Recente lei que modificou o código de processo penal impede o juiz de decretar a prisão preventiva de membros de organizações criminosas (quadrilhas e bandos: a incluir os de extermínio) quando primários. Isso também serve para explicar a ousadia das associações delinquênciais de poderosos (caso da corrupção em ministérios, por exemplo) e de potentes (colarinhos brancos, empreiteiras, pré-mafias etc).

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