por Alexandre Freitas*
Uns dizem que é a Capela Sistina. Outros, a Nona de Beethoven. Alguns, a Monalisa (mais pela fama que pelo apreço). Os nacionalistas ousariam: Grande Sertão Veredas. Mas nenhuma declaração seria mais perturbadora que a do compositor alemão Karlheinz Stockhausen (1928-2007). A maior obra de arte já realizada foi a que aconteceu no dia 11 de setembro de 2001, em Nova York, afirmou o músico poucos dias após os ataques.
Concertos foram cancelados e até mesmo um festival em sua homenagem foi anulado na Alemanha. Óbvias consequências. Algo previsível no mundo em que a destreza da condenação se apoia confortavelmente na preguiça de pensar. O desmentido é mudo face ao mentido.
Tal afirmação, evidentemente, foi retirada de seu contexto original e ganhou tons perversos que os mais alienados devem ter, inclusive, relacionado com a nacionalidade do compositor. Alemão igual nazista, italiano igual mafioso, e por aí vai. Na verdade, a declaração foi feita em uma conferência sobre sua obra Licht, conjunto de sete óperas que tem como principais personagens Michel, Eva e Lúcifer. O 11 de setembro foi associado, naquele situação, com a obra de Lúcifer, obra de destruição e crueldade. Stockhausen tentou se explicar, mas já era tarde.
Mesmo quando nos distanciamos do contexto da afirmação do músico e dos julgamentos morais que ela pode suscitar, outras reflexões interessantes afluem, como observou o historiador da arte T.J. Clark em seu livro Modernismos (CosacNaify, 2007). Ele apresentou o 11 de setembro inserido na era da imagem, quando o Estado americano foi derrotado espetacularmente. E espetacularmente, ressalta Clark, não quer dizer superficialmente, para o Estado.
O espetáculo é o exercício do poder social e a vanguarda islâmica, com seu sinistro ideal, apunhala o mundo das aparências no coração e implora por algum tipo de reconfiguração, que eles mesmos não sabem qual é. Ninguém nunca foi mais longe que os terroristas de setembro na demonstração de que “uma imagem vale mais que mil palavras”. Eles seguiram a lógica do espetáculo até seu mais funesto fim.
O que é interessante, e assustador, é que de um lado existe uma ideologia monotemática guiada pela brutalidade de uma acumulação primitiva e de uma adoração absoluta pelos desejos individuais e infinitos e, por outro lado, uma negação plena de tudo, um abraço no finito e no íntimo. O espetáculo do terror surge como uma reação à pureza sufocante da condição moderna.
“A violência concretizará meus sentimentos como uma melodia, e o Terror qual uma geada estancará a torrente do pensamento”.[W.H.Auden, citado por Clark]
*Alexandre Freitas é pianista e musicólogo graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre pela Universidade de Toulouse. Alexandre Freitas faz doutorado em Música na Universidade de São Paulo e na Sorbonne, em regime de dupla titulação. Sua tese gira em torno das convergências entre estéticas musicais e visuais. A coluna Visões Musicais é um espaço de reflexões livres sobre músicas, músicos e arte, de maneira geral.
Nenhum comentário:
Postar um comentário