domingo, 4 de setembro de 2011

Gritos da violência no esporte


Por Rodolpho Motta Lima

Volto ao assunto Educação para, uma vez mais, discorrer sobre certas posturas e responsabilidades  sociais que, transcendendo o  nosso ambiente escolar propriamente dito, nem por isso deixam de interferir em profundidade no processo educativo do povo brasileiro. Faço-o, sem esquecer as reivindicações que atualmente se avolumam no tocante à maior valorização do professor e, pelo contrário, para deixar evidenciados fatores que tornam a função dos mestres bem mais espinhosa do que possam supor os mais desavisados.

No último fim de semana, dois acontecimentos, no mundo esportivo do Rio de Janeiro, servem para ilustrar meu comentário.  O primeiro deles  foi a realização, na Arena da Barra da Tijuca, de uma edição da UFC (Ultimate Fighting Championship), sigla de uma  organização americana de MMA (Mixed Martial Arts), que, hoje, tem como seus maiores astros lutadores brasileiros, entre eles o supercampeão Anderson Silva.    O pessoal da Sport TV, que transmitiu  as lutas, não se cansou de afirmar, com pompa e circunstância,  que se vivia então um momento histórico para a cidade, porque, a partir daí, com o êxito do evento, o Rio de Janeiro estaria definitivamente incorporado ao calendário da UFC.

Se pensarmos do ponto de vista mercadológico, é evidente que as lutas foram “um sucesso”. Em torno do ringue octogonal, 15.000 pessoas, predominantemente jovens e de bom poder aquisitivo, vibravam a cada golpe desferido pelos lutadores nacionais e entoavam coros e cânticos guerreiros no melhor estilo “Tropa de Elite”. A Arena da Barra tremia a cada soco ou pontapé. E teve muito o que tremer...

Que me perdoem os  adeptos dessa prática esportiva, mas penso que, como cidadãos, temos o dever  de refletir sobre sua efetiva contribuição  para a formação dos nossos jovens. Não pode passar sem um questionamento a ligação direta estabelecida entre os rostos ensanguentados dos lutadores vencidos e os gritos da juventude, clamando por uma dose maior de violência, em exclamações do tipo “Uh! Vai morrer!”. 

Alguém dirá que espetáculos assim apenas dão continuidade à saga do homem, à sua história de convívio ancestral com a violência. Alguém dirá que já era assim há muitos séculos, quando o povo ululante assistia, entusiástico e participante,  por exemplo, ao derramar de sangue no Coliseu romano. Para mim, contudo, exemplos negativos não podem justificar ações negativas. E, se eu tivesse que estabelecer qualquer paralelo com esses momentos do passado, diria, para ficar nessa comparação que sei exagerada, que os gladiadores lutavam e matavam com a tênue perspectiva de adiar a morte, eram compelidos à violência pelo poder estabelecido. No exercício da violência nos esportes de hoje – sendo a UFC, possivelmente, o seu marco maior – não se trata de questões de sobrevivência, mas de razões que têm a ver com fama e dinheiro. Para muitos, trata-se de um negócio rentável, como qualquer outro.

O presidente da UFC, o americano Dana White, impressionado com as potencialidades do “mercado” brasileiro, já andou falando  de seus desejos de intensificar a presença da UFC entre nós. Chegou a declarar que gostaria de fazer, no Brasil, um evento todo fim de semana.

Também mencionou, de passagem,  a possibilidade de promover suas lutas em comunidades como a Rocinha, por exemplo, dentro do que chamou de “projetos sociais” de seu empreendimento.  

O Rio de Janeiro tenta livrar-se do estigma de uma das cidades mais violentas do mundo. São notórias  - e, para muitos, vistas até com grande incredulidade e desconfiança -  as ações que se vêm  desenvolvendo  no sentido de refrear a violência no ambiente carioca, com  o combate aos bolsões do crime e com a criação de unidades de pacificação. Não sei se a disseminação do grito “Vai morrer!” ajudará  nesse processo...

O Sr. Dana White, quando questionado sobre a violência que a  luta – que incorpora elementos do box, caratê, jiu-jitsu e tudo mais -  poderia estimular,   argumenta que seus lutadores são, fora do ringue, pessoas educadas e do bem.  Admitindo isso, acho mais lamentável ainda  que os traços  de violência presentes nas lutas sejam produzidos por seres não violentos, até simpáticos, capazes de servir de exemplo, como pude, aliás,  constatar em conversas que sobre isso provoquei  com meus alunos, durante toda a semana.

Um aspecto para o qual devemos atentar é o fato de  já se notar  a intenção de aproximar esse âmbito “esportivo” ao do futebol. Notamos isso nas linhas e entrelinhas do evento, que contou, entre outros, com a entusiástica presença do "fenômeno" Ronaldinho, hoje empresário, e com as camisas de clubes de prestígio envergadas pelos lutadores.

E,  aqui,  chego  ao segundo evento que quero destacar, no Rio,  na semana passada. Jogavam Vasco e Flamengo no Engenhão, no dia seguinte ao das lutas na Barra,  quando o técnico Ricardo Gomes – uma pessoa querida nos meios futebolísticos pelo seu caráter e sua postura geral -, foi acometido de um novo AVC  -  já tivera um quando treinador do  São Paulo – e teve de ser retirado do estádio por uma ambulância. Quando estava sendo colocado no veículo, uma parte da torcida adversária (parte mínima, reconheça-se) gritava, ensandecida, as mesmas palavras ouvidas na noite anterior: “Uh! Vai morrer!”. Felizmente, porém,  as inúmeras  manifestações  que depois ocorreram, de todos os cantos esportivos do país,  de apoio  ao técnico vascaíno,  não deixam dúvidas sobre o quanto ainda somos capazes, majoritariamente, de exercer a solidariedade no esporte.

De qualquer forma, se queremos pensar com seriedade na construção da educação em nosso país, não custa estarmos  atentos a alguns sinais. A violência nunca é gratuita, como alguns a gostam de qualificar em certos casos. Ela tem suas razões. No caso dos jovens, elas, hoje, podem estar também na família, nas bases familiares, ou na ausência delas. Tornados “invisíveis” pelo desapego , pela desatenção dos pais e da família em geral,  muitos jovens podem vir a buscar a visibilidade de que se ressentem  nas ações violentas, confundidas com ações heróicas. A escola  – cujos pilares são os professores -  deve propiciar-lhes a compreensão de que há outros caminhos para se verem reconhecidos. Mas a família não pode omitir-se.

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