Há 24 anos, o jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto rompia com o tipo de reportagem tradicional e fundava o Jornal Pessoal, em Belém (PA). Junto com seu irmão Luiz Pinto, mais de duas décadas depois, o jornalista continua com sua plataforma e é enfático: "continuamos a recusar publicidade".
Desde 1966 na profissão, Lúcio é o tipo de jornalista que prefere colocar o dedo na ferida, independente do preço a pagar. Apesar de não manter o mesmo ritmo de antes, o repórter publica em seu jornal tudo aquilo que não é dado por grandes veículos e que macula os bastidores da região: sangue, violência, corrupção e muitas injustiças com o povo ribeirinho.
Ele não culpa a grande imprensa por omitir temas envolvendo a região, mas critica a dificuldade dos veículos em entender o contexto dos conflitos locais. Ele também comenta que ameaças e represálias pelas denúncias que faz são constantes, questionado se vale a pena continuar é enfático: "Eu já queria ter terminado; é muito desgastante, mas continuo". E critica: "os jornalistas de hoje não querem problemas".
Ele não é otimista quanto às novas gerações. Como professor universitário tentou até encontrar novos jornalistas com vocação para a reportagem, mas lamenta não ter encontrado ninguém. E não nega voltar à imprensa, mas desde que seja como freelancer:, "nada de ficar preso em uma redação", diz.
Em entrevista ao Portal IMPRENSA, Lúcio fala sobre a hostilidade em sua região, a falta de coragem da imprensa em cobrir temas difíceis, a dificuldade de tocar um jornal sem recursos e de encontrar novos jornalistas dispostos a ir ao campo.
Portal IMPRENSA - Parafraseando o título de seu livro: o jornalismo no Pará continua na linha de tiro?
Lúcio Flavio Pinto - Apesar da violência, infelizmente existe outra ameaça por aqui. Os jornalistas estão tímidos e presos nas redações com tantas coisas acontecendo por perto. Muita gente no telefone, na internet e quase ninguém em campo. A violência diminuiu não pela redução de casos, mas porque não tem jornalista para mostrar o que está acontecendo. Temos aqui discussões e temas tão relevantes: empobrecimento terrível, conflitos na instalação de hidrelétricas, a expansão da fronteira. Enfim, temas que estão ficando de fora do olhar jornalístico.
IMPRENSA - Ao que se deve esse aprisionamento nas redações?
Lúcio - O primeiro componente é o custo. Mas o jornalista só aprende o ofício quando sai de sua base. Muitas vezes, grandes jornais e até veículos estrangeiros mandam jornalistas até aqui, mas existe um problema porque os profissionais que chegam não conhecem o histórico da região, o contexto e as sucessões históricas. Isso empobrece a cobertura.
IMPRENSA - Culpa das empresas ou dos próprios profissionais?
Lúcio - Não só os jornalistas se acomodaram como existe uma nova geração que não vê outras ferramentas de apuração que não seja a internet. A imprensa se acovardou, os jornalistas parecem que não querem mais ter problemas. Querem, na verdade, fama e virar celebridades. Mas poucos topam se arriscar. Acredito que isso é uma distorção da sociedade. Há muito tempo não vemos a figura do repórter furão que descobre coisas novas, muitas vezes esse repórter vive na base do dossiê e nem saem do gabinete.
IMPRENSA - Qual o maior problema que você vê hoje?
Lúcio - Acho muito grave o jornalista que não vê os fatos antes de publicar. Jornalista que não viu o acontecimento não é jornalista. O que distingue o jornalista de todas as outras ciências humanas é o testemunho visual, o contato direto com os personagens. Isso que dá ao jornalismo um caráter especial. Não existe um bom jornalista que seja novo. Jornalista com cinco anos de carreira não é um bom jornalista. Mas, necessariamente, o bom jornalista tem que ter muito tempo de experiência, não de gabinete, mas diante dos fatos. Essa dimensão é imprescindível em uma sociedade democrática. O bom repórter é aquele que saber tirar informação de uma família enlutada e sem transformar o assunto.
IMPRENSA - Como você financia seu jornal?
Lúcio - Durante parte da minha vida, pude circular em todos os lugares que eu quis. Sempre a empresa jornalística custeou minhas atividades, quando optei pela imprensa alternativa deixei de ter dinheiro para financiar minhas coberturas. Hoje, a imprensa alternativa é cara, eu optei por não ter publicidade, isso me limita um pouco. Passei nove anos na universidade tentando encontrar jornalistas para atuar em linha de frente fazendo o que eu fazia. Mas desisti e larguei a universidade, encontrei jornalistas que escreviam bem, intelectualizados, mas não encontrei que não tivesse o tino e o entusiasmo de ir atrás da notícia, eu acredito que ser repórter está relacionado a um elemento vocacional.
IMPRENSA - Isso acontece muito no jornalismo investigativo? O gênero virou muito modismo?
Lúcio - Eu condeno a camuflagem no jornalismo investigativo. Jamais faria isso. Eu chego ao lugar e digo: 'sou jornalista'. Durante um tempo, fiz uma série de matérias sobre narcotráfico e conversava com os traficantes. Tenho um código de honra. São duas coisas que podem salvar o jornalista: ele cumprir seu código de honra. Isso me salvou várias vezes, principalmente quando recebi ameaças de morte, pessoas que foram pagas para me matar me avisaram porque conheciam minha forma de trabalhar.
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