quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A marcha dos hipócritas


O truque é manjado, mais velho que Ali Babá e os 40 ladrões: à falta de um projeto para o país, os setores conservadores, aliados à mídia corporativa, agarram-se a um denuncismo histérico, posando de paladinos da ordem e da moral e fazendo de tudo para pespegar, no mandato federal petista, a pecha de corrupto-mor.

Embora marota, trata-se de uma estratégia que tem potencial para calar fundo em parcelas do eleitorado, tanto naqueles cidadãos pouco informados dos meandros da política, mas ciosos de sua própria moral pessoal, quanto nos que adotam uma moral dupla, intransigente com a conduta dos homens públicos, mas valendo-se rotineiramente de pequenos subornos e propinas no dia-a-dia.

Oportunismo

Qual o melhor momento para acirrar tais ânimos e consumar mais um lance no xadrez golpista do que o 7 de setembro, essa data historicamente vazia – em que se comemora mais um dentre tantos “acordos por cima” firmados por nossas elites, à revelia do povo -, mas impregnada de nacionalismo, sempre o melhor combustível para a manipulação dos sentimentos alheios para fins escusos, da qual não faltam exemplos históricos, do horror nazista aos milhares de jovens estadunidenses mortos anualmente nas guerras imperiais?

A “Marcha contra a corrupção”, convocada para hoje pela Juventude do PSDB, se insere precisamente no quadro acima delineado. O fato de contar com a difusão dos principais meios impressos do país e com o apoio da plutocracia conservadora – Firjan à frente – evidencia o conluio de interesses entre a direita e a mídia.

Mitos perpetuados

Além dessa marca de origem, a marcha distingue-se por duas características principais, as quais serão examinadas a seguir, que evidenciam se tratar de um engodo e de mais uma manipulação barata, com pendor eleitoreiro.

A primeira é a suposição de que a corrupção aumentou com a aliança petista atualmente no poder federal, quando ela ocorre, atualmente e há décadas, nos âmbitos municipais, estaduais e federal, em todos os partidos e - muito importante, mas comumente negligenciado - açulada pela corrupção ativa dos entes privados, os quais, graças à hegemonia de um ideário liberal torto, têm sido poupados pela mídia e pelas campanhas de moralização que, como essa tal marcha, ocorrem de quando em quando.

A corrupção é um problema estrutural do país e que deriva do próprio processo, acima referido, de sua independência de Portugal, da abolição tardia da escravidão e, sobretudo, de décadas marcadas pelo poder de uma elite predatória no poder, na maior parte do tempo sob o jugo do autoritarismo – combinação ideal para o assalto aos cofres públicos e as negociatas, longe das lentes da imprensa, manietada, e do interesse dos órgãos de investigação, cerceados.

O que acontece hoje no Brasil, em âmbito federal, é o oposto disso, com a Polícia Federal e o Ministério Público investigando a fundo, com inédita liberdade de atuação e quadros ampliados, a série de denúncias de corrupção. Vem daí muito da sensação de corrupção generalizada – impressão açulada pela cobertura tendenciosa e muitas vezes irresponsável que a imprensa tem dedicado a tais investigações, visando amplificar a sensação de corrupção, mas sem a preocupação de identificar, por um lado, as cores partidárias dos acusados, e, por outro, deixando de reconhecer o rigor investigativo dos órgãos federais.

Omissão no poder

Não se viu um átimo de tal furor investigativo quando o PSDB estava no poder – embora denúncias não faltassem, a começar da alegada compra de votos de deputados para garantir a possibilidade de reeleição a FHC. Além do enxugamento da máquina estatal ter minado os próprios quadros investigativos federais, o desinteresse dos ora moralistas de investigar a corrupção era tamanho que o chefe da Procuradoria foi apelidado de Engavetador-Geral da República.

Sem deixar de ter laivos de comicidade, a segunda característica da enganação que é o evento para hoje convocado vem exatamente de tal contradição: do fato de ter sido armado pelo PSDB, partido que, com Fernando Henrique na Presidência, se manteve oito anos a cargo de um irresponsável processo de privatização do Estado e dos bens públicos brasileiros cujo resultado não foi a redenção econômica prometida, mas a quase-bancarrota, só evitada pelas três visitas, pires à mão, ao FMI.

Esqueletos no armário

Pior: tratou-se de um processo feito, nas palavras autorizadas de um de seus protagonistas, “no limite da irresponsabilidade”, cujas sujas entranhas estão prestes à vivissecção, através do livro do premiado jornalista Amaury Ribeiro Jr., Privatas do Caribe, que promete trazer não só a farra com dinheiro público do tucanato ora moralista, mas a denúncia de um esquema de espionagem envolvendo José Serra, candidato peessedebista duas vezes derrotado à Presidência.

Some-se a tais evidências as dezenas de denúncias contra a gestão paulista do PSDB - que, sob o silêncio cúmplice da mídia, não são jamais apuradas -, e a conclusão inevitável é que tal partido não tem condições morais de liderar o que quer que seja contra a corrupção. Muito pelo contrário: além de um projeto que supere o mero neomoralismo, ele deve ao país explicações e desculpas.

[Foto da Procissão dos Palhaços, no México, retirada daqui]

Fonte: Cinema & Outras Artes 


6 comentários:

Marcos Pontes disse...

Interessante a maneira da esquerda ver as coisas. Mesmo que hajam provas, comprovações, investigações policiais, testemunhas e tudo o mais, a corrupção flagrada, seja em que caso for, deixa de ser corrupção a partir do momento que seja denunciada pela direita ou por algum conservador ou por partidário de agremiação opositora. Criou-se no Brasil o péssimo hábito de se discutir o discurso e não os fatos.

Profdiafonso disse...

Caro Marcos Pontes,

A questão não é a que vc coloca, mas a HIPOCRISIA de quem está patrocinando esta Marcha.

A corrupção deve ser combatida venha de onde vier, agora sustentar o discurso de corruptos é que não dá. Não dá porque esse patrocínio tem, na verdade, um objetivo: criar uma cortina de fumaça no desgoverno dos tucanos.

Façamos uma limpeza ética, com apuração e resultados efetivos, a partir do governo FHC e de tantos anos de tucanos em SP e, aí, não se discute mais...

Abs e obrigado pelo comentário.

Hugo Borges disse...

A corrupção é inerte, afirmo que se fosse o PSDB, ainda teriam casos de corrupção. O que me preocupo são as denúncias dos jornais, muitas vezes, hipotéticas e sem eixo. A esquerda pode sim se manifestar contra isso, porque, de um lado te ela e do outro tem os partidos e a mídia direitista. É uma batalha desigual. O cidadão alienado fica do lado de quem?

Profdiafonso disse...

Caro Hugo,

Certamente, a luta contra a mídia golpista [infelizmente, muitos fazem uma leitura pouco crítica do que essa mídia publica]é uma batalha desigual. Ainda bem que a blogosfera abriu uma nova seara para esse duelo.

A legitimidade de bradar contra a corrupção é de todos que não compactuam com essa aberração... A direita parece-me que não anda muito de braços dados com a ética. E, se nas esquerdas, há corruptos, eles não me representam e nem a própria esquerda.

Grande abraço e grato pelo comentário.

ps. Vc também tá no Teia Livre? Se, sim, somos dois... rsrs

O TERROR DO NORDESTE disse...

Cumpadi, excelente artigo.

Profdiafonso disse...

Di cum força, cumpadi! rsrs

Abs!

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