Uruguai decide que crimes cometidos durante a ditadura são imprescritíveis
Após longos e duros debates, o Senado e a Câmara de Deputados do Uruguai aprovaram norma que declara que os crimes cometidos durante a ditadura militar são de lesa humanidade e, portanto, imprescritíveis. A sua sanção é o primeiro passo para suprimir a lei uruguaia que anistiava os militares e policiais acusados por crimes cometidos durante a ditadura de 1973 a 1985.
Página/12
Após um longo debate, a Câmara de Deputados do Uruguai aprovou na madrugada desta quinta-feira a norma que declara que os crimes cometidos durante a ditadura militar são de lesa humanidade e, portanto, imprescritíveis. A sua sanção é o primeiro passo para suprimir a lei uruguaia que anistiava os militares e policiais acusados por crimes cometidos durante a ditadura de 1973 a 1985, posto que reestabelece a pretensão punitiva do Estado, permita que o Poder Judiciário siga adiante com os processos envolvendo violações dos direitos humanos e responde à sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no caso da nora do poeta argentino Juan Gelman.
A iniciativa havia sido aprovada antes no Senado, também após um árduo debate. A Câmara de Deputados converteu-a em lei com 50 votos a favor, em um total de 91 legisladores presentes, e enviou-a ao Poder Executivo, para sua promulgação. Efetivamente, significa o primeiro passo para anular a Lei de Caducidade, vigente desde março de 1985 e cuja revogação foi tentada sem êxito em duas consultas populares: em 1989 e 2009.
Com esta lei substitutiva, o governo uruguaio busca cumprir a decisão da CIDH, que sustentou, no caso Gelman, a obrigação do Estado uruguaio de julgar os responsáveis pela desaparição de María Claudia Iruretagoyena García, nora de Gelman.
A sessão na Câmara ocorreu segundo os trâmites normais de argumentos e réplicas, assim como os coordenadores do debate tinham acordado para evitar confrontos. No entanto, houve choques entre o Partido Nacional e a Frente Ampla, atualmente no governo, não pelo conteúdo do projeto, mas sim pelos contatos com os militares nos meses de 1983 prévios à abertura democrática, no que ficou conhecido como pacto do Clube Naval.
Em um desses momentos, o deputado do Partido Nacional, Jorge Gandini, sustentou que nessas conversações das quais participaram todos os partidos menos o seu, pactuou-se a impunidade”. Seu colega Pablo Iturralde acrescentou que a Lei de Caducidade é produto do pacto do Clube Naval, o que irritou os governistas. Por sua vez, o deputado da Frente Ampla, José Bayardi, disse ao Partido Nacional que não ingressaria em uma revisão histórica para evitar maiores discussões.
“Isso é tergiversar a história”, disse. Logo depois, a e antes que Gustavo Borsari tomasse a palavra para ler um editorial de 1973 do diário El Popular, o presidente da Câmara, Luis Lacalle Pou, decidiu suspender a sessão por cinco minutos para “acalmar os ânimos”. Minutos depois, o debate retornou mas se dirigiu diretamente à votação e à sanção de imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade.
Tradução: Katarina Peixoto
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“É preciso que as pessoas queiram exercer o direito à memória e à verdade”
Em entrevista à Carta Maior, Maria do Amparo Almeida Araújo, que combateu a ditadura pela Ação Libertadora Nacional (ALN), fundou o Coletivo Tortura Nunca Mais de Pernambuco e hoje é secretária de Direitos Humanos e Segurança Cidadã na Prefeitura do Recife, fala sobre a Comissão da Verdade e os obstáculos para que a memória e a verdade sobre o período da ditadura venham à tona. "É preciso que as pessoas queiram exercer esse direito. Infelizmente, talvez pela distância, pelo tempo, as pessoas não estão muito sensibilizadas com isso", afirma.
Márcio Markman - De Recife, Especial para Carta Maior
Não há qualquer exagero em afirmar que a alagoana de Palmeira dos Índios, Maria do Amparo Almeida Araújo, 61 anos, tem uma vida dedicada à luta pela liberdade e a defesa dos Direitos Humanos. Após três anos morando em São Paulo, ela ingressou ativamente no combate à ditadura militar, através da Ação Libertadora Nacional (ALN), organização da qual se tornou militante junto com o irmão mais velho, Luiz. Tinha apenas 17 anos.
Amparo é um exemplo de uma cidadã brasileira que teve a vida marcada pela face mais desumana da ditadura. O irmão Luís está na lista dos militantes desaparecidos. Durante os anos de chumbo, teve ainda três companheiros desaparecidos. Iúri Xavier Pereira, Luiz José da Cunha e Thomaz Antonio da Silva Meireles Neto. Iúri e Luiz José foram mortos por policiais do Doi-Codi, o braço forte da repressão. Thomaz foi preso em 1974, no Rio de Janeiro, e engrossou a lista de desaparecidos políticos.
Entre 1972 e 1977, a família pensou que Amparo também havia sido executada pelas forças reacionárias. Só ficaram sabendo que estava viva quando retornou a Alagoas, no final de 1977, após a dissolução da ALN.
No ano seguinte, ela ruma para o Recife, onde se forma em Serviço Social e permanece de forma ativa na defesa dos ideais libertários e, após a queda do regime militar, na busca pela verdade do que realmente ocorreu com os brasileiros que tiveram seus direitos humanos violados no período da ditadura. Milhares de torturados, centenas assassinados e de desaparecidos.
Juntamente com quatro ex-militantes, o jornalista e poeta Marcelo Mário Melo, o vereador de Olinda, Marcelo Santa Cruz, e os sociólogos Francisco de Assis e Alberto Vinícius, fundou o coletivo Tortura Nunca Mais, de Pernambuco. O movimento tem como pilares divulgar e esclarecer a prática da tortura durante a ditadura militar e auxiliar os presos políticos na busca pela anistia plena.
Atualmente, a ONG Movimento Tortura Nunca Mais, que já teve Amparo como presidente, toca uma série de projetos sociais na busca pelo resgate da cidadania e da paz em Pernambuco. São ações das mais variadas formas e alcances, como o combate à violência doméstica, a prevenção à violência nas escolas, a profissionalização de jovens e a capacitação de policiais na defesa dos Direitos Humanos.
A trajetória de Amparo Araújo ganhou mais um capítulo em 2003, quando ela se tornou ouvidora da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco, função exercida até dezembro de 2008. Foi quando ela deixou o Governo de Pernambuco para assumir a função que exerce no momento, a de secretária de Direitos Humanos e Segurança Cidadã da Prefeitura do Recife.
Foi no escritório apertado e cheio de pilhas de papéis, na Secretaria de Direitos Humanos, que Amparo conversou com Carta Maior. Ela vinha de uma semana puxada, com reuniões de trabalho da Secretaria, uma viagem a Brasília e compromissos em eventos institucionais da Prefeitura do Recife. A eterna militante começou a entrevista pedindo desculpas pela fala pausada e o tom de voz cansado, por conta do corre-corre dos dias anteriores. Ao final do encontro, parecia uma outra pessoa. Falava com energia ao relembrar as tristes histórias do passado e ainda com mais altivez sobre os temas futuros, como a batalha que se inicia com a Comissão da Verdade.
Leia entrevista completa aqui.
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