quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Alckmin "nomeia impunidade" com acusado no massacre do Carandiru na chefia da Rota

Mudança no comando da Polícia Militar em São Paulo preocupa por risco de aumento da violência policial. Ativista vê padrão "malufista" na ação da corporação

O novo comandante da Rota, tenente-coronel Salvador Madia: réu no processo do 'massacre do Carandiru' (Foto: André Vicente/Folhapress)

São Paulo – A escolha do tenente-coronel Salvador Modesto Madia para chefiar a Rota, comando da Polícia Militar paulista, preocupa por trazer riscos de aumento da violência praticada por agentes de segurança do estado. Madia é um dos 116 acusados do massacre do Carandiru, em 1992, quando 111 presos foram assassinatos sumariamente em uma chacina cujo julgamento não foi ainda concluído.

Ele sucede o coronel reformado Paulo Telhada, que esteve à frente da Rota desde 2009 até se aposentar, na sexta-feira (18). A missão do novo chefe do departamento é suceder uma figura conhecida por bordões como "bandido bom é bandido morto". Madia possui ainda outros episódios de "resistência seguida de morte" no currículo. A descrição incluída nos boletins de ocorrência são comuns em assassinatos cometidos por policiais e eventualmente ocultam, segundo defensores de direitos humanos, a prática de execuções.

Para o advogado e membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos Ariel de Castro Alves, a nomeação pelo governo de Geraldo Alckmin "não causa surpresa", e "mostra que a polícia mudou pouco" desde o massacre do Carandiru. "Apesar de o discurso de direitos humanos ser feito pelo comando da polícia e da Secretaria de Segurança Pública, não passa de palavras e de teorias desvinculadas da prática", critica. O jurista teme que o tipo de "lema malufista" usado por Telhada continue prevalecendo na corporação, e afirma esperar que as investigações de policiais pendentes no período tenham sequência.

Lúcio França, membro do grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo, também critica duramente a decisão. "É absurda a escolha de Geraldo Alckmin, com todo o histórico dessa pessoa. É nomear a impunidade", diz. Desde a década de 1990, quando ocorreu o massacre, a luta é por punição de pessoas envolvidas na operação policial. Mas em vez de serem afastados da ação na força de segurança, os acusados "continuam sendo promovidos e exercendo vários cargos na corporação". Movimentos de defesa de direitos humanos devem se mobilizar para pedir que o governador reveja a posição, na visão do ativista.

A Rota é um comando associado a ações violentas, embora seja vista como uma espécie de tropa de elite da Polícia Militar paulista pela Secretaria de Segurança Pública. A presença da "Rota na rua" foi um dos slogans do atual deputado federal Paulo Maluf (PP) em campanhas eleitorais ao governo paulista.

Madia esteve no agrupamento quando era tenente em dois períodos, de 1986 a 1988 e de 1991 a 1993. "Para mim é um orgulho voltar como comandante. É a realização de um sonho", disse, segundo a página da Polícia Militar na internet. Ele promete ainda buscar um combate ao crime efetivo, que apresente resultados.

Apesar de todas as críticas e temores, Ariel de Castro Alves faz uma ressalva: "Não podemos afirmar que uma pessoa que tenha participado do massacre do Carandiru e seja acusada de assassinato, mas não foi julgada, não tenha melhorado". Para ele, toda pessoa suspeita ou mesmo que tenha cometido crimes tem a possibilidade de se redimir e se recuperar. Apesar disso, durante a entrevista, o ativista demonstrou pouca esperança de que isso tenha acontecido.

Resistência

Nos nove primeiros meses de 2011, segundo a Secretaria de Segurança Pública, foram 149 casos de "pessoas mortas em confronto com a polícia civil em serviço",  – 47 no primeiro trimestre, 44 no segundo e 58 no terceiro. Embora os dados oficiais mostrem redução na comparação com anos anteriores, os indicadores são elevados quando ladeados aos de outras capitais do país e cidades sul-americanas.

O próprio uso dos termos "resistência seguida de morte", como acontece em São Paulo, ou "auto de resistência", como no Rio de Janeiro, permitem a manutenção de um comportamento ilegal pela polícia. Segundo Ariel de Castro Alves, os boletins de ocorrência deveriam mencionar as mortes como homicídios e, depois, durante o processo judicial, é que se investigaria em que condição se deram os fatos. "A 'resistência seguida de morte' é um pré-julgamento de que a polícia atuou em legítima defesa sem qualquer apuração de que aconteceu isso."

Ele lembra que não faria sentido aplicar o enquadramento a nenhum outro tipo de criminoso. "Alguém envolvido em tiroteio entre grupos de traficantes pode alegar 'resistência seguida de morte'", ironiza. O termo acaba por "servir de carta branca para policiais cometerem assassinatos".

Massacre

Em 2 de outubro de 1992, 111 presos do pavilhão 9 do Complexo do Carandiru, presídio na zona norte da capital paulista, foram assassinados por policiais. Após uma rebelião, o batalhão de choque e a Rota invadiram o prédio e, apesar da rendição dos detentos, sobreviveram apenas os que se fingiram de mortos. Investigações realizadas sugerem que mesmo os presos armados durante a rebelião haviam atirado facas e outras armas pelas janelas, mas não houve qualquer tentativa de negociação.

O coronel Ubiratan Guimarães, que comandava a operação, chegou a ser condenado em 2001, mas a decisão foi revista em segunda instância. Ele chegou a se candidatar e a se eleger a deputado estadual em São Paulo pelo PTB, com o número 14.111, em alusão clara ao número de mortos no massacre. Ele morreu em 2006, assassinado, em um crime passional, segundo as investigações.

Salvador Modesto Media é apontado por grupos de defesa de direitos humanos como um dos chefes da operação. Ele atuou no segundo andar do pavilhão, onde ocorreram 78 mortes. Acusado de assassinato em 73 casos, ele não passou, porém, por julgamento. Ele declarou à imprensa considerar que o dever dos policiais foi cumprido na ação.

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