Por Paulo Teixeira*
Na noite de 26 de outubro o plenário do Senado Federal prestou uma grande contribuição para a garantia do direito à memória e à verdade no Brasil.
Com a aprovação do PL 7376/10, fica mais perto de ser criada e começar a funcionar a Comissão Nacional da Verdade, órgão similar a vários outros que, nas últimas três ou quatro décadas, investigaram violações de direitos cometidas por regimes de exceção em cerca de quarenta países ao redor do mundo.
Muitas e duras críticas foram feitas à natureza do projeto, que havia sido aprovado na Câmara em setembro e em breve será sancionado pela presidenta Dilma Rousseff.
As críticas têm pertinência porque vocalizam o desejo e o pensamento de organizações e militantes de direitos humanos, bem como de famílias de mortos e desaparecidos políticos que foram vitimados pela ditadura que nos sufocou e oprimiu entre 1964 e 1985.
Entretanto, avaliamos que o atual momento político é bastante especial e oportuno para, finalmente, garantirmos a criação da Comissão da Verdade e, sobretudo, a viabilização do início do seu trabalho.
Embora sejam hoje minoritárias na sociedade e no Parlamento, as vozes que não aceitam o pleito legítimo e perfeitamente legal do direito à memória e à verdade estão sempre dispostas a impor toda sorte de dificuldades para a consecuçaõ deste objetivo.
Uma vez criada, a Comissão da Verdade terá plenas condições de realizar os objetivos maiores que a justificam: a busca, a identificação e a recuperação dos corpos dos desaparecidos políticos; a identificação dos agentes do Estado que cometeram violações de direitos humanos, bem como a investigação oficial acerca dos métodos e procedimentos utilizados por estes; e a reparação da memória histórica de episódios da nossa vida nacional que devemos conhecer a fundo, justamente para que não sejam repetidos.
Cabe ressaltar que o período histórico a ser abrangido pelo trabalho da Comissão – de 1946 a 1988 – tem a ver com episódios que, embora estejam fora do regime ditatorial recente (1964-1985), possuem relações de causa e consequência com processos vinculados a este. Não obstante, é de conhecimento público que as violações sistemáticas e cotidianas à Constituição, aos direitos humanos e à democracia tiveram início em 1964 e ocorreram de forma especialmente intensificada de 1968, com a instituição do AI-5, até 1979, quando foi aprovada a Lei da Anistia.
É importante notar que o trabalho da Comissão da Verdade será tão mais efetivo quanto maior for a mobilização da sociedade civil para apoiá-la e fornecer os subsídios necessários às suas investigações. Desta forma, conclamamos a sociedade a organizar, em todo o Brasil, comitês de apoio e mobilização em prol da Comissão da Verdade.
O resultado final dos trabalhos da Comissão da Verdade, indubitavelmente, se constituirá num patrimônio público da mais alta relevância que nos levará, observados os ditames da Constituição Federal, à realização do direito à memória e à verdade.
Em nome de tantos lutadores e tantas lutadoras que tombaram na resistência contra o regime ilegítimo e agora terão suas histórias reveladas pela Comissão da Verdade, podemos citar o jovem Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, desaparecido no Rio de janeiro em fevereiro de 1974. Não podemos esquecer o operário Virgilio Gomes da Silva , preso em São Paulo em setembro de 1969 , torturado barbaramente até a morte e enterrado em local não identificado. Devemos lembrar também o deputado Rubens Paiva, desaparecido e morto em 1971 nos porões da repressão e que acaba de ser homenageado pela Câmara dos Deputados, que vai dar o seu nome ao corredor de acesso à biblioteca da Casa.
Além de Fernando Santa Cruz , Virgilio e Rubens Paiva, enquanto símbolos históricos da memória soterrada pela ditadura, é justo ressaltar o louvável e fundamental papel que desempenharam, para a criação da Comissão da Verdade, a atual ministra Maria do Rosário e todos os titulares que a precederam na Secretaria de Direitos Humanos: Paulo Vannuchi, Nilmário Miranda, Paulo Sérgio Pinheiro e José Gregori. Contribuição igualmente fundamental tiveram o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o ex-deputado e atual assessor especial do Ministério da Defesa, José Genoíno, o atual ministro da Defesa, Celso Amorim, e o seu antecessor, Nelson Jobim, bem como o deputado Emiliano José, histórico militante desta causa.
Em especial, registro a tenacidade e a perseverança do ex-ministro Paulo Vannuchi, que enfrentou o árduo processo de elaboração e de afirmação do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), do qual foi canalizada a energia para o envio do projeto da Comissão da Verdade ao Congresso Nacional.
Por fim, que esta primavera, para usar uma expressão do professor Emir Sader, seja a Primavera dos Direitos Humanos para o Brasil, com a tão esperada criação da Comissão da Verdade.
*Paulo Teixeira é Deputado Federal pelo PT-SP e líder do PT na Câmara dos Deputados
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