O marxismo é a chave para o entendimento e eventual superação do capitalismo, avalia historiador
Marcos Guterman – O Estado de S.Paulo
Não há nenhum deus além de Karl Marx, e Eric Hobsbawm é seu profeta. Maior historiador marxista ainda em atividade, aos 94 anos, o inglês Hobsbawm dedica sua última obra – Como Mudar o Mundo – Marx e o Marxismo – a mostrar que o filósofo alemão, tido como soterrado pelos escombros do Muro de Berlim, continua a ser a chave para o entendimento do capitalismo e para sua superação, agora em tempos de aquecimento global.
Já em seu livro A Era dos Extremos, Hobsbawm colocou a Revolução Bolchevique como o principal evento do “breve século 20″ – que em sua visão acaba, justamente, na implosão da URSS. “O mundo que se esfacelou no fim da década de 1980 foi o mundo formado pelo impacto da Revolução Russa de 1917″, escreveu ele, para elaborar a teoria segundo a qual todos os processos históricos do período – das alianças diplomáticas aos desdobramentos econômicos globais – tiveram como eixo a instalação do comunismo na Rússia. Trata-se, obviamente, de um exagero. Mas o Marx que Hobsbawm tenta resgatar em seu novo livro não é o de Lenin e de Stalin, nem o dos marxistas contemporâneos, e sim a essência de seu pensamento.
Em Como Mudar o Mundo, reedição de textos escritos entre 1956 e 2009, Hobsbawm trata de diferenciar Marx do marxismo e de sua aplicação extrema, o comunismo – o que é conveniente, ao se observar as atrocidades cometidas em nome da igualdade. Para ele, dizer que o marxismo é responsável por essas tragédias “é o mesmo que afirmar que o cristianismo levou ao absolutismo papal”.
Hobsbawm se localiza entre aqueles que veem Marx como um mapa do caminho para a revolução e os que o encaram simplesmente como teoria. Mostra a ruptura dele com os socialistas utópicos, mas deixa claro o tributo que Marx lhes paga na forma da ideia de que é “inevitável” mudança não apenas de regime de governo, mas de todo o modo de vida sobre a Terra. Nos últimos 130 anos, diz o historiador, Marx foi o tema central da paisagem intelectual e, graças à sua capacidade de mobilizar forças sociais, foi uma presença crucial na história. No entanto, o desgaste provocado pelo colapso da URSS expôs, nas palavras de Hobsbawm, o “fracasso das predições” das teorias marxistas.
De tempos em tempos, anuncia-se que o capitalismo está no fim. Como a história mostra, porém, o moribundo arruma um jeito de se recuperar, entre outras razões porque a classe trabalhadora, que seria o esteio da revolução, sofreu mudanças dramáticas no último meio século, ao ponto de se tornar irreconhecível como “proletariado”. Mas Hobsbawm, em meio à crise global deflagrada em 2008, não resistiu à tentação e escreveu que, desta vez, vai: “Não podemos prever as soluções dos problemas com que se defronta o mundo no século 21, mas quem quiser solucioná-los deverá fazer as perguntas de Marx, mesmo que não queira aceitar as respostas dadas por seus vários discípulos”. Para ele, o futuro do marxismo e da humanidade estão intimamente vinculados.
No entanto, convém relevar o entusiasmo de Hobsbawm. A história mostra que é prudente ler Marx mais como uma forma de entender o mundo do que de mudá-lo.
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