quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Mark Twain: Há 111 anos, escritor criticava intervenção dos EUA em outros países

"Nunca tivemos a intenção de libertar os filipinos. Fomos até lá para conquistar, não para salvar".

Nesta quarta-feira (30/11), o Google homenageou o escritor norte-americano Mark Twain, autor do clássico “As Aventuras de Tom Sawyer”, que hoje completaria 176 anos se estivesse vivo. O que nem todos sabem ou se lembram é que Mark Twain foi também um agitador cultural e político. Na virada do século XX, o escritor criticava duramente a entrada dos Estados Unidos na corrida imperialista, passando a interferir em conflitos de outros países.

Mais de um século depois, o governo norte-americano se vê perdido em frontes distantes como o Afeganistão e o Iraque, além de ter amargado uma derrota histórica na guerra do Vietnã. Na época, o alvo eram países como China e Filipinas.

“Nos enfiamos numa confusão, num lamaçal de onde, a cada passo, torna-se imensamente mais difícil sair. Gostaria muito de nos ver saindo de lá e de tudo o que aquilo significa para nós como nação”, dizia Twain sobre a guerra com as Filipinas.

Isso lembra algum conflito atual?

A seguir, leia discursos da campanha antiimperialista de Mark Twain, publicados em jornais da época e reunidos no livro “Patriotas e Traidores”, da editora Perseu Abramo.

"Apresento aos senhores esta majestosa senhora chamada cristandade – que volta encharcada, enlameada e desonrada dos ataques piratas a Kiao Chow, Manchúria, África do Sul e Filipinas; tem a alma cheia de maldade, o bolso carregado de espólios e a boca cheia de pia hipocrisia. Dêem-lhe sabão e toalha, mas escondam o espelho.

Dêem-lhe o espelho; talvez ela negue a mentira.
Ao se ver como os outros a vêem."


31 de dezembro de 1900.

 
"Você me pergunta sobre o assim chamado imperialismo. Bem, tenho opinião formada sobre esta questão. Estou em desvantagem por não saber se nosso povo apóia ou condena a ocupação por nós de toda a face do globo. Se apóia, isso me entristece, pois não acho sábio nem necessário.

Quanto à China, aprovo a ação do nosso governo de se livrar daquela complicação. Está se retirando depois de fazer o que ela queria. Está certo. Nada mais temos a tratar na China, assim como nada temos em qualquer outro país que não o nosso. Há também o problema das Filipinas. Tentei muito e, ainda assim, por mais que pense, não consigo entender como fomos nos envolver naquela confusão.


Talvez fosse impossível não entrar – talvez fosse inevitável que tivéssemos de lutar contra os nativos daquelas ilhas –, mas não consigo entender, e nunca consegui chegar à origem de nosso antagonismo contra os nativos. Na minha pinião, devíamos agir como seus protetores – jamais oprimi-los sob nosso tacão.


Cabia a nós livrá-los da tirania espanhola, permitir que organizassem seu próprio governo e esperar que ele estivesse pronto para ser avaliado. Não deveria ser um governo ajustado às nossas idéias, mas um governo que representasse os sentimentos da maioria dos filipinos, um governo de acordo com as idéias filipinas.


Essa teria sido uma missão digna dos Estados Unidos. Mas agora... Ora, nos enfiamos numa confusão, num lamaçal de onde, a cada passo, torna-se imensamente mais difícil sair. Gostaria muito de nos ver saindo de lá e de tudo o que aquilo significa para nós como nação".


[New York World (Despacho de Londres, 6 de outubro de 1900]


"Quando parti destas terras, em Vancouver, era um ardente imperialista. Queria ver a águia americana sair voando sobre o Pacífico. Ela me parecia cansada e domesticada, satisfeita apenas com as Rochosas. Por que não abrir as asas sobre as Filipinas, eu me perguntava. E me dizia que seria muito bom.


Eu dizia com meus botões, aqui está um povo que sofre há 300 anos. Temos capacidade de torná-los livres como nós, dar-lhes um governo e um país que sejam só seus, colocar uma miniatura da Constituição americana a flutuar no Pacífico, fundar uma república absolutamente nova que há de tomar seu lugar entre as nações livres do mundo. Pareceu-me grandiosa a tarefa que nos havíamos imposto.


Mas repensei muito desde então, li com todo cuidado o Tratado de Paris, e vi que nunca tivemos a intenção de libertar, mas a de subjugar aquele povo. Fomos até lá para conquistar, não para salvar.


Também comprometemos a força desta nação em manter e proteger o sistema abominável estabelecido pela Igreja Católica nas Filipinas.


Parece-me que nosso prazer e dever seria tornar livres aquelas pessoas e deixar que elas próprias resolvessem sozinhas as suas questões internas. E é por isso que sou antiimperialista. Eu me recuso a aceitar que a águia crave suas garras em outras terras."

[New York Herald (Nova York, 15 de outubro de 1900]

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