Galeano precisou de quatro ou cinco anos e de exatas 42.754 palavras para fechar os 366 textos de seu novo trabalho, um para cada dia do ano. Diz que é uma versão pessoal, dele, do gênese segundo os maias. E diz que se somos filhos dos dias, de cada dia nasce uma história que vale a pena ser contada. "Os filhos dos dias" é, revela seu autor, primo-irmão de seu livro anterior "Espelhos" . O novo livro só chegará ao público em março do ano que vem.
Eric Nepomuceno
Na casa do bairro de Malvin, em Montevidéu, há um certo alívio e uma certa expectativa. Alívio, porque o morador terminou há poucos dias um trabalho que consumiu os últimos quatro ou cinco anos de sua vida. Expectativa, porque o resultado desse trabalho só chegará ao público daqui a alguns meses, em março do ano que vem.
O morador se chama Eduardo Galeano e o trabalho que chegará ao público é um livro que se chama ‘Os filhos dos dias’. Galeano precisou desses anos e de exatas 42.754 palavras para fechar os 366 textos de seu novo trabalho, um para cada dia do ano. Diz que é uma versão pessoal, dele, do gênese segundo os maias. E diz que se somos filhos dos dias, de cada dia nasce uma história que vale a pena ser contada.
‘Os filhos dos dias’ é, revela seu autor, primo-irmão de seu livro anterior, ‘Espejos’, um êxito olímpico em castelhano (estacionou e permaneceu por meses no topo da lista dos mais vendidos na Argentina, por exemplo, antes de ser traduzido para dez idiomas), lançado no Brasil pela L&PM. E explica: é primo-irmão porque começou a ser escrito enquanto ele ainda trabalhava em ‘Espejos’.
Cada um dos 366 textos de ‘Os filhos dos dias’ foi escrito várias vezes. Aliás, cada texto de Galeano é escrito um sem-fim de vezes. E nascem ao léu, em qualquer lugar e circunstância. Onde quer que vá pela vida, ele carrega sempre umas cadernetinhas minúsculas, que chama de ‘mi libretita enana’, e é nessa cardernetinha anã que vai anotando palavras. Na maior parte das vezes, em sua casa ampla, cálida, de paredes brancas e jardins bem cuidados. Mas também na mesa do café Brasileiro, em Montevidéu, que funciona como uma espécie de escritório, onde trabalha, dá entrevistas, recebe visitas ou simplesmente fica vendo a vida. E também em aviões e trens, em suas longas, infinitas caminhadas diárias pela orla de Montevidéu, as ramblas à beira do rio da Prata que eles chamam de mar.
Fazer e refazer, lapidar cada texto, cada palavra, é parte de seu método de trabalho há muitos anos. Mais exatamente a partir da formidável trilogia ‘Memória do Fogo’ (Os Nascimentos, As Caras e as Máscaras, e O Século do Vento), iniciada em 1982, onde ele adotou a forma dos textos curtos, secos, extremamente condensados. Como quem busca nas palavras, mais que o osso, a própria medula. O cerne. Aprendeu de um mestre de todos nós, Juan Rulfo, que escrever é reescrever, e que reescrever é cortar palavras, até chegar à sua essência.
Assim é o registro, por exemplo, do 8 de abril de 1973, dia da morte de Picasso:
O homem que nasceu muitas vezes
O morador se chama Eduardo Galeano e o trabalho que chegará ao público é um livro que se chama ‘Os filhos dos dias’. Galeano precisou desses anos e de exatas 42.754 palavras para fechar os 366 textos de seu novo trabalho, um para cada dia do ano. Diz que é uma versão pessoal, dele, do gênese segundo os maias. E diz que se somos filhos dos dias, de cada dia nasce uma história que vale a pena ser contada.
‘Os filhos dos dias’ é, revela seu autor, primo-irmão de seu livro anterior, ‘Espejos’, um êxito olímpico em castelhano (estacionou e permaneceu por meses no topo da lista dos mais vendidos na Argentina, por exemplo, antes de ser traduzido para dez idiomas), lançado no Brasil pela L&PM. E explica: é primo-irmão porque começou a ser escrito enquanto ele ainda trabalhava em ‘Espejos’.
Cada um dos 366 textos de ‘Os filhos dos dias’ foi escrito várias vezes. Aliás, cada texto de Galeano é escrito um sem-fim de vezes. E nascem ao léu, em qualquer lugar e circunstância. Onde quer que vá pela vida, ele carrega sempre umas cadernetinhas minúsculas, que chama de ‘mi libretita enana’, e é nessa cardernetinha anã que vai anotando palavras. Na maior parte das vezes, em sua casa ampla, cálida, de paredes brancas e jardins bem cuidados. Mas também na mesa do café Brasileiro, em Montevidéu, que funciona como uma espécie de escritório, onde trabalha, dá entrevistas, recebe visitas ou simplesmente fica vendo a vida. E também em aviões e trens, em suas longas, infinitas caminhadas diárias pela orla de Montevidéu, as ramblas à beira do rio da Prata que eles chamam de mar.
Fazer e refazer, lapidar cada texto, cada palavra, é parte de seu método de trabalho há muitos anos. Mais exatamente a partir da formidável trilogia ‘Memória do Fogo’ (Os Nascimentos, As Caras e as Máscaras, e O Século do Vento), iniciada em 1982, onde ele adotou a forma dos textos curtos, secos, extremamente condensados. Como quem busca nas palavras, mais que o osso, a própria medula. O cerne. Aprendeu de um mestre de todos nós, Juan Rulfo, que escrever é reescrever, e que reescrever é cortar palavras, até chegar à sua essência.
Assim é o registro, por exemplo, do 8 de abril de 1973, dia da morte de Picasso:
O homem que nasceu muitas vezes
Morreu hoje, em 1973, Pablo Diego Francisco José de Paula Juan Nepomuceno María de los Remedios Cipriano de la Santísima Trinidad Ruiz Picasso, mais conhecido como Pablo Picasso.
Tinha nascido em 1881. E se vê que gostou de nascer, porque continuou nascendo.
O dia 7 de maio de 1954 é dedicado a outro personagem essencial de nossos tempos:
Os estraga-prazeres
Em 1954, os rebeldes vietnamitas propiciaram uma tremenda sova aos militares franceses em seu invulnerável quartel de Dien Bien Phu. E após um século de conquistas coloniais, a gloriosa França teve de sumir correndo do Vietnã.
Depois, foi a vez dos Estados Unidos. Nem vendo dava para crer: a primeira potência do mundo e de todo o espaço sideral também sofreu a humilhação da derrota nesse país minúsculo, mal armado, povoado por pouca gente e por gente pobre.
Um camponês, de lento caminhar, de palavras escassas, encabeçou essas duas façanhas.
Ele se chamava Ho Chi Minh, era chamado de Tio Ho.
Tio Ho se parecia pouco aos chefes de outras revoluções.
Em certa ocasião, um militante voltou de uma aldeia, e informou a ele que não havia maneira de organizar aquela gente.
– São uns budistas atrasados, que passam o dia inteiro meditando.
– Pois volte lá e medite – mandou Tio Ho.
Para contar a história de cada dia Galeano vasculhou livros, arquivos, registros. Mas diz que não tem nenhum método de investigação e pesquisa, e, aliás, nenhum método de vida. Diz que as histórias vão atrás dele, dão um tapinha em suas costas, e dizem: “Me conte, me conte que eu valho a pena”.
E que assim vai contando as histórias dos tempos e das gentes, construindo sua gênese de todos nós, em textos curtos, densos, carregados de vida e emoção, e que valem a pena, e como.
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