Renato Rovai
Rodrigo Vianna, Marco Aurélio Mello e os intestinos da Globo.
Os textos que seguem eu pesquei lá do Blog Escrevinhador do meu amigo Rodrigo Vianna e no Doladodelá do Marco Aurélio Mello.
Se eles tivessem me contado essas histórias antes, eu mudava a capa da Revista Fórum de dezembro pra publicar esses artigos na capa.
Os dois textos juntos dão um bom mapa do que é o jogo de poder na emissora dos Marinhos.
Vale à pena. Primeiro o do Rodrigo, depois o do Marco Aurélio.
Bastidores da troca no “JN”
por Rodrigo Vianna
A Globo confirma a saída de Fátima Bernardes do “JN”. No lugar dela deve entrar Patrícia Poeta – atual apresentadora do “Fantástico”.
Fiz hoje pela manhã – no twitter e no facebook – algumas observações sobre a troca; observações que agora procurarei consolidar nesse post. Vejo que há leitores absolutamente céticos: “ah, essa troca não quer dizer nada”. Até um colunista de TV do UOL, aparentemente mal infomado, disse o mesmo. Discordo.
Primeiro ponto: a Patrícia Poeta é mulher de Amauri Soares. Nem todo mundo sabe, mas Amauri foi diretor da Globo/São Paulo nos anos 90. Em parceria com Evandro Carlos de Andrade (então diretor geral de jornalismo), comandou a tentativa de renovação do jornalismo global. Acompanhei isso de perto, trabalhei sob comando de Amauri. A Globo precisava se livrar do estigma (merecido) de manipulação – que vinha da ditadura, da tentativa de derrubar Brizola em 82, da cobertura lamentável das Diretas-Já em 84 (comício em São Paulo foi noticiado no “JN” como “festa pelo aniversário da cidade”), da manipulação do debate Collor-Lula em 89.
Amauri fez um trabalho muito bom. Havia liberdade pra trabalhar. Sou testemunha disso. Com a morte de Evandro, um rapaz que viera do jornal “O Globo”, chamado Ali Kamel, ganhou poder na TV. Em pouco tempo, derrubou Amauri da praça São Paulo.
Patrícia Poeta no “JN” significa que Kamel está (um pouco) mais fraco. E que Amauri recupera espaço. Se Amauri voltar a mandar pra valer na Globo, Kamel talvez consiga um bom emprego no escritório da Globo na Sibéria, ou pode escrever sobre racismo, instalado em Veneza ao lado do amigo (dele) Diogo Mainardi.
Conheço detalhes de uma conversa entre Amauri e Kamel, ocorrida em 2002, e que revelo agora em primeira mão. Amauri ligou a Kamel (chefe no Rio), pra reclamar que matérias de denúncias contra o governo, produzidas em São Paulo, não entravam no “JN”. Kamel respondeu: “a Globo está fragilizada economicamente, Amauri; não é hora de comprar briga com ninguém”. Amauri respondeu: “mas eu tenho um cartaz, com uma frase do Evandro aqui na minha sala, que diz – Não temos amigos pra proteger, nem inimigos para perseguir”. Sabem qual foi a resposta de Kamel? “Amaury, o Evandro está morto”.
Era a senha. Algumas semanas depois, Amauri foi derrubado.
Kamel foi o ideólogo da “retomada consevadora” na Globo durante os anos Lula. Amauri foi “exilado” num cargo em Nova Yorque. Patrícia Poeta partiu com ele. Os dois aproveitaram a fase de “baixa” pra fazer “do limão uma limonada”. Sobre isso, o Marco Aurélio escreveu, no “Doladodelá”.
Alguns anos depois, Amauri voltou ao Brasil para coordenar projetos especiais; Patrícia Poeta foi encaixada no “Fantástico”. Só que Amauri e Kamel não se falavam. Tenho informação segura de que, ainda hoje, quando se cruzam nos corredores do Jardim Botânico, os dois se ignoram. Quando são obrigados a sentar na mesma mesa, em almoços da direção, não dirigem a palavra um ao outro. Amauri sabe como Kamel tramou para derrubá-lo.
Pois bem. Já há alguns meses, logo depois da eleição de 2010, recebemos a informação de que Ali Kamel estava perdendo poder. Claro, manteria o cargo e o status de diretor, até porque prestou serviços à família Marinho – que pode ser acusada de muita coisa, mas não de ingratidão.
Otavio Florisbal, diretor geral da Globo, deu uma entrevista ao UOL no primeiro semestre de 2011 dizendo que a Globo não falava direito para a classe C (o Brasil do lulismo). Por isso, trocou apresentadores tidos como “elitistas” (Renato Machado saiu pra dar lugar ao ótimo Chico Pinheiro – aliás, também amigo de Amauri). A Globo do Kamel não serve mais.
Lembremos que, desde o começo do governo Lula, a Globo de Kamel implicava com o “Bolsa-Família”. Kamel é um ideólogo conservador. Por isso, nós o chamávamos de “Ratzinger” na Globo. É contra quotas nas universidades, acha que racismo não existe no Brasil. Botou a Globo na oposição raivosa, promoveu a manipulação de 2006 na reeleição de Lula (por não concordar com isso, eu e mais três ou quatro colegas fomos expurgados da Globo em 2006/2007). E promoveu a inesquecível cobertura da “bolinha de papel” em 2010 – botando o perito Molina no “JN”. Nas reuniões internas do “comitê” global, ao lado de Merval Pereira, tentava convencer os irmãos Marinho dos “perigos” do lulismo.
Lula sabe o que Kamel aprontou. Tanto que no debate do segundo turno, em 2006, nem cumprimentou Kamel quando o viu no estúdio da Globo. Isso me contou uma amiga que estava lá.
Os irmãos Marinho parecem ter percebido que Kamel os enganou. O lulismo, em vez de perigo, mudou o Brasil pra melhor. Mais que isso: a Globo agora precisa de Dilma para enfrentar as teles, que chegam com muito dinheiro e apetite para disputar o mercado de comunicação. Kamel já não serve para os novos tempos. Assim como os “pitbulls” Diogo Mainardi e Mario Sabino não servem para a “Veja”.
Dilma buscou os donos da mídia, passada a eleição, e propôs a “normalização” de relações. O governo seguiu apanhando, na área “ética” – é verdade. O que não atrapalha a imagem de Dilma. Há quem veja na tal “faxina” um jogo combinado entre a presidenta e os donos da mídia. Será? Dilma tiraria as “denúncias” de letra (o custo ficaria para Lula e os aliados). Do outro lado, os “pitbulls” perderiam terreno na mídia. É a tal “normalização”. Considero um erro estratégico de Dilma. Mas quem sou eu pra achar alguma coisa. O fato é que a estratégia hoje é essa!
Patricia Poeta no “JN” parece indicar que a “normalização” passa por Ali Kamel longe do dia-a-dia na Globo (ele ainda tenta manobrar aqui e ali, mas já sem a mesma desenvoltura). Isso pode ser bom para o Brasil.
Não é coincidência que a Globo tenha permitido, há poucos dias, aquela entrevista do Boni admitindo manipulação do debate de 89. A entrevista (feita pelo excelente jornalista Geneton de Moraes Neto) foi ao ar na “Globo News”. Alguém acha que iria ao ar sem conhecimento da família Marinho? Isso não acontece na Globo!
Durante os anos de poder total de Kamel, a Globo tentou “reescrever” o passado – em vez de reconhecer os erros. Kamel chegou a escrever artigo hilário, tentando negar que a Globo tenha manipulado a cobertura das Diretas. Virou piada. Até o repórter que fez a “reportagem” em 84 contou pros colegas na redação (eu estava lá, e ouvi) – “o Ali é louco de tentar negar isso; todo mundo viu no ar”.
Ali Kamel nega o racismo, nega a manipulação, nega a realidade. Freud explica.
Agora, Boni reconhece que a Globo manipulou em 89. Isso faz parte do movimento de “normalização”. O enfraquecimento de Kamel também faz.
Tudo isso está nos bastidores da troca de apresentadores do “JN”. Mas claro que há mais. Há a estratégia televisiva, pura e simples. Fátima Bernardes deve comandar um programa matutino na Globo. As manhãs são hoje o principal calcanhar de aquiles da emissora carioca. A Record ganha ou empata todos os dias. Com o “Fala Brasil”, e com o “Hoje em Dia”. Ana Maria Braga não dá mais conta da briga – apesar de ainda trazer muita grana e patrocinadores.
Fátima deve ter um novo programa nas manhãs. Ana Maria será mantida. Até porque na Globo as mudanças são sempre lentas – como no Comitê Central do PC da China. A Globo é um transatlântico que se manobra lentamente.
Se a Fátima emplacar, pode virar uma nova Ana Maria. O programa dela deve contar com outras estrelas globais (Pedro Bial, quem sabe?).
A mudança de apresentadores tem esse duplo sentido: enfraquecimento de Kamel (que continuará a ter seu camarote no transatlântico global, mas talvez já não frequente tanto a cabine de comando); e estratégia pra recuperar audiência nas manhãs.
A conferir.
Patrícia Poeta, o nome da vez
Marco Aurélio Mello
Conheço Patrícia desde o início da carreira, quando era editor-coordenador do Bom Dia Brasil em São Paulo e ela, recém-chegada do sul, virou apresentadora do mapa tempo, no Bom Dia São Paulo e Bom Dia Brasil, em fevereiro de 2000.
Patrícia era uma menina que tinha acabado de sair da PUC do Rio Grande do Sul três anos antes. Sua passagem meteórica pela TV Bandeirantes de Porto Alegre, um ano antes, chamou a atenção de todos, pela postura, voz e beleza física da jovem apresentadora.
Numa das ocasiões, em que fazia o tempo para o Bom Dia Brasil, tive a ingrata missão de informá-la, a pedido do então editor-chefe, Renato Machado, que seu figurino não estava apropriado para trabalho, certamente orientada por algum figurinista inescrupuloso, que estava exagerando. Lembro-me como se fosse hoje sua reação envergonhada, afinal, não é fácil ouvir alguém dizer que você está se vestindo mal.
Depois disso, nas vezes em que nos encontramos socialmente, sempre tivemos uma convivência cordial e respeitosa, um pelo outro. Considero Patrícia uma mulher sóbria, bem focada no que faz e muito boa mãe do garoto Felipe, de oito anos, que adora dar palpites no trabalho da mãe.
O que faltava a ela um verniz intelectual, que veio na parceria do jovem e talentoso diretor de jornalismo em São Paulo, Amauri Soares, por quem se apaixonou e foi amplamente correspondida. Tanto é assim que desde então nunca mais se separaram e fazem um casal alvo da inveja de muitos colegas e destaque das colunas sociais cariocas.
Com a ascensão de Ali Kamel ao poder, no início dos anos 2000, Amauri foi exilado em Nova Iorque, para um cargo que não existia. No jargão: caiu para cima. Nos cinco anos em que ficaram nos Estados Unidos, Amauri e Patrícia fizeram do limão uma bela limonada. Patrícia mergulhou nos estudos e Amauri levou ao ar projetos ambiciosos, que trouxeram muito prestígio à emissora. O Via Brasil, na Globo Internacional e um evento grandioso, que entrou no calendário novaiorquino, o Brazilian Day.
De volta ao Brasil, tanto um, quanto outro, conquistaram seu lugar ao sol. Em 2008, Patrícia teve a difícil missão de substituir Glória Maria, considerada “imexível”. O resultado está no ar, para quem assiste ao Fantástico.
A escolha de Patrícia está amparada em pesquisas de opinião pública quantitativas e qualitativas e passa pela necessidade urgente de renovação. O público está cansado dos formatos e das “caras” do jornalismo da Globo. E como estamos falando de televisão aberta, onde o que conta é a audiência, Patrícia é o nome da vez.
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