domingo, 18 de dezembro de 2011

Um Homem na Tunísia, um movimento em Wall Street, e o soldado que acendeu o pavio

Por Michael Moore, em seu site
Traduzido por Roberto Locatelli

É sábado à noite e eu não queria que o dia terminasse sem que eu enviasse essa nota para você.

Há um ano hoje (17 dezembro), Mohamed Bouazizi, um homem que tinha uma simples barraca na Tunísia, ateou fogo em si mesmo para protestar contra a repressão do seu governo. Seu sacrifício singular iniciou uma revolução que derrubou o ditador da Tunísia e lançou revoltas em regimes no Oriente Médio.

Exatamente três meses atrás, Occupy Wall Street começou com a conquista do Zuccotti Park em Nova York. Este movimento contra a ganância das empresas americanas e os seus bancos – e o dinheiro que agora controla a maioria de nossas instituições democráticas - se espalhou rapidamente para centenas de vilas e cidades pelos EUA. A maioria dos estadunidenses concorda que uma nação onde 400 bilionários têm mais riqueza do que 160 milhões de americanos juntos não é o país que eles querem que os EUA sejam. Os 99% estão se levantando contra o 1% - e agora não há mais volta.

Vinte e quatro anos atrás, nesta data, o soldado especialista dos EUA Bradley Manning nasceu. Ele já passou 570 dias em uma prisão militar, sem um julgamento - simplesmente porque ele supostamente alertou sobre a guerra ilegal e imoral no Iraque. Ele expôs o que o Pentágono e o governo Bush fizeram na criação deste mal e ele fez isso ao supostamente vazar documentos e imagens para o Wikileaks. Muitos destes documentos tratam não só do Iraque, mas da forma como sustentamos ditadores ao redor do mundo e como nossas corporações exploram os pobres deste planeta. (Havia até mesmo telegramas com coisas malucas, como um detalhamento do Departamento de Estado de Bush tentando parar um ministro de outro país de realizar uma exibição de "Fahrenheit 9 / 11." (1))

O achado do Wikileaks foi um olhar fascinante sobre como os Estados Unidos conduzem seus negócios – e, obviamente, aqueles que não querem que o mundo saiba como fazemos as coisas em lugares como, por exemplo, a Tunísia, não ficaram felizes com Bradley Manning.

Mohamed Bouazizi estava sendo maltratado por funcionários do governo, porque tudo o que ele queria era ter um carrinho e vender frutas e legumes na rua. Mas a polícia local continuava maltratando-o e tentando detê-lo. Ele, como a maioria tunisianos, sabia como o seu governo era corrupto. Mas quando Wikileaks publicou os telegramas do embaixador dos EUA em Tunis confirmando a corrupção - os telegramas que foram publicados apenas cerca de uma semana antes de Mohamed atear-se fogo - bem, era o limite para o povo tunisino, e toda a agitação começou.

Pessoas em todo o mundo devoraram as informações que Bradley Manning revelou, e elas foram usadas por movimentos no Egito, Espanha, e, por fim, pelo Occupy Wall Street para confirmar o que já se pensava que era verdade. Exceto que aqui estava o que era importante - a evidência que era preciso para provar que era tudo verdade. E então um movimento democrático expandiu-se ao redor do globo tão rápido e tão profundo - e em apenas um ano! Quando alguém me pergunta, "Quem começou o Occupy Wall Street?" às vezes eu digo "Goldman Sachs" ou "Chase", mas quase sempre eu digo "Bradley Manning." Sua ação corajosa foi o ponto de inflexão - e não foi surpresa quando o ditador da Tunísia censurou todas as notícias dos documentos do Wikileaks que Manning supostamente teria fornecido. Mas a internet pegou o presente de Manning e o espalhou ao longo da Tunísia, um jovem se imolou e a Primavera Árabe - que foi, depois, para Zuccotti Park - tem um soldado, o jovem gay do Exército dos Estados Unidos para agradecer.

E é por isso que eu quero homenagear Bradley Manning em seu 24 º aniversário, e pedir aos milhões que, como você, leem este texto para se juntar a mim exigindo a sua libertação imediata. Ele não merece o tratamento anti-americano, incluindo confinamento solitário cruel que ele recebeu em mais de 18 meses de prisão. Pelo menos, este jovem merece uma mísera medalha. Ele fez o que os grandes estadunidenses sempre fizeram - ele tomou uma posição corajosa contra a injustiça e fê-lo sem parar por um minuto para considerar as conseqüências para si mesmo.

O Pentágono e do aparato de segurança nacional estão obcecadas em fazer de Bradley Manning um exemplo. Mas nós, cidadãos dos EUA, temos o direito de saber o que está sendo feito em nosso nome e com o dinheiro de nossos impostos. Se o governo tenta encobrir sua má-fé, então é dever de todos e cada um de nós, se a situação surgir, de puxar a verdade, chutando e gritando, se necessário, para a luz do dia.

A bandeira americana foi arreada no Iraque na quinta-feira passada pois nossa guerra contra eles oficialmente chegou ao fim. Se alguém deveria ser julgado ou ser posto na cela agora, são aqueles homens que mentiram para a nação com o objetivo de começar esta guerra - e ao fazê-lo enviaram cerca de 4.500 estadunidenses e centenas de milhares de iraquianos para a morte.

Mas não é Bush ou Rumsfeld ou Cheney ou Wolfowitz (2) que estão na prisão esta noite. É o herói que os expôs. É Bradley Manning, que perdeu sua liberdade e isso, por sua vez, se torna apenas mais um crime sendo cometido em nosso nome.

Eu sei, eu sei, deixa disso, Mike - é a temporada de férias, há presentes para comprar e festas para ir! E sim, esta é realmente uma das minhas semanas favoritas do ano. Mas no espírito do homem cujo nascimento será comemorado no próximo domingo, por favor faça alguma coisa, qualquer coisa, para ajudar este jovem que passa o seu aniversário esta noite atrás das grades. Digo, o mínimo. Deixá-lo ir para casa e passar o Natal com sua família. Nós já fizemos o bastante para aumentar a violência do mundo nesta década, enquanto dizemos ser um país que admira o Príncipe da Paz. A guerra acabou. E todo um novo movimento tem muito a agradecer a Bradley Manning.

(1) Filme de Michael Moore sobre os atentados de 11 de setembro e como o governo Bush reagiu a eles
(2) Ex-membros do governo dos EUA

Michael Moore é cineasta e ativista político 
É autor dos documentários: "Tiros em Columbine", "Sicko", "Fahrenheit 9 / 11" e "Capitalismo, uma história de amor"
Escreveu o livro "Uma nação de idiotas"

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