VLADIMIR SAFATLE
O governador de São Paulo parece ser um daqueles que rezam pelas virtudes curativas do porrete da polícia. Não é de hoje que ele expõe a sociedade às "ações enérgicas das forças da ordem", mesmo que a eficácia de tais ações muitas vezes seja próxima de zero.
Há anos, sua polícia envolveu-se em uma operação para exterminar líderes do PCC, isso no caso conhecido como "Castelinho". "Estamos definitivamente livres do PCC", afirmava solenemente o secretário da Segurança. Anos depois, o mesmo PCC parou São Paulo em uma das mais impressionantes demonstrações de força do crime organizado.
Mais ou menos nessa época, militantes de direitos humanos se
mobilizaram para exigir o afastamento de membros da polícia acusados de
praticar tortura na ditadura. Expressiva maioria dessas demandas
permaneceu letra morta.
Só nos anos de 2011 e 2012 vimos mais dois exemplos patéticos de
atuação de uma polícia que sempre gostou de confundir segurança com
demonstração histérica de força. A primeira ocorreu na USP.
Após a intervenção policial no desalojamento de estudantes que
invadiram a reitoria, cresceram denúncias de maus-tratos praticados por
policiais.
O último capítulo foi a recente e inacreditável cena de um policial com
arma em punho ameaçando um estudante: prova cabal do despreparo de uma
corporação acostumada a atirar primeiro e pensar depois. A sociedade
deveria ler com mais calma os estudos que se avolumam nas universidades
sobre violência policial.
Agora, fomos obrigados a assistir a uma incrível intervenção na chamada cracolândia.
Nada adianta a maioria dos profissionais de saúde mental insistir no
absurdo que significa tratar uma questão de saúde pública como um
problema de segurança. Nada adianta lembrar que a maioria das pessoas
nessa região não são traficantes. São, na verdade, usuários, que devem
ser tratados não a bala, mas em leitos de hospital. Afinal, há uma
parcela da população que se excita quando vê a polícia "impondo a
ordem", por mais teatral e ineficaz que seja tal imposição. Para tal
parcela, a polícia é um fetiche que serve para embalar o sonho de uma
sociedade de condomínio fechado.
Se tais pessoas, ao menos, se lembrassem de Philippe Pinel, o pai da
psiquiatria moderna, talvez elas entendessem o valor nulo de tais ações
policiais, assim como da defesa de políticas de "internação compulsória"
de viciados.
Aquele que é vítima de sofrimento psíquico (e a drogadição é um deles)
só será curado quando o terapeuta for capaz de criar uma aliança com a
dimensão da vontade que luta por se conservar como autônoma. Não será à
base de balas e internação forçada que tal aliança se construirá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário