sábado, 14 de janeiro de 2012

Contra o preconceito homofóbico

Marcelo Serrado, o equivocado 

*Alexandre Vidal Porto, na Folha de S. Paulo

Marcelo Serrado interpreta "Clô"

Na década de 1920, a cidade de Berlim conheceu um dos períodos mais tolerantes da história em relação à homossexualidade.

Casais do mesmo sexo eram tratados com respeito, e a cultura homossexual era aceita sem constrangimentos. Essa situação propícia se manteve até a emergência de Adolf Hitler, que mandou dezenas de milhares de homossexuais para campos de extermínio, todos com um triângulo rosa no peito.

No Brasil, ocorre situação análoga. Lentamente, a conquista pela igualdade de tratamento para os homossexuais avança. Mas a luta é inglória. Quando se pensa que os avanços estão consolidados, surge um Silas Malafaia, um Jair Bolsonaro ou um Ives Gandra Martins para lembrar que a questão está longe de ser resolvida.

O último nessa linhagem de homofóbicos é o ator Marcelo Serrado, que interpreta o personagem homossexual Crô, na novela "Fina Estampa". Em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, publicada na edição do último domingo deste jornal ("Arrasa, bii!"), Serrado expôs seu preconceito abertamente ao declarar que não gostaria de que a sua filha de sete anos visse um beijo gay na televisão.

Em sua conta no Twitter, o ator negou que fosse preconceituoso. Como se não querer que uma criança assista a um beijo gay nada tivesse de discriminatório. Exatamente como a senhora que diz que não é racista, mas que preferiria que a filha não se casasse com um negro.

A maneira como Serrado educa a sua filha é problema dele. Não se condena o teor de suas declarações preconceituosas, porque a homofobia ainda não é crime no Brasil.

O condenável em sua atitude é a negação do óbvio. Ele tem o direito de educar a sua filha como quiser, mas não pode enganar a população tentando descaracterizar a natureza do seu preconceito. Ou seja, Serrado é um homofóbico no armário. Precisa sair dele.

Serrado terá alcançado o auge da sua fama às custas da ridicularização dos homossexuais. Para ele, explorar a homofobia da sociedade brasileira deu certo. Para a Rede Globo, também, porque os índices de audiência da novela são altos. É triste, porém, que uma emissora de televisão preste tal desserviço à consolidação da cidadania.

A imagem desrespeitosa que a televisão brasileira difunde dos homossexuais pode dar lucro às emissoras e aos atores. No entanto, causa prejuízo ao Brasil como um todo, porque solapa os esforços do governo e da sociedade no combate ao ódio e à intolerância.

A caricatura homossexual que Aguinaldo Silva compôs e que Marcelo Serrado se presta a interpretar, por exemplo, levará anos para ser desmantelada no imaginário da nação. Produzirá discriminação e gerará violência.

Em defesa da novela, poder-se-ia falar em liberdade de criação artística. No ataque, porém, é necessário recordar a noção de responsabilidade social, que as redes de televisão têm o dever de preservar.

Homossexuais caricatos sempre existiram. Não temos de negá-los. Pergunto-me, no entanto, em que novela ou reality show estarão os homossexuais comuns, que têm relações estáveis, acordam cedo para ir trabalhar e levam uma vida convencional. Eles também existem. São muitos. Pagam impostos e exigem respeito.

Ah, e beijam-se também, Marcelo Serrado, como qualquer ser humano normal. Querer ocultar esse fato de sua filha ou de quem quer que seja constitui homofobia, quer você queira, quer não.

*ALEXANDRE VIDAL PORTO, 46, mestre em direito pela Universidade Harvard, é diplomata e escritor

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