quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Deputados criticam operação da PM-SP na Cracolândia

Deputados federais petistas criticaram nesta quarta-feira (11) a operação da Polícia Militar de São Paulo na região conhecida como Cracolândia, no centro da capital paulista, realizada na semana passada. Na opinião do líder do PT na Câmara, deputado Paulo Teixeira (SP), ação foi um “grande equívoco”. “A operação demonstrou uma postura extremamente equivocada por parte do governo estadual, que respondeu ao problema, nestes últimos sete ou oito anos, usando apenas a polícia, quando deveria utilizar políticas de inclusão social, de atenção à saúde, entre outras medidas”, criticou Teixeira.  

Para o líder petista, o governo do PSDB não sabe como lidar com esse problema. “O uso da polícia é reflexo da visão ultrapassada do governo tucano para lidar com esse problema social, que precisa ser enfrentado com uma abordagem alternativa, que privilegie o enfoque da saúde, das políticas de proteção social que previnam o agravamento da situação”, afirmou Paulo Teixeira, defensor da metodologia de redução de danos no enfrentamento das drogas.  

Na opinião do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), presidente da Comissão Especial de Combate às Drogas da Câmara, a operação da PM-SP agiu na contramão das concepções modernas para lidar com o problema. “A Cracolândia é uma realidade com a qual não podemos mais conviver, mas o autoritarismo e a repressão não resolvem o problema, apenas dispersam aquele contingente de pessoas. Precisamos combinar vários tipos de medidas: realizar ações preventivas e implementar medidas protetivas, cadastrar e encaminhar os usuários para as clínicas e garantir tratamento adequado, bem como assegurar a reinserção social destas pessoas, que foram abandonadas pela sociedade  e pelo Estado”, defendeu Lopes.  

Segundo Reginaldo Lopes, a estruturação dos serviços de saúde para oferecer tratamento a dependentes químicos é fundamental para que esta mazela seja superada. “É imprescindível a melhoria dos serviços de saúde, especialmente da saúde pública, com a formação de equipes multidisciplinares e especializadas para tratar deste problema. Precisamos combater a doença e não o doente”, resumiu o deputado mineiro, que esteve na Cracolândia em maio do ano passado.  

Após a operação de cerco na Cracolândia e regiões próximas, o coordenador de Políticas sobre Drogas do governo de São Paulo, Luís Alberto Chaves de Oliveira, disse que a estratégia da operação era forçar usuários a buscar tratamento por meio de “dor e sofrimento” causado pela dificuldade de encontrar a droga.  

O Ministério Público Estadual instaurou inquérito civil para investigar as medidas adotadas pelo governo estadual e prefeitura de São Paulo durante o episódio.  

Repúdio – Diversas entidades da área jurídica e dos direitos humanos emitiram nota de repúdio ao “Plano de Ação Integrada Centro Legal”, do qual fez parte a operação da PM na Cracolândia, que prendeu 55 pessoas, segundo balanço divulgado nesta quarta-feira (11). Conforme o texto, elaborado pelo Centro Acadêmico XI de Agosto, entidade estudantil da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), o Plano “é errado tanto na sua concepção, quanto no modo como é executado” e a ação da PM cometeu “sistematicamente atos de agressão física e moral contra os cidadãos, em claro abuso de autoridade e desrespeito aos direitos humanos”.  

Para os signatários da nota, o Plano evidencia “a adoção de uma estratégia que somente expulsa os usuários de um lugar a outro, continuamente, em detrimento da oferta de alternativas reais de reabilitação que respeitassem verdadeiramente a dignidade dessas pessoas”.  

Confira abaixo a íntegra da nota do XI de Agosto.

Rogério Tomaz Jr.   

NOTA DE REPÚDIO À POLÍTICA DE “DOR E SOFRIMENTO” NA CRACOLÂNDIA  

O Centro Acadêmico XI de Agosto, entidade representativa dos estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), vem a público manifestar repúdio ao Plano de Ação Integrada Centro Legal, iniciado em 03 de janeiro de 2012 na Cracolândia, região central de São Paulo.  

O plano é errado tanto na sua concepção, quanto no modo como é executado. Esse projeto envolve a ação da Polícia Militar na região, buscando inibir o tráfico de drogas e dispersar os seus usuários, que também seriam impedidos de se fixar em outros locais. A denominada “política de dor e sofrimento” visa provocar abstinência nos usuários de crack, a partir da qual, em visão equivocada, eles buscariam tratamento junto ao Poder Público.  

Deve-se atentar, primeiramente, à fragilidade desse plano, pois parte do pressuposto que o sentimento de fissura do usuário em abstinência ocasionará seu interesse em buscar tratamento, ignorando os demais efeitos, como outros problemas de saúde ou reações violentas à abstinência. Ainda que essa política agressiva e desumana em andamento efetivamente gerasse busca por tratamento, a cidade de São Paulo não teria condições para atender os usuários, pois carece de estrutura adequada para tanto. E pouco se faz a esse respeito.  

Diversos agentes do Poder Público também têm reiterado que a migração dos usuários a outras regiões será combatida, concluindo-se, então, que a operação será estendida para outros pontos da cidade. Transparece, dessa forma, a adoção de uma estratégia que somente expulsa os usuários de um lugar a outro, continuamente, em detrimento da oferta de alternativas reais de reabilitação que respeitassem verdadeiramente a dignidade dessas pessoas e visassem, de fato, recuperar sua saúde.  

A execução do plano é reflexo dos problemas em sua concepção. As autoridades afirmam que o crack é uma questão de saúde pública. A prática, entretanto, prova o contrário. A ação policial ostensiva, planejada e detalhada, reprime o usuário e contrasta com a nebulosidade do plano de ação referente à recuperação da saúde dessas pessoas. O alvo da polícia, que seria o tráfico, acaba sendo o usuário.  A eficácia no combate ao tráfico é mínima e o desrespeito aos usuários, enquanto seres humanos, enorme.  

O Plano de Ação Integrada Centro Legal limita-se, portanto, à ação policial direcionada aos usuários e tem ensejado constantes violações aos seus direitos. É inadmissível, em um Estado Democrático de Direito, que agentes do Poder Público cometam repetida e sistematicamente atos de agressão física e moral contra os cidadãos, em claro abuso de autoridade e desrespeito aos direitos humanos. O combate ao tráfico de drogas não pode servir de pretexto para ignorar a necessidade de implementação de políticas públicas de saúde e assistência social para uma população marginalizada e doente.  

A simples e violenta retirada dos usuários de crack do espaço público não resolve o problema de uma população já desamparada, que não tem outro lugar aonde ir e que sofrerá forte repressão policial para somente então, e em visão equivocada, perambular em busca de uma ajuda incerta.  

Sendo assim, as entidades e pessoas abaixo assinadas declaram que:  

Não admitem que os usuários de crack, parcela vulnerável e marginalizada da nossa sociedade, tenham como tratamento estatal a ação policial repressiva no lugar da implementação de políticas de saúde pública e de assistência social;  

Não admitem que essa população seja expulsa dos espaços públicos que ocupa, sendo forçada a uma migração permanente, em que não há real perspectiva de melhora de vida;  

Não admitem que uma operação estatal seja realizada em desrespeito aos direitos humanos, e que agentes estatais cometam sistematicamente atos de agressão física, moral e patrimonial contra a população, de modo indevido e impunemente.  

Centro Acadêmico XI de Agosto – Faculdade de Direito da USP  
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos  
Centro Franciscano – SEFRAS  
Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama – Faculdade de Direito da USP  
Instituto Luiz Gama  Instituto Pólis  
Instituto Práxis de Direitos Humanos  Instituto Terra Trabalho e Cidadania – ITTC  
Núcleo de Antropologia Urbana da USP  
Pastoral Carcerária  
SAJU – Faculdade de Direito da USP  
UNEafro-Brasil  
Alamiro Velludo Salvador Netto – Professor Doutor do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da USP  
Alvino Augusto de Sá – Professor Doutor do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e criminologia da Faculdade de Direito da USP  
Alysson Leandro Barbate Mascaro – Professor do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP  
Amando Boito Jr. – Professor da Unicamp  
Antônio Carlos Amador Pereira – Psicólogo e Professor da PUC-SP  
Antônio Magalhães Gomes Filho – Professor Titular de Processo Penal e Diretor da Faculdade de Direito da USP  
Caio Navarro de Toledo – Professor do IFCH da Unicamp  
Celso Fernandes Campilongo – Professor Titular do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP  
Eros Roberto Grau – Professor Titular aposentado da Faculdade de Direito da USP e Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal  
Dimitri Dimoulis – Professor de Direito Constitucional da Direito GV  
Geraldo José de Paiva – Professor Titular do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da USP  
Gilberto Bercovici – Professor Titular do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da USP  
Jorge Luiz Souto Maior – Professor Associado do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP  
José Antonio Pasta Junior – Professor Livre-Docente da Faculdade de Letras da FFLCH USP  José Guilherme Cantor Magnani – Professor Livre-docente do Departamento de Antropologia da FFLCH-USP  
José Tadeu de Chiara – Professor do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e tributário da Faculdade de Direito da USP  
Lídia de Reis Almeida Prado – Professora Doutora do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP  
Marcio Naves – Professor de Sociologia do IFCH – Unicamp  
Marcio Suzuki – Professor da Faculdade de Filosofia da FFLCH USP  
Marcus Orione – Professor Associado do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP  
Mario Gomes Schapiro – Professor da Direito GV  
Mariângela Gama de Magalhães Gomes- Professora Doutora do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da USP  
Miguel Reale Júnior – Professor Titular do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da USP e ex-Ministro da Justiça  
Nádia Farage – Diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp  
Otávio Pinto e Silva – Professor Associado do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP  
Paulo Eduardo Alves da Silva – Professor do Departamento de Direito Privado e Processo Civil da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto – USP  
Ricardo Antunes – Professor de Sociologia do IFCH – Unicamp  
Samuel Rodrigues Barbosa – Professor Doutor do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP  
Sérgio Salomão Shecaira – Professor Titular do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da USP

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